Há alguns anos, 2 ou 3 no máximo, recebi uma senhora no consultório no último horário da sexta-feira. Disse que lia essa coluna e por isso me procurou para começar um processo de análise. Marcou e desmarcou a entrevista 4 vezes até de fato vir. Era sempre o último horário da sexta-feira, e aí não foi culpa dela, porque reservo mesmo esse horário para as entrevistas. Agora marcar e desmarcar era culpa dela sim.
Nem é que eu fique brava porque sei que começar uma análise não é mesmo bolinho. E também essa é a exata razão do último horário da sexta. Não chega a dar raiva, sabe assim? A notícia vem como um prêmio de dia mais curto justo no dia em que a conta do cansaço da semana chega. Pois bem, na quinta vez, chegou.
Olhou o consultório de cabo a rabo e fez um sim meio reticente com a cabeça como se para a decoração de minha sala tivesse dado uma nota do tipo “dá pro gasto”. Aí sentou na poltrona, alinhou a almofada, olhou pra garrafa d’água, se serviu de um copo, puxou um lencinho, reservou em uma das mãos, com a outra levou o copo até a boca, bebeu fazendo um gute-gute que deve ter dado pra ouvir até no prédio do lado, pousou o copo de volta na bandeja e só aí me olhou. Nessa hora fez um não, mas um não contundente até, e largou o diagnóstico: “você é bem menos bonita que na foto do site”.
Olhei de volta em silêncio como por vezes (muitas vezes) fazem os analistas. Reconheceu a pausa na hora e me devolveu um “também sou analista”. E eu sabia, lembrava dela. É um rosto conhecido, tu também lembraria. Silêncio. “Menos bonita e mais velha”. Tive um desejo horrível de dizer “ô, minha senhora, sexta-feira de noite, sabe, pelo amor de deus”. Desculpa, Bion.
Mas não disse não, fiquei por ali. Ela continuou sentada e passados alguns minutos falou, falou, falou, só que agora de si. O processo de análise segue. Nunca mais eu tinha me lembrado dessa história. Até que hoje me pediram uma foto e eu fui no arquivo buscar aquela lá do site como venho fazendo nos últimos, sei lá, 10 anos. Na hora de arrastar pro e-mail, cliquei duas vezes sem querer e a danada abriu. Meu Jesus! Coitado do povo que chega no último horário da sexta-feira. Que propaganda enganosa terrível. Vou trocar a foto, minha gente, juro. Ela tinha toda razão. Como o tempo passa, né? Meu Jesus! Boa semana, queridos.