
Passado o dia 20 de outubro, diversos grupos católicos nas redes sociais começam a ampla companha contra o Halloween. “Católicos não celebram Halloween, mas o dia de Todos os Santos”, afirmações como essa se multiplicam pelas mídias sociais católicas. Contudo, o que mais chama a atenção é a criação de um novo festival: Holywins. No lugar de fantasias de bruxas e monstros, temos crianças transvestidas de santas e santos.
Sem querer entrar na discussão estética de tal prática, vale a pena fazer uma pequena reflexão sobre o que acontece. O trocadilho Halloween e Holywins não revela outra coisa que a completa ignorância em inglês. A origem imediata do festival de Halloween é a véspera do dia de Todos os Santos (hallow, santo, e a eve, véspera) comemorada nas ilhas britânicas. Além disso, podemos falar de uma origem muito mais remota do Halloween: os festivais celtas para comemorar as colheitas e o encerramento do verão; era a ocasião na qual a palha, resto das colheitas, era queimada.
Ainda há outros elementos históricos – alguns certos, outros mais duvidosos – que compõem a origem da comemoração da véspera do dia de Todos os Santos, ou em inglês, Halloween. O que conhecemos hoje como Halloween pouco ou nada tem do festival cristão das ilhas britânicas ou dos festivais celtas que comemoravam os resultados das colheitas.
Trazido aos Estados Unidos por imigrantes irlandeses, o Halloween foi adquirindo, especialmente a partir da segunda metade do século passado, traços comerciais. De um festival celta, passando por uma noite cristã, o Halloween converteu-se em uma mais oportunidade gastos e excessos, nos quais as crianças são fantasiadas por seus pais e perambulam pela vizinhança em busca de doces: trick or treat (doces ou travessuras, em uma tradução não muito fiel).
Mas peraê! Crianças disfarçadas por seus pais e perambulando… Isso é Halloween ou sua versão mais recente, o Holywins (algo como santo vence, sendo uma expressão forçada em inglês)? Aqui, devemos nos deter um pouco e analisar o que vem acontecendo “na cabeça” de alguns católicos – analisar, sim; compreender, difícil.
2023 não é o primeiro ano em que vemos fotos de crianças transvestidas de santas e santos perambulando por salões paroquiais e condomínios. Até mais, há imagens de festas de jovens transvestidos daquelas e daqueles, cuja santidade foi reconhecida oficialmente pela Igreja. Por aqui, podemos verificar quão estranha é a prática do Holywins.
Se a ideia é comemorar todas as santas e todos os santos, tal como a lex orandi da Igreja propõe, não há por que transvestir crianças, adolescentes e jovens de roupas antigas e medievais, afinal a solenidade de todas as santas e todos os santos na Liturgia não nos convida a contemplar a vida daquelas e daqueles que foram canonizados, mas daquela multidão incontável de irmãs e irmãos nossos que estão na presença do Cordeiro (Ap 7,4).
Com isso, a Igreja professa que a santidade não é conquista de poucos, mas dom oferecido por Deus a todas e a todos, como bem ensina o Concílio Vaticano II tanto na Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja (LG V) e a Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre Igreja no mundo atual (GS 22).
Mas o que mais chama a atenção no assim chamado Holywins não é a crítica ao atual Halloween, mas como católicos assumem os mesmos costumes mundanos daqueles que criticam. Se os pais, que levam suas filhas e seus filhos disfarçados de bruxas e monstros para perambular pela vizinhança, sentem-se tão orgulhosos de seus rebentos e não param de tirar fotos e publicar em suas redes sociais, aqueles que levam suas crianças transvestidas de santos católicos fazem a mesma coisa.
De fato, aqui está o grande problema tanto do atual Halloween, como de sua versão católica, o Holywins: trata-se de mais uma prática, que evidencia quão proprietários de seus filhos os pais se sentem. Talvez as fantasias mudem, mas as cenas de pais abobalhados que sentem um pseudo orgulho de seus filhos são as mesmas. Tal prática nos remete à conhecida frase da Dama de ferro do Reino Unido, Margareth Tatcher, que se converteu na década de oitenta em paladina do neoliberalismo econômico: “there’s no such thing as society. There are individual men and women and there are families” (não há nada de sociedade. Há tão só homens e mulheres individuais e famílias, em tradução livre).
Para implementar a agenda neoliberal, que tanto dano tem causado ao mundo, suprimir a sociedade e exaltar os indivíduos e suas “famílias” é fundamental. Porém, estejamos atentos, a “família” exaltada pela agenda neoliberal não tem nada a ver com uma comunidade de vida e amor, que está aberta à comunidade na qual vive. A “família” neoliberal é tão somente uma célula consumidora, ou melhor, consumista, na qual filhas e filhos repetem os padrões de consumo de seus pais preservando, assim, hábitos muito mais vinculados ao mercado que à sociedade.
Disso, emerge uma pergunta muito pertinente: às discípulas e aos discípulos de Jesus corresponde essa preservação de costumes consumistas? “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21) lemos há pouco na celebração dominical. O consumismo, sustentado por “famílias” neoliberais é de César, não de Deus. Assim como os excessos do Halloween, mantidos por famílias consumistas, são de César, os excessos do Holywins também são.
Uma crítica cristã ao atual Halloween perde completamente seu sentido ao simplesmente transformá-lo em um festival com “sinais invertidos”. Criticá-lo verdadeiramente implica assumir um estilo de vida sóbrio, sem os excessos do consumismo e, mais ainda, um estilo de vida aberto à sociedade e ao mundo, muito diferente daquilo que vemos nas herméticas “famílias” neoliberais.
Além de ser ignorantes em inglês e não compreenderem o significado litúrgico de uma solenidade tão bela como a de Todos os Santos, os católicos que comemoram o Holywins caem nas garras de César e são cooptados pelo mundanismo espiritual, mal que aflige toda a Igreja e como tem insistido o Papa Francisco: “O mundanismo é uma proposta de vida […], é uma cultura, é uma cultura do efêmero, uma cultura do aparecer, da maquiagem, uma cultura ‘do hoje sim, amanhã não, amanhã sim e hoje não’” (16 de maio de 2020).