Quais as relações entre a Teologia e a Igreja (Parte 2 de 2)

Ana Beatriz Dias Pinto

A Igreja e Teologia não estão, por princípio, em relação de subordinação, mas fundamentalmente de colaboração. (Imagem: Pixabay) 

Para concluir nosso percurso de investigação sobre os itens que se relacionam com a Teologia, com base na “Teoria do Método Teológico”, de Clodovis Boff, hoje continuaremos o tema de ontem, retratando as relações entre a Teologia, o Magistério e a Igreja. 

Para o autor, o magistério comum se funda no sensus fidelium e, para ser autêntico, este “senso de fé” deve ser testemunhado pela universalidade dos fiéis, incluindo os pastores (consensus fideliumsensus fidelium, que é o mesmo dizer do “magistério comum”, se dá pela vivência da fé no dia a dia, pela “opinião pública” eclesial e, especialmente, pela vivência litúrgica. Todas essas formas vivenciais de fé ajudam a reconhecer (mais que a conhecer) o que é certo e o que é errado em matéria de doutrina.

No meio dos fiéis encontram-se algumas categorias particulares que exprimem o sensus fidelium de modo “carismático”, ou seja, segundo a informalidade e liberdade do Espírito, e às vezes até em condições de grande solidão e incompreensão. São os santos, os profetas, os mártires, os pobres e outros confidentes especiais de Deus e de seus mistérios.

O magistério comum se especifica em magistério pastoral, magistério teológico e magistério laical. Os leigos são mestres na fé no seio do mundo, através da Palavra viva, e também dentro da igreja, através dos vários serviços ligados ao ensino, especialmente a catequese. O magistério pastoral (hierárquico ou eclesiástico) é chamado “magistério” no sentido estreito e técnico. Ele representa a “Igreja docente”, mas pode também aprender, na medida em que escuta “o que o diz às Igrejas”.

E as tarefas especificas do magistério pastoral são: testemunhar a fé através do anúncio da Palavra; aumentar prudência devida nas questões delicadas; ser o “juiz da fé”, ou seu intérprete autorizado: e, se necessário, de emitir uma decisão dogmática. Obviamente, o magistério eclesiástico pode se enganar, seja intervindo de modo inoportuno, seja julgando mal do conteúdo de certas verdades não centrais da fé. Assim mesmo, o magistério permanece confiável, continuando a merecer respeito em termos de “religioso obséquio”.

A relação entre o magistério pastoral e o magistério dos fiéis é análoga à que existe entre o sacerdócio ministerial e o comum. Ambos derivam do mesmo Espírito e se relacionam um com o outro segundo a lógica da reciprocidade. O magistério pontifício não é, nem de longe, o magistério único na Igreja e nem lhe é exterior. Situa-se antes dentro do magistério pastoral como sua expressão concentrada e culminante. Todavia, conta com uma assistência especial do Espírito e é singularmente dotado do carisma da infalibilidade papal, situada no seio da “hierarquia de verdades” ante o grau de autoridade investida pelo magistério.

Para interpretar os documentos do magistério eclesiástico devem-se aplicar algumas regras hermenêuticas particulares: o contexto histórico, cultural e polêmico do tempo; o núcleo intencionado, distinto dos elementos marginais; a intencionalidade espiritual, pastoral e ecumênica; o lugar na “hierarquia de verdades” e sua qualificação teológica.

Magistério e Teologia não estão, por princípio, em relação de subordinação, mas fundamentalmente de colaboração. Ambos estão subordinados à Palavra e estão a serviço do Povo de Deus. Frente à Doutrina da Fé, o Magistério e a Teologia têm funções distintas e complementares. Cabe especificamente ao Magistério anunciar a Palavra e velar pela sua integridade. Cabe especificamente à Teologia aprofundar racionalmente essa mesma Palavra. Os Pastores são como a boca que expõe a Verdade salutar; os Teólogos são como a cabeça que a explicam.

A contribuição que o Pastor dá ao Teólogo é: estimulá-lo em seu trabalho; adverti-lo quanto aos desvios em relação à fé. A contribuição do Teólogo ao Pastor é: caminhar ao seu lado, como assessor; ir à frente, como batedor de novas perspectivas para a fé. Portanto, o teólogo é um “delegado” não do Magistério, mas sim da Comunidade eclesial, com a missão de aprofundar e de transmitir a fé de que esta comunidade é depositária. Contudo, a determinação jurídica desta delegação passa certamente pela hierarquia da Igreja.

Ao Teólogo cabe sempre liberdade de pesquisa e liberdade consubstancial à teologia enquanto saber crítico. Entretanto, a livre discussão teológica deve sempre pôr a salvo duas coisas essenciais: a verdade essencial da fé e a caridade eclesial, seja em relação ao Povo de Deus, seja em relação aos seus Pastores. Nos casos de conflito entre Magistério e Teologia, a regra é o diálogo, cuja iniciativa é dever do Magistério e que deve ser exercido na caridade cristã.

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 * Ana Beatriz Dias Pinto, é comentarista convidada do blog e nos traz reflexões sobre temas atuais e contextualizados sob a ótica do universo religioso, de maneira gratuíta e sem vínculo empregatício, oportunizando seu saber e experiência no tema de Teologia e Sociedade para alargar nossa compreensão do Sagrado e suas interseções. 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 425-492.