Há exatos dois anos, em 7 de outubro de 2023, eu chegava ao Cairo, capital do Egito. No mesmo dia em que Israel invadiu a Faixa de Gaza, após ato terrorista do Hamas. Hoje, dois anos após a minha viagem e o início de um dos piores conflitos do mundo atual, o Egito recebe representantes de Israel e da Palestina para um acordo de paz.
Decidi escrever essa coluna sobre minha visita ao Egito nessa data para explicar como esse país se tornou um porto seguro para esse evento diplomático e trazer um pouco do ponto de vista dos egípcios que conheci durante minha estadia por lá, além de alguns fatos históricos que nos ajudam a entender o posicionamento neutro do país nesse conflito, ainda que a maioria de sua população seja pró-Palestina.
Além disso, gostaria de desmentir alguns mitos sobre os perigos de mulheres visitando o Egito sozinhas: lá fui muito recebida e fiz amigos que levarei para a vida.
Ao contrário do que muito se fala, não me senti insegura pelas ruas do Cairo. Sem dúvidas, o momento mais tenso da viagem foi a incerteza do agravamento do conflito entre Israel e Palestina, uma possível invasão ao território egípcio, a península do Sinai, o que não aconteceu, já que o país segue aliado a ambas as nações.
Vamos começar do início … o aeroporto.
Aeroporto no Cairo
Eu estava bastante preocupada com a imigração: brasileiros precisam de um visto para entrar no país, que pode ser emitido na hora ou feito online (e-visa), no valor de 25 dólares. Eu já tinha escutado histórias terríveis de pessoas que sofreram com pedidos de propina, então decidi contratar um receptivo egípcio para passar comigo pelo processo, o que custou 35 dólares. Foi a melhor escolha que fiz.
Mohamed me recepcionou na saída do voo, me pediu os 25 dólares já trocados para pagar o visto e passou comigo na fila da imigração. Eles falaram apenas em árabe, então não entendi muita coisa, mas veio um militar e fez muitas perguntas sobre o porquê da minha viagem e qual era minha profissão. Esse momento foi um pouco tenso, e aqui aprendi algo muito importante — nunca falo que sou jornalista, sempre digo que sou profissional de marketing.
Uma peculiaridade interessante do aeroporto de Cairo é que apenas viajantes podem entrar, mediante apresentação da passagem aérea. Por isso, as pessoas que vão te buscar têm que esperar do lado de fora.
Se você acha que a aventura no aeroporto acabou por aí, achou errado! A Paula, minha fiel parceira de viagens, já estava no Cairo e pegou um Uber para me buscar no aeroporto. Encontrei com ela na área externa e fomos para o carro. O motorista do Uber (que não falava uma palavra de inglês) colocou minhas malas no porta-malas e … fechou a chave lá dentro.
Foram 30 minutos embaixo de um sol de 40 graus, esperando que ele conseguisse “pescar a chave” para podermos entrar no carro e seguir para o nosso Airbnb. Mas, como tudo no Egito vem com uma pitada de caos e uma dose generosa de simpatia, não estávamos sozinhos: com a hospitalidade egípcia, o bom humor contagiante e a ajuda do outro moço que apareceu do nada (porque sempre aparece alguém!), a gente ria, suava e quase chorava de nervoso — tudo ao mesmo tempo. No fim, claro, tudo deu certo. Porque no Egito, no fim, sempre dá.
Cairo, a capital do Egito
Ficamos hospedadas no Brassbell l Giza Studio City View, um Airbnb estilo flat, com portaria 24 horas e serviço de limpeza. O prédio é bem novo (uma raridade no Cairo), com banheiro amplo, banho quente e cozinha. A localização é ótima, a poucos passos do Nilo — super recomendo!
O Cairo é uma cidade vibrante, muito barulhenta e com um trânsito caótico. Uma particularidade interessante para quem nunca esteve antes em um país muçulmano — como eu — é o chamado para oração que ecoa por toda a cidade cinco vezes ao dia — ao amanhecer (Fajr), ao meio-dia (Dhuhr), à tarde (Asr), ao pôr do sol (Maghrib) e à noite (Isha).
No nosso roteiro turístico do Cairo incluímos uma visita às pirâmides com um guia local — esse passeio dura um dia inteiro, saímos cedo e voltamos ao final da tarde. Nele pudemos visitar uma pirâmide por dentro para ver os hieróglifos e fazer todo o percurso das Pirâmides de Gizé, onde vimos de perto as grandes pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos, além da Grande Esfinge.
Esse momento foi um sonho realizado da Anna de 10 anos, que, ao iniciar a quinta série, devorou o livro do Egito. Quando eu estava lá, lembrei exatamente da foto da apostila do Positivo que mostrava o perfil da esfinge com as pirâmides ao fundo.
O que muitas pessoas não contam sobre esse passeio:
- as Pirâmides de Gizé ficam em um bairro muito pobre, a chegada é um pouco chocante;
- durante o percurso muitos ambulantes tentam vender fotos com camelos (não aceite);
- mesmo com o guia você paga uma entrada de 200 libras egípias, cerca de 10 dólares, é possível pagar meia-entrada com carteira de estudante — quando eu estava lá ouvi brasileiros dizendo que fizeram carteira de estudante falsa para pagar meia-entrada nessa viagem, por favor, não façam isso. Esse é um patrimônio da humanidade, se você pode pagar uma passagem para o Egito, pode pagar a entrada inteira.
- não existem placas para não tocar ou subir nas pirâmides, mas se a gente quiser que elas continuem lá por mais milhares de anos, o ideal é evitar esse contato. Viajar também requer bom senso!
- o passeio é a pé, e por mais que pareça uma caminhada curta entre as pirâmides e a Esfinge, estamos no meio do deserto com uma sensação térmica de 40 graus. Então por mais lindo que seja, não dá pra ficar muito tempo contemplando a vista.
Outro ponto turístico que visitamos no Cairo foi o Mercado Khan El Khalili, fundado em 1382, é o mais antigo do Egito e fica na cidade histórica. A experiência é fantástica com muita negociação de valores para arrematar as melhores ofertas de souvenirs. Além disso, a arquitetura permite uma verdadeira viagem no tempo.
Ainda no clima de viagem no túnel do tempo, visitamos a Cidadela de Saladino, uma cidade medieval construída em 1176 para proteger a cidade e que hoje abriga o Palácio Gawhara, de estilo otomano e construído em 1814 como residência do Sultão Muhammad Ali Pasha; os tronos, trajes e joias reais confiscados após a revolução de 1952 estão exibidos por lá.
Próxima a ele está a Mesquita do Alabastro, também conhecida como Mesquita Muhammad Ali, inspirada na arquitetura otomana da Nova Mesquita de Istambul, com sua imponente cúpula central.
Na mesma área, o antigo harém do palácio abriga o Museu Militar, com armamentos e trajes históricos, enquanto o Museu da Polícia, instalado no antigo cárcere da Cidadela, revela a história da segurança pública e crimes políticos. Outras joias arquitetônicas incluem a grandiosa Mesquita do Sultão Hassan, um ícone da arquitetura mameluca, e a Mesquita Ibn Tulun, a mais antiga da cidade, conhecida por sua preservação e por ter servido de cenário para um filme de James Bond. No local, também são realizados casamentos e pudemos presenciar esse momento.
Por fim, mas não menos importante, fizemos uma visita à Praça Tahrir, no centro do Cairo e um dos pontos mais emblemáticos da política do país. Atualmente não é permitido sentar ou tirar fotos na praça, pois o local foi o ponto de concentração da Revolução de 2011, responsável pela queda do ditador Hosni Mubarak.
A revolução não teve o resultado esperado e não libertou o povo de governos opressores, como era a ideia inicial do movimento. O poder apenas mudou de mãos e custou a vida de milhares de inocentes. Para entender melhor esse cenário político, recomendo o documentário “The Square”, disponível na Netflix.
Esse cenário político do Egito explica sua posição “isenta” no conflito entre Israel e Palestina, além de um cenário econômico muito enfraquecido que depende dos Estados Unidos da América e do FMI (Fundo Monetário Internacional) — responsável por empréstimos constantes para o equilíbrio das contas no país.
Durante a minha viagem para o Egito, ficou claro que a maioria da população local é pró-Palestina e muitos amigos que fiz durante a viagem saíram do país em busca de melhores condições de vida devido à falta de empregos e declínio econômico da região. Uma pena, já que a melhor parte do Egito…são as pessoas!
As pessoas do Cairo
Como mencionei no começo do texto, gostaria de acabar com o mito do perigo do Egito para mulheres solteiras. Eu viajei com a minha amiga Paula, duas mulheres solteiras e sozinhas, mas com muitos amigos locais — que fizeram toda a diferença na minha viagem para o Egito.
Embora os pontos turísticos tenham sido um sonho realizado, foi no meu segundo dia no Egito que entendi por que a Paula ama tanto esse lugar — pelas pessoas! Eu cheguei na sexta à tarde e no sábado fomos convidadas para um Katb el Kitab, que seria o equivalente do casamento religioso no Brasil, momento no qual as famílias se unem e assinam os papéis do casamento.
Fomos convidadas pela noiva de um amigo egípcio da Paula, que não estava no Cairo naquele momento. A Mariam nos convidou para essa experiência sem sequer nos conhecer pessoalmente, mas essa é a coisa mais egípcia do mundo, eles amam dividir sua cultura, pois são completamente apaixonados por ela, e são um povo extremamente caloroso e convidativo.
Depois seguimos com um grupo de amigas (que conhecemos naquele dia) para um restaurante que elas frequentam pela comida e pelo narguilé — ou shisha, como falam por lá. Entre um copo e outro de coca-cola ou água mineral, conversamos sobre feminismo, relacionamentos, casamento e sexo.
Foi uma experiência incrível e um dos momentos mais inesquecíveis do Egito, uma verdadeira aula sobre pré-conceito e rótulos que desenvolvemos no nosso subconsciente devido a uma interpretação errada de uma cultura que é apenas — diferente!
Além disso, hoje posso dizer que tenho também um casal de amigos egípcios: conheci o Wessam e a Fadwa em um jantar beduíno, em um restaurante que eles fizeram questão de nos levar para uma experiência gastronômica tipicamente local, e fizeram questão de pedir absolutamente todos os pratos do cardápio. Foi algo fantástico! Depois fomos com eles em uma balada egípcia chamada Escobar que servia velho barreiro como se fosse uma bebida de elite. Mal sabem eles.
Nossa história juntos não terminou por aí, já nos encontramos no Brasil e em Dubai e o próximo destino só Deus sabe, mas tenho certeza de que ainda teremos muitas aventuras juntos, porque uma coisa que eu posso dizer sobre os egípcios é que eles são amigos fiéis e pessoas muito calorosas e amorosas.
Por isso, a dica que fica para quem quer visitar o Egito, vá e faça bons amigos!