Em um dos muitos trechos que grifei de meu exemplar de Luto e Melancolia, Freud escreve: “No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio.” Nem lembro se é exatamente assim, mas lembro que grifei. Pra mim essa é a definição mais exata da perda. Não só da perda de alguém querido, claro, mas de um desenho de vida, como a saída de um trabalho, por exemplo, do fim de uma relação, da perda momentânea da saúde.

Esses dias minha filha mais velha ficou doente. A princípio, era uma amigdalite, mas cresceu para uma estomatite, que seguiu com uma amigdalite Godzilla, febres altíssimas. A menina ficou sem comer, sem comer mesmo, fez 10 dias de antibiótico e antinflamatório, perdeu peso, parou de falar, não queria nem ouvir música. A menina que é de um brilho, de um barulho, de um movimento. O mundo ficou pobre e vazio.

Nem mundo tinha muito pra além da nossa casa, do termômetro, das mantinhas, dos copos de água na cabeceira da cama e da busca por alguma comida que lhe inpirasse. Do mundo de fora, soube bem pouco pelo meu namorado que esteve pertinho na tentativa de me acolher, cuidar de mim e dela. “Tu viu o que aconteceu aqui e ali, Betinha?”, “Lalá dormiu? Quer assistir o André Trigueiro entrevistando a Suely? Tá passando agora, se não conseguir eu te conto depois”.

Hoje a notícia do dia foi que ela melhorou. Comeu um ovinho no café da manhã, conversou, abriu a janela, colocou roupa de sair, mesmo que ainda esteja em casa. A notícia daqui, né? A da capa da Folha de São Paulo foi “Governo deve cobrar que setores garantam emprego em pacote contra tarifaço”; d´O Globo “Parlamentares usam emendas até para times de futebol”; do New York Times “O tecnocrata silencioso que implementa a agenda de Putin”; do Le Monde “Europeus tentam moldar a posição dos EUA sobre a Ucrânia antes da cúpula Trump-Putin; do Guardian “Aumenta a indignação global em relação aos cinco jornalistas mortos por Israel”. Um mundo que segue pobre e vazio, mas que agora volta a me despertar interesse. É de nosso interesse que Freud fala quando se refere ao luto. Fico aqui na torcida pra que sigamos interessados, bem vivos e bem grudados à vida como quero ver a minha Lalá hoje e todo dia. Saúde, queridos. E boa semana.