Eu e minhas três horas de sono contra o mundo. Padaria. Na mesa da frente, um menino de uns oito no máximo recebe o pão na chapa com requeijão e o Toddy. Lembra de dizer obrigado.  O pai, no telefone desde que cheguei, nem olha pro garçom quando o prato com omelete encosta na mesa, nem quando a xícara espirra duas gotas de café quente na mão da criança. O garçom também não viu, mas o menino soltou um “não foi nada”, como se tivesse ouvido um pedido de desculpas. O pão tá errado, era sem requeijão.

Na mesa do lado esquerdo, um senhor lê jornal impresso. Gargalhou agora há pouco com as tirinhas. Ele interrompe a leitura silenciosa para ler com volume pra companheira. Ela – num casaco pesado cor de laranja que lhe cai muito bem, mesmo que o dia tenha amanhecido generoso, 25°C -, diante da caixa de chá, dá uma pausa na escolha do sabor para ouvir a notícia. Chuto que estão na meteorologia. O não sincronizado da cabeça dos dois é claro. Discordam da previsão.

Na do direito, também um casal. Dois homens jovens, 30 e poucos, banhos recém tomados. Pedem o mesmíssimo misto quente, sem manteiga, com uma fatia de peito de peru e duas de queijo branco, “mas bem assadinho”, o mesmíssimo suco de laranja, gelado, mas sem pedra gelo, o mesmíssimo espresso curto com adoçante. Pela risada solta que dão sempre que percebem a duplicidade do pedido, se conheceram há pouco. Pelo jeitinho que as mãos encostam nas pernas um do outro, vai durar.

No balcão, um policial de uniforme recebe o leite morno. Puro. Pega a xícara com as duas mãos e de repente a xícara parece grande, as mãos parecem bem pequenininhas. Ele sopra como uma criança. Dá o primeiro gole e faz uma cara de melhor coisa do mundo todo. Acena para o chapeiro em agradecimento.

Também no balcão, do lado de dentro do balcão, o chapeiro acena de volta. Como os meninos do espresso curto, ele também ri, mas não é pro policial, não é como a criança queimada um gesto de educação. O chapeiro ainda não leu os quadrinhos do jornal, não percebeu coincidência, não deu o primeiro gole do leite quente do conforto do mundo todo, mas ri. Passa a manteiga no pão francês e ri. Fecha o olho. Enche a xícara com água quente e ri. Fecha o olho. Vira o queijo branco na chapa e ri. Fecha o olho. Espreme a laranja gelada e ri. Fecha o olho. Uma fechada de levinho, sabe? Um desatento creditaria a uma piscada longa. Eu e você sabemos que não é. Tá lembrando de alguma coisa, tá lembrando de ontem. Aposto minha tapioca que dormiu tanto quanto ou até menos. Minhas três horas de sono pra saber no que pensa o chapeiro. Boa semana, queridos.

@robertadalbuquerque