Vamos mudar, as meninas e eu, agora no final de agosto. A coisa toda fica entre uma alegria e uma vontade de escapar do mundo adulto (que dá mais trabalho do que fazer mudança). A maior das alegrias é a reforminha que inventamos. “Nada demais” dizíamos umas para as outras quando a idéia apareceu. A gente troca só os revestimentos da cozinha, dos banheiros e da área de serviço. A casa vai ficar como nova. E foi isso mesmo. Não derrubamos nenhuma parede, nem subimos outra. Tudo como está, só que um pouquinho diferente.

Mandei mensagem no grupo de mães da escola pra achar um pedreiro e começamos a aventura com sr. Donizetti, ponta firme total (inclusive, indico de coração tranquilo pra quem estiver aqui em São Paulo). Aí era assim, um banheiro seria cor de rosa, o outro azul claro, a cozinha amarelinha ovo e a área de serviço, branca. Tudo daquele azulejo 15x15cm mais simples do mundo. Entre nós, apelidamos o projeto de Chamequinho. Menino, de simples não tem nada, dificílimo achar esses azulejinhos. Só em cemitério de azulejo, caro que nem derrubar e subir parede. O negócio foi se adaptando. Os banheiros ficaram os dois verdinhos e a cozinha azul porque era o que tinha. Sr. Donizetti lá, cumprindo os prazos. Aí semana passada, fui visitar a obra. O verdinho que escolhi por internet e mandei entregar era tão vizinho do azul, que colocado assim na parede, deu até vontade de mergulhar e fazer ao menos duas chegadas de crawl. Piscininha.

Lembrei daquele da Laura Assis, chama-se Space Song: foi quando percebi que o azul/ esse azul/ que se descola aí de dentro/ poderia ser de outra cor/ você sentada à mesa/ não importa a fala/ outro argumento/ te entrego um objeto/ qualquer para que/ assim você/ me escute… Meu Deus, esse poema é lindo. “Esse azul que se descola aí de dentro”. Eu peço desculpas aos arquitetos e aos perfeccionistas por ter comprado online. Eu sei, eu sei. Mas quando as caixas chegaram, as abri. Na minha mão, juro que o verde era verde. Juro juradinho. Mas na parede, ele resolveu azular. Isso me impressionou de um tanto. Como que uma coisa é uma aqui e ali, já é outra? Passo os dias nessa certeza quando escuto meus analisandos. A vida (as pessoas e as coisas) são sempre “em relação a”, não estão fechadas numa definição.Ainda assim viver o que a gente sabe às vezes dá um espanto, né? Não vou digitar o poema inteiro no desejo de que vocês se interessem e comprem o livro (Parkour, Edições Macondo, 2022), mas deixo os últimos versos pra gente seguir pensando: para observar nuvens/ é necessário encontrar/ um método e só depois disso/ seremos livres/ para sobrevoar nosso desejo/ a uma altura possível. Possível mas nunca/ nunca e isso é muito importante/ possível mas nunca/ perto demais. Boa semana, queridos.