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Por João Paulo de Souza da Silva*

“Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano. Quero lançar um grito desumano, que é uma maneira de ser escutado”

Numa leitura atenta da Bíblia observamos o quanto Jesus se colocou ao lado das mulheres dentro da cultura machista e patriarcal do contexto no qual a Bíblia foi escrita.

Em todos os Evangelhos vemos o Cristo quebrando regras para incluir as mulheres em suas ações. Sua atitude para com a mulher que foi apresentada para ser apedrejada, as primeiras pessoas para quem apareceu após a ressurreição, revelam como o Cristo sempre valorizou e incluiu as mulheres. A relação com Maria de Betânia, reconhecida como discípula de Jesus num tempo em que nenhum rabino aceitava mulheres como discípulos.

Quando de seu encontro com a mulher Samaritana, que havia passado por vários casamentos, onde os maridos exerciam poder sobre ela, o Cristo a encorajou ao empoderamento e autonomia. Assim não podemos continuar vivenciando a contínua negação dos direitos da mulher. O Reino de Deus é um reino de amor, de igualdade e justiça. Não é um reino de um deus acima de todos, mas de um “Deus conosco”, especialmente dos oprimidos.

Não podemos compactuar com a tortura à qual a jovem Mariana Ferrer está sendo exposta. Ao buscar amparo no judiciário, buscou não apenas a reparação dos atos que foi vítima, o que com nenhuma sentença será possível, face ao horror do qual padeceu. O mínimo esperado é que o Estado e as autoridades constituídas pudessem respeitar sua dignidade e acolhê-la em seu sofrimento.

É absolutamente estarrecedor, que o judiciário e operadores do direito atuem humilhando uma vítima que busca justiça. As mulheres no Brasil sofrem rotineiramente inúmeras formas de violência. O conservadorismo patriarcal manifesto na decisão judicial, é desumano, humilhante, e contrário a tudo aquilo que Jesus pregava e vivia.

Que os “líderes” religiosos mudos no extermínio do povo negro, na destruição das terras e morte dos indígenas, na fome que volta ao mapa deste país, possam no caso de Mariana Ferrer, ter o mesmo ímpeto em defendê-la como para o retorno dos cultos em meio a uma pandemia que já condenou à morte 160 mil brasileiros.

Que esses sepulcros caiados, pudessem ter a mesma energia com que vociferam face aos que defendem a dignidade de LGBT’s contra aqueles destruíram a vida de uma jovem. Porém, algo difícil de esperar dos que coam mosquitos e engolem camelos. E o Cristo segue sendo morto cotidianamente. Nos corpos negros, indígenas, LGBT’s e femininos sempre desprezados.

Pai, afasta de Mari este cálice!

* João Paulo de Souza da Silva é leigo na Igreja Anglicana, pedagogo e professor de Ensino Religioso na Rede Municipal de Curitiba. Atualmente é estudante de Teologia na Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA), instituição protestante não-denominacional sediada em Londrina, no norte do Paraná.