Aqui pensando sobre a diferença entre “dar conta de” e “tomar conta de”. Foi numa conversa que ouvi no elevador ontem a noite. A vizinha pediu desculpas a alguém do outro lado da linha dizendo que faltou ao compromisso que tinham marcado porque precisou “dar conta” dos netos durante o fim de semana. Aquilo me entrou meio tortinho no ouvido. Vê, já conversei com essa vizinha outras vezes. São 2 netos, um de uma filha e um de outra, ambos têm uma carinha de 10, 11 anos. As filhas moram aqui no bairro, já as encontrei também. Vez ou outra, deixam os meninos pra curtir a companhia e o bolo de cenoura da avó que, me disseram, é o melhor do Brasil. Bonitinhos.
As crianças são falantes e passeadeiras, já cruzei os 3 no cinema, na padaria, no supermercado e na rua. As filhas e os maridos também parecem queridos e estão meio que sempre por aqui pela casa da dona Olga. Olha eu expondo a família da vizinha. Mas mudei o nome, juro, acho Olga bem avó chique, como ela é. Faço isso pra gente pensar juntos nessa coisinha que tem dentro da gente que nos põe responsáveis pelo que muitas vezes não é responsabilidade nossa. Dona Olga, pelo menos aparentemente, não precisa dar conta dos netos. Precisa tomar conta deles. E me parece que o faz com gosto.
Quando ela deixa de ir ao compromisso que tinha estabelecido com a amiga (e a essa vou dar o nome certo, porque se chamava Bernarda e dona Olga é carioca, então tive o gosto de ouvir seus Rs charmosos várias vezes do térreo até o sétimo andar) para “dar conta” dos netos, ela se retira do papel de corresponsável para dar a si 100% da responsabilidade. Se ela não tivesse ido pra “tomar conta” deles, seria diferente. “Ah, Roberta, larga de ser chata, é só uma expressão. E depois vai que ela estava dando uma desculpa por ter perdido a vontade de ver Bernarda?”.
Não, claro. Pode ser. Vai que o passeio de Bernarda perdeu a graça diante do melhor bolinho de cenoura do Brasil ouvindo as fofocas da netalhada. Não tem problema nenhum, inclusive entendo. O problema está no “é só uma expressão”. Quando a gente fala, nunca fala um “é só”. As palavras que a gente escolhe dizem sobre o que se sente e pensa, sabe? Claro que vocês sabem, estou só lembrando. Lembrando e nos convidando, eu e você, (isso é difícil que só pra mim também) a abrir mão dessa posição de “vem que eu dou conta de qualquer coisa”. A gente pode até tomar conta aqui e ali de algo que não é responsabilidade nossa. Mas não precisa matar tudo no peito não, né? Sei lá, pensando em assar um bolinho pra mim hoje, vou interfonar pra pedir a receita a dona Olga. Boa semana, queridos.