
Reportagem especial, para projeto de Tese de Doutorado de Ana Beatriz Dias Pinto*

A primeira revista católica mariana do Brasil foi a “Ave Maria”, fundada em 1898. Seu primeiro editorial, datado de 28 de maio de 1898, é assinado por Maria Candida Junker Alvares, sendo que a ela e a Tiburtino Mondim Pestana se creditaram a fundação da publicação (GONÇALVES, 2009, p.113). As crônicas dos missionários claretianos acrescentam, ainda, o nome de Manuel Recco como sendo outro fundador da revista (CLARET, 2015).
Todos habitantes da capital paulista, seus idealizadores tiveram como objetivo de sua criação, difundir a devoção mariana entre os fiéis e propagar os ensinamentos da Igreja Católica. Nesse contexto, a revista começou a ser impressa na divisa entre os bairros de Santa Cecília e Higienópolis, na “Tipografia Fagundes & Comp., localizada à Rua Jaguaribe, n.47.” (DUARTE, 2018, p.490). O local ficava próximo à residência dos Missionários Claretianos que, desde 1897, ficaram incumbidos pela construção da igreja do Imaculado Coração de Maria, na capital paulista e, devido a problemas financeiros por parte dos leigos que a idealizaram, assumiram a direção da publicação alguns meses após o lançamento de seu primeiro exemplar.
Influência dos missionários claretianos
A Congregação dos Missionários Filhos do Coração de Maria foi fundada na Espanha, em 16 de julho de 1849, pelo sacerdote catalão Antônio Maria Claret. No período, vivia-se o contexto de afirmação do poder pontifício buscado pelo Pio IX, que percebia a Igreja ameaçada pelo “apogeu do racionalismo-inmanentista-secularizante”. No Brasil, desembarcam em 19 de novembro de 1895, após negociações entre o bispo coadjutor de São Paulo e seu futuro cardeal, Dom Joaquim Arcoverde, além do Superior Geral da ordem claretiana, Padre José Xifré.
Pode-se afirmar que os claretianos tinham a cumprir dois objetivos iniciais: suprir as deficiências de uma prática missionária que intentava se reconstruir depois do declínio observado nas ordens religiosas entre as reformas pombalinas, desde meados do século XVIII até quase o fim do Império brasileiro; e contribuir ostensivamente para o projeto de construção institucional do catolicismo brasileiro (ANUÁRIO CLARETIANO, 1948, p. 144). Os claretianos também se destacaram na realização de uma terceira tarefa de grande importância na ótica da hierarquia: a expansão da imprensa católica de matriz popular.
É este pressuposto que os leva, em 1899, a assumir o controle da política editorial e de todos os encargos inerentes ao processo produtivo da revista Ave-Maria. Nisso consistia propaganda, redação, censura, esquema de assinaturas, distribuição. A mudança administrativa esteve associada ao aparecimento, em agosto daquele ano, da Arquiconfraria do Coração de Maria na capital paulista, e à implantação de políticas operacionais pelos padres da congregação em busca de novas dinâmicas no funcionamento da revista, após a superação da crise que colocou em risco sua existência.
Impacto midiático
Desde o seu início, a revista Ave Maria obteve grande sucesso, e em pouco tempo se tornou a publicação religiosa mais lida e difundida no Brasil. Seu conteúdo incluía artigos sobre doutrina católica, reflexões sobre a vida cristã, novenas, orações e ensinamentos sobre a devoção mariana.
Com o tempo, a revista Ave Maria se tornou também um instrumento importante de evangelização, especialmente nas áreas mais remotas do Brasil. Muitos missionários e padres levavam consigo exemplares da revista em suas missões, distribuindo-os entre os fiéis e incentivando a sua leitura.
Ao longo dos anos, a revista Ave Maria passou por diversas transformações, sempre se adaptando às mudanças do contexto social e religioso do país. Atualmente, a revista é publicada mensalmente pela Editora Ave-Maria, e continua sendo uma das publicações religiosas mais lidas e respeitadas no Brasil.
O apelo ao Coração de Maria foi um instrumento didático e altamente eficaz: na devoção católica, a representação do coração não se refere somente ao órgão biológico, e sim à totalidade de uma pessoa. As Escrituras falam do coração quando desejam expressar o lugar mais íntimo do ser humano, onde residem seus sentimentos, suas esperanças e seus desejos e, também, sua memória, vontade e a inteligência. Enquanto a devoção ao Imaculado Coração de Maria era um canal para a fé e para o florescimento da devoção a Nossa Senhora, a revista Ave-Maria era um modo concreto de fazer essa fé circular e transmitir conteúdos à população alfabetizada. Até porque, partindo da oração o título da publicação também remete à saudação do anjo a Maria (cf. Lc 1, 26-28) que, por força devocional, se tornou uma oração recitada como expressão acentuadamente católica. Além disso, é referência à piedade religiosa dos devotos do Sagrado Coração de Maria, designada para “atrair os bons católicos” durante o movimento da Restauração Católica no Brasil, ao tempo em que “parecia decrescer a religião mediante as leis fatídicas do ateísmo oficial” (AVE MARIA, 28/05/1898, p.1).
Na Ave-Maria, desde seu primeiro fascículo, utilizaram-se pseudônimos para contextualizar a realidade brasileira, não somente do catolicismo. Era um folheto crítico, social, engajado. Trazia algumas características fortes do período do Arcadismo (ocorrido de 1768 a 1808, que se estendeu às portas dos embates para a retirada da coroa portuguesa do país, em 1889, e sua principal questão era o uso de pseudônimos para fazer crítica à coroa portuguesa), além de que também se apresentam nas primeiras edições de Ave-Maria algumas conotações da poesia condoreira, de cunho social, suscitada justamente pelo Romantismo no Brasil (1836-1881), em seu 3o. Período, que se caracterizava pela crítica social, uso de hipérboles (exageros), uso intenso de vocativos e exclamações, buscando assim despertar a emoção e a ação do leitor.
Também há acenos de características do Simbolismo (1893-1922), que tem justamente progressão durante o processo de criação da publicação e se caracterizava por elementos evocadores de religiosidade exacerbada – especialmente o catolicismo no Brasil, temas que tratavam da morte, do destino, de Deus, com enfoque espiritualista quanto ao papel da mulher, envolvendo-a num clima de sonho onde predomina o vago, o impreciso, o etéreo (SOUZA, 2010). É o que se encontra em Ave-Maria desde sua criação, que contou com a influência pessoal de cada um de seus diretores; todos eles eram missionários claretianos e estiveram à frente da direção da revista Ave-Maria da seguinte forma:
- Pe. Raimundo Genove Carreira – 1º. Provincial (1898-1920);
- Pe. Angelo Martin Vergara (1920-1930);
- Pe. Anastácio Vasquez Alonso (1930-1952);
- Ir. Joaquim Dias de Castro (1952-1956);
- Pe. José dos Santos, 1ª Gestão (1956-1965)
- Pe. José de Matos (janeiro a maio de 1965);
- Pe. José dos Santos, 2ª Gestão (1965-1974);
- Pe. Athos Luiz Dias da Cunha (1975-1985);
- Pe. Claudio Gregianin (1985-2007);
- Pe. Luís Erlin Gomes Gordo (2007 aos dias atuais).
Impacto do Vaticano II
A revista Ave-Maria assistiu, desde sua fundação, aos maiores eventos do catolicismo moderno, tendo inclusive destinado inúmeros volumes à cobertura do Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, que foi um marco histórico na vida da Igreja Católica, e teve um impacto significativo na forma como a Igreja se comunicava com o mundo.
Além do mais, nesse período, a maioria dos países latino-americanos vivia sob regimes autoritários e oligarquias que promoviam desigualdades sociais extremas. A pobreza, a fome e a falta de acesso a serviços básicos eram generalizadas. Diante disso, muitos cristãos começaram a questionar o papel da Igreja na sociedade e a buscar formas de conectar a mensagem cristã com a luta pela justiça social e econômica.
Teólogos latino-americanos importantes à época, como Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, Juan Luis Segundo, Jon Sobrino e Enrique Dussel, por exemplo, buscaram contribuíram para o desenvolvimento de um novo modo de se “ler” a vida da Igreja e o impacto da evangelização do continente ameríndio. Assim, surgiu um novo modo de se fazer teologia: a Teologia da Libertação. O padre peruano Gustavo Gutiérrez é frequentemente citado como um dos fundadores da Teologia da Libertação. Em 1971, ele publicou um livro intitulado “Teologia da Libertação: Perspectivas”, no qual argumentava que a Igreja deveria estar ao lado dos pobres e oprimidos, e que a luta por justiça social era uma parte essencial da mensagem cristã, uma vez que a pobreza e a opressão existentes em nosso continente não eram apenas questões econômicas ou políticas, mas também tinha implicações teológicas profundas.
O Vaticano II teve uma grande influência na teologia da libertação. Uma das principais influências do Vaticano II na teologia da libertação foi a ênfase na dimensão social da mensagem cristã. O Concílio enfatizou a importância do compromisso da Igreja com a justiça social e econômica, e reconheceu que a pobreza e a injustiça são problemas que afetam a humanidade como um todo. Essa visão ecoou na teologia da libertação, que buscava articular uma visão teológica da luta por justiça social e econômica.
Além disso, o Vaticano II enfatizou a importância da participação dos leigos na vida da Igreja. Isso inspirou muitos teólogos da libertação a se engajarem diretamente nas lutas populares, a fim de ajudar a promover a justiça social. Essa abordagem contribuiu para o surgimento de uma teologia “encarnada”, que buscava se aproximar das necessidades e lutas dos pobres. No entanto, apesar das influências positivas, o movimento da teologia da libertação também se tornou alvo de críticas por parte da hierarquia católica, especialmente após a eleição do Papa João Paulo II em 1978.
A partir de então, muitos líderes da Igreja acusaram a teologia da libertação de promover uma visão marxista da luta pela justiça social e de desviar o foco da mensagem cristã. Em resumo, embora o Vaticano II tenha tido uma grande influência na teologia da libertação, as relações entre os dois não foram sempre pacíficas, e a teologia da libertação continuou a enfrentar desafios e críticas por parte da hierarquia católica.
Tempos de profecia e corda bamba
O contexto do Vaticano II e a ereção do CELAM, além das discussões em torno de ideias progressistas e tradicionais permitiram ao catolicismo brasileiro, entre os anos 1965 e 1995, vivenciar um momento rico, frutuoso e igualmente reflexivo para sua eclesiologia. Na edição de 16 de janeiro de 1966, a Ave-Maria, pela primeira vez, apoiando explicitamente as mudanças do concílio, sem apenas divulgar notícias, mas posicionando-se.
Dessa edição em diante, observa-se uma gradativa mudança de design: as capas começam a contar ou com gravuras, ou fotografias, sempre seguidas de algum tipo de texto. Rostos diferentes dos membros do clero ou da imagem dos santos e de Nossa Senhora constantemente inseridos à capa começam a dar espaço para novas faces: negros, índios, mulheres, pobres.
A partir de 15 de janeiro de 1967, a revista passa por nova reformulação: apresenta logotipo em caixa alta e, pela primeira vez um slogan: “Revista para a Família Cristã” (AVE-MARIA, 15/01/1967, p.1). De acordo com o padre Cláudio Gregianin, entrevistado especial para nosso Blog, que foi editor da revista entre 1985 e 2007, mas que neste período já trabalhava em suas editorias como seminarista, estas tentativas de mudança, mas também de retração, “se davam pelo fato de ter sido uma adaptação intencional ao tempo da Ditadura Militar, que após o Golpe de 64, começou a perseguir o catolicismo e expoentes contrários ao Regime. Era muito mais fácil passar pelo crivo dos censores colocando capas devocionais, com chamadas apelativas no sentido da fé, do que algo político-social. Pelo menos não corríamos o risco de censura e, até mesmo, fechamento de portas e prisão”, afirma.
Isto durou somente por três meses. Mais precisamente, até a publicação de 15 março de 1967, quando Ave-Maria publica uma foto de cortiços na cidade de São Paulo e denuncia de maneira contundente: “Eis a outra face da capital paulista… Ao lado de suas 34.000 fábricas que atingem a produção de um trilhão de cruzeiros, à sombra de seus 500 mil prédios, atrás de suas vitrinas suntuosas e feéricas, brotam 140 mil cortiços, onde 700 mil pessoas vivem em condições precárias. E à margem da cidade, como ofensa ao seu progresso e desafio ao seu cristianismo, surgem 34 mil e 800 barracos, onde estão jogados 164 mil favelados… (AVE-MARIA, 15/03/1967, p.1).
Porém, em 15 de abril de 1967, a revista recua em seu protagonismo, demonstrando viver numa corda bamba: apresenta em sua capa a fotografia do novo grupo de militares brasileiros eleitos, contendo os seguintes dizeres: “Ao Excelentíssimo Marechal Arthur da Costa e Silva, DD. Presidente da Nação Brasileira, desde o dia 15 de março, a sincera e respeitosa homenagem da Revista AVE MARIA”. (AVE-MARIA, 15/04/1967, p.01).
Quem sabe este gesto tenha sido como um modo de colocar panos quentes na edição anterior. Especulações à parte, depois disso, as edições da publicação terminaram o ano com capas suaves, sem apelo fotográfico ou social. Apresentavam apenas conotação religiosa.
Em 15 de janeiro de 1968, pela primeira vez Ave-Maria apresenta um texto Editorial, que é apresentado como sendo um “olhar a vida por uma janela estreita”, onde se buscará fazer “Reflexões para a foto da capa e o ano de 1968” (AVE-MARIA, 15/01/1968, p.3). Quem o assina é o Padre José de Souza e, assim, inicia-se uma nova fase na revista, que agora passa a contar com uma editoria específica para explicar a capa e os dados presentes em cada publicação. Em 15 de julho de 1968, apresenta a primeira grande capa com tema da libertação. Trata-se de um indígena, abraçado a um homem branco, com roupa de sacerdote.
Na edição de 30 de setembro de 1968, outra imagem fala sobre o contexto missionário da Igreja, mas que também deve libertário à população indígena. A capa contém uma fotografia de um descendente de indígenas beijando a mão do papa Paulo VI. Essa perspectiva de incluir rostos de pessoas e não apenas imagens devocionais vai gradativamente sendo intercalada; este posicionamento editorial comprova a preocupação dos editores em apresentar assuntos polêmicos, de cunho social, à capa, depois esmiuçando-os ainda mais no texto editorial. É um trabalho gradativo, que irá se consolidando ao longo deste período em que os editores José dos Santos e Athos Luís Dias da Cunha iniciaram a transição da Ave-Maria que possuía um caráter devocional para um caráter agora mais socialmente engajado, conforme as perspectivas conciliares e do encontro de Medellín que acabara de ocorrer.
Em 30 de novembro de 1971, outra capa polêmica para a sociedade da época: a imagem de um Cristo negro. No editorial, o título expõe a intencionalidade da: “Deus também é negro”. (AVE-MARIA, 30/11/1971, p. 331). A explicação apresentada ao leitor é de que, somente se encontrará a paz, quando o homem descobrir e respeitar “através da face dos seus irmãos, a beleza e a grandeza da imagem do próprio Deus”:
Capas como as que continham imagens de um culto religioso de matriz africana (AVE-MARIA, 28/02/1975, p.1), e com uma mulher negra e grávida caminhando por uma favela (AVE-MARIA, 30/04//1975, p.1), são comentadas pelo editorial de 15 de agosto de 1975, quando o Padre Athos Luís Cunha que acabara de tornar-se editor da publicação, recebeu diversas cartas de leitores criticando o uso de fotografias diferentes das usuais, contendo imagens de santos e itens devocionais. Na resposta, ele argumenta, atrevendo-se a também utilizar da ironia para justificar o uso de tais capas:
Esta, sim! Esta, não! […] Escreveram-nos: não são artísticas. Desculpem-nos, mas aqui houve uma impropriedade na escolha do termo. Nossos amigos colaboradores são fotógrafos especializados […] foram aos locais a pedido da revista, e bateram diversas fotos para escolher a que melhore satisfizesse as exigências de uma capa da revista. Eu posso fotografar uma rosa e obter uma bobagem digna do cesto de lixo. […] os leitores que nos enviaram sua objeção não queriam propriamente dizer o que disseram. O que a gente adivinha, para além de suas palavras, é que eles acham que não se deviam publicar tristezas como essas. Na bondade de seus corações, eles desejariam que o catolicismo de nossa gente fosse tão puro, que não se fragmentasse em terreiros numerosos. Eles gostariam que essa injúria de favelas não fosse verdade, senão fofocas da oposição. Infelizmente, a fotografia é inexorável, não tem coração. Como um médico, ela apalpa onde dói. […] E o esbanjamento de imagens, hem? O problema é que o povo brasileiro é uma impressionante coexistência de raças e culturas. Mas, não se pode negar que, em sua imensa maioria, vive sob o signo do Mobral. Pois é, já aí está por que não recuamos diante daqueles ângulos da realidade nacional. Aquelas fotografias nos fazem pensar. (AVE-MARIA, 15/08/1975, p. 3).
Os demais anos, entre 1976 e 1978, sob a gestão do Padre Athos trarão editoriais mais pungentes. Cada vez mais alinhados com as perspectivas de Medellin e Puebla, buscando identificar os leitores com as propostas do Vaticano II que ainda sentiam objeção por parte de muitos, numa perspectiva clara de que, além do problema da Ditadura, a Igreja também sofria polarizações internas renovadas, mas já conhecidas.
Evidentemente, qualquer tipo de mudança num veículo de imprensa católica tradicional representava um desafio às expectativas de muitos bispos-editores e de muitos leitores daqueles jornais. Esta fase contou com a direção do Padre Athos Luís Dias da Cunha, passando gradativamente a função ao Padre Cláudio Gregianin, que assume a direção do periódico em dezembro de 1985.
Cláudio Gregianin: de sacerdote a jornalista

Nascido no município de Guaporé, no distrito de Montauri (RS), em 21 de setembro de 1944. Cláudio Gregianin o filho primogênito de Antonio Fortunato Gregianin, (falecido no ano de 2018 aos 101 anos de idade) e de Santa Palma Gregianin, (atualmente com 97 anos). O casal teve dez filhos, sendo 2 mulheres e 8 homens.
Gregianin entrou para o seminário claretiano aos 10 anos de idade, em 17 de fevereiro 1955, na cidade de Esteio (RS). Em 1960, a continuação de seus estudos se deu em Rio Claro (SP), a 175km da capital paulista. Estudou os estudos clássicos e científicos (Ensino Médio). Estudou Filosofia em Rio Claro na comunidade claretiana e interrompeu os estudos, fazendo o noviciado em Campinas, em 1964, dando continuidade depois à Filosofia. Em 1967, concluiu os estudos de Filosofia em Curitiba, onde também iniciou os estudos de Teologia.
Em 1969 retorna a São Paulo para colaborar na Ave-Maria por ter aptidão para a pintura e desenho. Em sua passagem por Curitiba, foi aluno de artes plásticas do italiano Guido Viaro, que à época viveu na capital paranaense. Por conta disso, foi convidado para ser ilustrador e diagramador da revista. Assim, vai a São Paulo, onde acaba por concluir os estudos de Teologia no Instituto de Teologia Pio XI, dos padres Salesianos.
Na qualidade de colaborador do corpo editorial, Gregianin fazia separação de material, ilustrações, desenhos e a diagramação do magazine: “Naquele tempo, usávamos uma rama de quadro de tipos para impressão à quente. Eu fazia tudo linha por linha e depois a chapa para a prova e sua posterior revisão. Assim, criava os clichês para adequar os espaços de imagem e articular texto escrito com a arte”, conta.
Após concluir a faculdade de Teologia, foi convidado para participar de um Curso de leitura da realidade social sob a ótica do Evangelho, na igreja dos Dominicanos. Foi aluno do Frei Gilberto Gorgulho, Frei Domingos Zamanha, Ana Flora Anderson, Frei Carlos Josaphat, Frei Betto. Também manteve muito interesse em ouvir palestras e conferências na capital paulista proferidas por Pedro Casaldáliga, José Vigil, Márcio dos Santos, João Batista Libanio, Lafayette Libânio, Leonardo Boff, dentre outros.
“Era uma época em que as universidades ligadas às congregações tinham muita disposição de apresentar novas mentalidades, novas visões. E, assim, participar desse tipo de conferências entre 1974 até os idos de 1980 era algo muito fecundo. A gente gostava de tudo aqui e vibrava! Foi um modo de todo novo sacerdote ter um enraizamento social “, relata.
Após um período de adaptação a uma responsabilidade à qual começou a ser preparado ainda quando seminarista, optou por entrar na batalha por uma independência editorial para a revista que, segundo suas luzes, procurava servir tanto aos interesses da Igreja quanto aos interesses do bom jornalismo e da população marginalizada:
“Tudo era feito de forma intencional. E essa intencionalidade tinha como premissa revelar o discurso da Igreja como forma de manutenção de status quo numa alternativa de Ressurreição. Era isso o que nos propusemos a fazer com a Ave-Maria, a partir da leitura do Evangelho. Queríamos provocar a leitura da realidade, para gerar o envolvimento para a transformação dela. Só tendo consciência e querendo denunciar as coisas não se transforma. Usamos textos, usamos a palavra do papa, usamos imagens… tudo objetivando uma transformação. Nosso jornalismo era católico e, justamente por isso, comprometido com a causa dos pobres que a Igreja propôs com o Vaticano II, Medellín e Puebla”, explica o padre.
Por ter vivido muito tempo nas editorias da Ave-Maria, Gregianin sentiu o desejo de se qualificar profissionalmente, cursando também faculdade Comunicação Social – Jornalismo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Assim, pude traçar uma perspectiva mais efetiva do potencial do Jornalismo em sua possibilidade visual e escrita. Os textos publicados pela Ave-Maria tinham, portanto, um desejo intencional de abordar temáticas e alternativas de transmitir a mensagem do Evangelho. Ao lado do meu assistente, Avelino de Godoy, passamos a mudar imagens estéticas para imagens éticas: saiu a imagem de Nossa Senhora e entrou a figura humana. E assim a Palavra contida no Evangelho podia se encarnar no ser humano. Isso nos rendeu protestos, embora tínhamos um nível de 30 mil assinantes. O clero da Arquidiocese de São Paulo nos apoiava, como Dom Arns e Dom Luciano”, relembra.
A Ave-Maria e o editor da libertação
A figura de Greginin como chefe do corpo editorial da revista Ave-Maria acena para o desejo de tomada de decisões editoriais menos conservadoras e oscilatórias na Ave-Maria. Isso perdurou até sua saída da direção da publicação, em 2007. Foram 22 anos à frente da publicação e, há quem diga, que nesse período, a partir dos anos 1990, a Teologia da Libertação teria se enfraquecido. “Não foi o que ocorreu”, expressa o sacerdote: “ao longo dessas duas décadas nos propusemos a levar aos leitores todo tipo de subsídio sobre a realidade da América Latina”, releva.
Certamente, a revista Ave-Maria era um modo de se fazer valer tais propósitos de produção e de esperança num modo de práxis libertadora. Mesmo que em muitos momentos, a publicação tenha sido produzida de forma publicista e quase que solitária pelo editor Claudio Gregianin, especialmente a partir dos anos 1985 e 1995. Ele trabalhava quase sem equipe, sem interferências drásticas da congregação – o que lhe deu território livre para realizar seu projeto. A congregação dos claretianos costumava e costuma ser apontada como uma família religiosa de linhagem conservadora, mas que por ter como foco uma formação intelectual de alto nível, acabou tendo em suas fileiras nomes como o de Cláudio Gregianin, Cerezo Barredo e Pedro Casaldáliga trabalhando em conjunto. E outros mais, que se destacaram como diretores da revista.
Claudio Gregianin dialoga com a geração libertária de religiosos como o dominicano frei Betto, a Faculdade Cásper Líbero, os jornais religiosos O São Paulo e Varadouro. Contudo, o Padre Gregianin, na posição que ocupava, muitas vezes esteve solitário em seu itinerário administrativo, embora tivesse adesão de alguns companheiros de comunidade, com os quais confabulava para ampliar a discussão teológica e atuar pastoralmente, via revista.
Nesse período, a revista não era sustentável, mas sustentada. Tinha, afinal, rompido com seus leitores do interior, que por certo estranharam sua nova cara – além de ser proibida de circular em algumas dioceses, devido aos conteúdos mais progressistas que passou a distribuir. As assinaturas por muito tempo eram renovadas à moda da revista Seções Reader’s Digest, pelo correio e, depois, confirmadas nas páginas finais de cada nova opúsculo.
Havia também a possibilidade de ser feito isso ao receber a visita de missionários visitantes que iam de cidade em cidade, bater às portas para divulgar a Ave-Maria ou fazer as cobranças. Tudo era muito amador: seminaristas em férias batiam às portas para fazer a cobrança de renovação de assinaturas e paroquianos abraçavam essa incumbência. O argumento para renovar a assinatura era o de ajudar as vocações, sendo que “uma parte da verba ia para atividades extracurriculares dos seminaristas, como custos com passeios, taxas para participação em eventos e congressos”, explica Gregianin.
Certamente, a figura de Cláudio Gregianin demonstra que foi um sacerdote, jornalista e profeta incansável à frente da revista Ave-Maria. Sua atuação na congregação dos Missionários Claretianos, desde antes de sua ordenação, seja nas redações, seja nas ruas, sempre se ocupou do quesito pastoral. Atualmente, é Diretor Presidente do Instituto Claret – Solidariedade e Desenvolvimento Humano, sem ter planos para aposentadoria, mesmo aos 78 anos de idade: “O Reino de Deus tem pressa, e quem tem fome e sede de justiça também”, conclui.
*Em virtude da pandemia de Covid-19, não houve possibilidade de realizar entrevista documental presencial com Cláudio Gregianin, que atualmente encontra-se com 78 anos e passou por um período de enfermidade. Contudo, em 01 de março de 2022, o mesmo retornou nosso contato e aceitou conversar via telefone, contando sua história e dando informações valiosas à esta pesquisa. A conversa foi transformada em entrevista e publicada no blog Teologia e Inclusão, no portal Bem Paraná.