O turismo de aventura tem atraído cada vez mais pessoas que buscam sair do óbvio, se aproximar da natureza e viver experiências reais. Eu faço parte desse grupo, e foi por isso que a história da Juliana me comoveu tanto, assim como marcou tantas outras mulheres viajantes.
Hoje, vi publicações de vários amigos e influenciadores de viagem que, assim como eu, poderiam ter sido a Juliana. O que aconteceu não foi um simples acidente, mas o resultado de uma sequência de negligências, desde o guia até as autoridades locais. É por isso que esse assunto é urgente e precisa ser amplamente discutido pela nossa sociedade.
Assim que eu soube do falecimento da Juliana, pedi para o Diego Sommer, da 40 Graus no Cerrado, guia que me acompanhou em duas viagens de aventura no Jalapão e nas Serras Gerais, explicar as responsabilidades dos guias em trilhas nacionais e internacionais.
Ele me contou que, infelizmente, o guia da Juliana falhou em prestar os primeiros socorros, algo que é essencial nessa profissão. “Tão importante quanto verificar o histórico da agência que organiza a trilha, é checar a experiência do guia, o tempo que ele atua e as qualificações que possui, já que é ele quem estará à frente da atividade. Também é fundamental estar preparado para oferecer os primeiros socorros, caso seja preciso”, explica Diego.
Além disso, delegar a responsabilidade dos primeiros socorros para outra pessoa, como aconteceu na Indonésia, pode representar a perda de um tempo valioso que, em muitas situações, não é possível recuperar. Assim como é essencial que o guia tenha experiência para avaliar as condições do clima.
“Aqui na região do Tocantins, por exemplo, a gente se preocupa muito com raios. Durante o período de chuvas, se percebemos a possibilidade de um raio cair em algum dos pontos que pretendemos visitar, cancelamos o passeio. O guia tem essa autonomia”, destaca o profissional.
Em um vídeo gravado por Juliana com outra integrante do grupo, é possível notar que o local estava tomado por muita neblina, o que pode ter contribuído para a queda da brasileira. No entanto, era responsabilidade do guia manter atenção a todos os participantes da expedição. Ele deveria estar na retaguarda do grupo, justamente para apoiar quem estivesse com mais dificuldade.
Como parte do protocolo de primeiros socorros, mesmo que ele não tivesse conseguido evitar a queda, deveria ter prestado algum tipo de assistência imediata, como oferecer água e alimento, antes de acionar as autoridades. Além disso, ele deveria estar preparado com treinamento em técnicas de resgate com corda para realizar um salvamento rápido, já que a queda inicial ocorreu a uma distância relativamente próxima da trilha.
Outro ponto importante é a responsabilidade dos estados e municípios que promovem ou permitem a exploração de atrações naturais de risco. Não basta apenas autorizar ou divulgar esses locais como pontos turísticos — é fundamental que haja uma estrutura pública adequada para responder a emergências. Ter uma equipe de resgate profissionalizada, com bombeiros treinados e familiarizados com a área, pode ser a diferença entre a vida e a morte em situações críticas.
No caso da Juliana, tudo indica que o resgate foi feito de maneira improvisada, sem suporte técnico adequado. Isso não apenas expõe os visitantes a riscos maiores, como também sobrecarrega pessoas não preparadas com a responsabilidade de salvar vidas. Sabendo que aquela região já era considerada perigosa, as autoridades locais deveriam ter implementado protocolos específicos, com planejamento preventivo, sinalização, e acesso rápido a socorro especializado.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o Instituto Chico Mendes (ICMBio) promoveu a capacitação de cerca de 40 funcionários terceirizados do Parque Nacional da Tijuca em Suporte Básico de Vida (SBV). A ação, realizada em parceria com a empresa VIDA Emergências Médicas, foca no atendimento rápido e eficiente em emergências, especialmente em áreas de grande circulação, como o Corcovado e a Floresta da Tijuca. A medida complementa a presença de UTIs móveis e postos de primeiros socorros já em operação no parque, ampliando os cuidados com os mais de 4 milhões de turistas que visitam o local anualmente.
Minha experiência com trilhas em viagens
As trilhas sempre foram e ainda são um grande desafio para mim. Tenho muito medo de altura e dificuldades com equilíbrio. Mesmo assim, a adrenalina de superar meus medos, o contato com a natureza e a chance de esvaziar a mente, focando apenas naquele momento, fazem tudo valer a pena.
Minha primeira trilha foi no Carnaval de 2019, em uma viagem para a Chapada dos Veadeiros. Fui em um grupo grande e só conhecia uma pessoa. Desde o início, quando estávamos organizando os passeios, deixei claro que não queria fazer escalada.
Logo na primeira trilha, já havia uma escalada e ainda chovia. Foi nesse momento que entendi que trilha não é uma jornada individual. Contei com a ajuda de duas mulheres incríveis, Flávia e Nicole, que literalmente me apoiaram nos momentos mais difíceis.
Olhando para trás, nosso guia, conhecido como Jaja, era simpático, mas não foi tão atento às minhas limitações. Ele sempre seguia na frente do grupo. Só em um momento, quando travei em cima de uma pedra e acabei interrompendo o fluxo do parque, ele se aproximou para me ajudar.
No fim, deu tudo certo. Fiz três trilhas nessa viagem e desisti somente de uma, porque respeitei os limites do meu corpo.
Em outra oportunidade, fiz uma trilha mais pesada na Chapada das Mesas, em 2023. Parecia algo simples, mas enfrentei vários momentos difíceis e contei com a ajuda da Mariana (@putznaestarada), minha parceira de aventuras e nômade digital preferida. O esforço foi grande, mas a vista no final compensou.
A trilha mais desafiadora foi em uma terceira viagem, em 2024, nas Serras Gerais. Ela era bem íngreme e terminava com uma escalada. Minhas pernas começaram a tremer e eu chorei. Foi quando o Diego Sommer segurou minha mão e garantiu que conseguiria. Chegamos ao topo e fomos presenteados com mais um pôr do sol. Na descida, fui a última do grupo, e o Diego ficou comigo o tempo todo, só se dividindo às vezes para apoiar outra amiga que também estava com dificuldades. Esse cuidado foi essencial para que eu me sentisse segura e conseguisse completar o percurso.
Essas experiências me ensinaram que trilhas são experiências coletivas. Para aproveitá-las é essencial saber pedir ajuda e respeitar os próprios limites, mas contar com um guia capacitado, responsável e empático faz toda a diferença.
Como disse meu amigo viajante Ricardo Almeida (@ricardoafalmeida), o caso da Juliana não é um alerta para a gente deixar de viajar, de fazer trilhas ou de buscar novas experiências. Assim como ela, precisamos correr atrás dos nossos sonhos. É importante viajar, o que não podemos é nos calar diante das negligências que ficaram evidentes com essa tragédia. Precisamos exigir melhorias para que situações assim não se repitam, em nenhum lugar do mundo.