No começo de fevereiro estive presente, como convidado representando a região sul, na Conferência Temática de Acessibilidade Cultural, realizada no Rio de Janeiro, com a participação de artistas, profissionais e pesquisadores, com e sem deficiência, de todas as regiões do Brasil. Durante o evento, que marcou o encerramento da décima edição do Enac – Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural, foram elaboradas três propostas que seguirão para a Conferência Nacional de Cultura.

As propostas são:

1. Formulação e implementação de um programa de Acessibilidade Cultural nos instrumentos de participação na construção de políticas públicas culturais. Por instrumentos de participação entendem-se: conferências, conselhos, fóruns, comissões, grupos de trabalho, comitês e quaisquer outros que venham a ser criados para a qualificação das políticas públicas. Desde o início dos processos de construção, a representatividade deve ser garantida por documentos legais que prevejam um percentual quantitativo obrigatório de participação de artistas, intelectuais e agentes culturais com deficiência, integrantes da cultura DEF, das culturas Surdas e da cultura do acesso. O programa deve contemplar projetos e ações de reconhecimento da criação artística e cultural no universo dos espaços culturais, de lazer, museus e das instituições de memória, incluindo nesse processo os direitos, as identidades e as visibilidades sociais, culturais, comunicacionais e linguísticas das pessoas com deficiência, diferentes identidades corporais, a preservação do patrimônio cultural sobre a história dos movimentos sociais e a produção cultural contemporânea das pessoas com deficiência.

2. Criar um Plano Nacional de Cultura do Acesso e Acessibilidade cultural com a participação das Pessoas com Deficiência, articulado ao Plano Nacional de Cultura, com orçamento e financiamento previstos no Plano Plurianual (PPA) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), estabelecendo como diretrizes a Interseccionalidade, a Transversalidade, as Artes, Cultura DEF (Culturas surda, culturas cegas, culturas neurodiversas, deficientes físicos); ademais, garantir a participação e o protagonismo efetivos de trabalhadores, gestores, artistas, profissionais e público com deficiência, nos museus e equipamentos culturais públicos e privados, nas artes e na cultura; e definir eixos prioritários, tais quais: programação, produção, formação, qualificação, letramento anticapacitista, monitoramento, avaliação, fiscalização, políticas afirmativas e acessibilidade nos editais, nos equipamentos e nos espaços culturais. Esse Plano deve ser criado por meio de Lei Complementar no prazo máximo de dois anos.

3. Garantir a formação profissional em todos os níveis de educação (por meio de cursos, especializações e do Programa Jovem Aprendiz) com a presença de pessoas com deficiência em todos os elos da rede produtiva das artes e da cultura; por meio de percentual mínimo de 10% iniciais, com a meta de atingir 25% em 10 anos, de pessoas com deficiência nos espaços de decisão, comissões de seleção e de reserva de recursos/vagas em programas que contemplem o fomento à formação, qualificação, intercâmbio, criação, produção, difusão, pesquisa, reflexão e memória das artes e da cultura, com acessibilidade garantida em todas as etapas; e que se cumpra por meio da legislação existente as garantias da inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, através da criação de canais de denúncia específicos institucionalizados.

As propostas acima, além de refletirem a diversidade do segmento, reforçam, entre outros pontos, a urgência na reserva de recursos financeiros para políticas públicas e de qualificação profissional acessível para artistas e profissionais. Também, como não poderia deixar de ser, reafirmam a importância da representatividade e do protagonismo das pessoas com deficiência no processo de construção e efetivação dos nossos direitos culturais e artísticos.

Nesse momento, os participantes do evento, ao lado de alguns delegados e algumas delegadas que estarão na Conferência Nacional de Cultura no início de março, em Brasília, discutem estratégias para que essas propostas sejam defendidas sem risco de sofrerem alterações que as desqualifiquem. A preocupação é pertinente, visto que ainda há um enorme desconhecimento acerca da acessibilidade cultural entre artistas, produtores e demais profissionais da cultura.

Enfim, que nossas propostas sejam aprovadas e que sirvam de ferramentas para que possamos avançar efetivamente na consolidação de nossos direitos humanos.