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“Combinaram, então, trinta moedas de prata.” (Mt 26,15)
Mais uma vez, temos a oportunidade de comemorar a Semana Santa, ou seja, fazer memória dos últimos dias de Jesus: desde a entrada em Jerusalém, entre os “hosanas” da multidão que o seguia desde a Galileia porque o reconheceu como profeta, até o sepulcro vazio no raiar do primeiro dia da semana.
Para quem participa da liturgia católica, as celebrações do Domingo de Ramos e do Tríduo Pascal chamam muito mais a atenção que as celebrações da Segunda, Terça e Quarta-feiras Santas. Contudo, nessas celebrações, mais concretamente, no Evangelho proclamado nessas celebrações, há elementos que enriquecem e aprofundam a vivência da própria Semana Santa.
Nos três dias entre o Domingo de Ramos, aparece em destaque no Evangelho a figura de Judas Iscariotes, aquele que traiu Jesus. Na Segunda-feira Santa, ele é colocado em contraposição com Maria, irmã de Marta e Lázaro, que, em Betânia, ungiu os pés de Jesus com perfume e os secou com seu cabelo (Jo 12,3). Na Terça-feira Santa, Judas é contraposto ao discípulo a quem Jesus amava (Jo 13,25); porém, Pedro, outra figura de destaque no Evangelho, é colocado ao lado do traidor como aquele que negará Jesus três vezes (Jo 13,38).
Não obstante, na Quarta-feira Santa Judas não será contraposto a ninguém, embora esteja novamente em destaque. O Evangelista contrapõem as trinta moedas de prata, oferecidas a ele, com Jesus (Mt 26,15). De um lado, está uma quantia de dinheiro, de outro, Jesus, o Filho de Deus.
Imediatamente, nos lembramos de uma frase dita pelo próprio Jesus também no Evangelho segundo Mateus: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). Jesus morreu por causa da “blasfêmia”, como o acusavam os sacerdotes e anciãos do povo; morreu por causa da traição e negação de seus amigos; mas ele também morreu por causa do dinheiro.
No dia 04 de abril, Terça-feira Santa, a revista Forbes publicou a lista das duzentas pessoas mais ricas do mundo. Além de fundadores e herdeiros de grandes conglomerados industriais e comerciais e bancos, aparecem na lista presidentes de empresas de tecnologia. Logo, nenhuma novidade em relação ao que vem sendo visto nas últimas décadas. Inclusive, nenhuma novidade no fato de que a fortuna dessas duzentas pessoas seja maior que a economia de países inteiros. Nenhuma novidade, mas uma enorme vergonha para a humanidade do século XXI.
Durante o encontro mundial dos Movimentos Populares, realizado em 2015 na cidade de Santa Cruz de la Sierra/ Bolívia, o Papa Francisco soube expressar com muita exatidão a vergonhosa concentração de patrimônio e de renda da atualidade: “Esta economia mata. Precisamos e queremos uma mudança de estruturas”.
Constatar que duzentas pessoas são mais ricas que nações inteiras remete o pensamento às trinta moedas de prata que Judas recebeu para entregar Jesus. O dinheiro – mais precisamente, o acúmulo de dinheiro – é um ídolo poderoso, que se esconde por trás de práticas religiosas e apazigua consciências de muitos tornando-os incapazes de olhar para milhões de pessoas que, hoje, estão crucificadas por não terem as mínimas condições de vida digna. Nas palavras de Ignacio Ellacuría, teólogo da Libertação, são essas pessoas formam completos “Povos crucificados”.
Fazer memória da cruz de Jesus, nesta Semana Santa, implica completar a cruz de mulheres e homens, de idosas, idosos e de crianças que não têm sequer um pedaço de pão sobre sua mesa, um teto sobre suas cabeças, um agasalho para seus corpos. Jesus morreu por causa do dinheiro; milhões morrem, hoje, por causa do dinheiro, por causa de seu vergonhoso acúmulo nas mãos de pouquíssimos.
Ao mesmo tempo, fazer memória da Ressurreição de Jesus significa para a Igreja comprometer-se, como ele próprio, com o Evangelho do Reino de Deus e a denúncia de toda exclusão e marginalização; significa comprometer-se com o anúncio profético capaz de gerar esperança nas multidões crucificadas pelo pecado do mundo, pelo pecado de uma economia que mata.
Que o “aleluia” da Igreja nesta Páscoa não seja somente marcado pela pompa e circunstância de excessos cometidos na liturgia – sobre isso, precisamos conversar! -, mas que seja libertador, repleto de esperança para todas e todos!
*Pe. Matheus da Silva Bernardes é sacerdote da Arquidiocese de Campinas/SP e professor de Teologia da PUC-Campinas.