Chamada a cobrar

Roberta D’Albuquerque | robertadalbuquerque@gmail.com

Henrique Saponi.

No centro da calçada do prédio do consultório em que trabalho há um orelhão. Nunca vi uma única pessoa usando o aparelho. Na verdade, não tinha me dado conta de que havia um orelhão no centro da calçada do prédio do consultório em que trabalho. Essa semana percebi o objeto pela primeira vez. Talvez por ter me identificado um pouco com ele.

O orelhão quebrou. O telefone permanece intacto, mas o poste que segura toda a sua estrutura está, desde sexta-feira, escorado no canteiro do jardim. Não foi retirado nem consertado, mas permanece ali como um símbolo de como todos nós nos sentimos quando dezembro se anuncia. Inoperantes, cansados, por um fio, a espera de um janeiro “doce manga” que venha nos salvar. E é curioso que nossa sensação seja essa, já que, para a maioria de nós, que não estamos mais em idade escolar, o fim de um ano e o começo de outro não signifiquem necessariamente um mês de férias. Sem férias, de onde será que vem essa renovação toda? Há os dias de feriado, eu sei, mas não é pouco? Pouco ou muito, a única coisa em que tenho conseguido pensar ultimamente é que para mim já deu. Já não me agrada mais escrever 2019 em minhas notas, no meu caderno, não é mais gostosinho olhar para esse número na agenda Google – aliás consegui arrumar com a ajuda de um leitor desta coluna o ‘não horário de verão’ na agenda, quem quiser saber como, é só perguntar. Obrigada Emanuel.

No janeiro dos meus 16 anos, ganhei de minha mãe uma agenda linda, azul marinho, com capa de tecido. Para mim todo início de ano se parece com aquela agenda e o que ela tinha de mais precioso: o espaço perfeito de entrelinhas, nem disperso demais, nem apertado. Espaço para escrever o novo, sem pressão.

Às vezes são essas imagens – as linhas da agenda e o espaço desejado, o orelhão quebrado e o cansaço – que nos convidam a estar atentos ao que não vem sendo visto. Um orelhão no meio da rua em 2019, será que ainda faz sentido? Não sei. Eu espero, sinceramente, que ele fique ali, frustrado em sua própria sustentação, exatamente onde está, até o fim do mês. Nos resta ainda algumas semanas – nos resta uma vida inteira – para pensar nas ligações que temos deixado de fazer. Nas que já não precisamos mais insistir. No tipo de escuta que estamos dedicando – ou não – aos nossos e a nós mesmos. A vida, quando quer, manda cada recado, não é? Um orelhão. Não dá para ser mais literal do que isso. Boa semana queridos.

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