Vou tocar na ferida. Pais que delegam maior parte da educação dos filhos, quando não raro integralmente à escola. É o que se pode chamar de a terceirização da educação. Como se a instituição de ensino fosse responsável por ensinar o básico: por favor, com licença, obrigada e assim por diante.
Fiquei pasma ao saber que numa reunião de começo de ano, uma escola particular teve que lembrar aos pais que tem certeza que seus filhos são educados o suficiente para a escola não precisar lembrar-se de preceitos básicos de educação, como as citadas no primeiro parágrafo. Comentei isso com colega psicóloga e ela alertou: isso pode até ser esperado de crianças do ensino particular, cujo nível social é melhor sedimentado, mas a realidade de muitas crianças de escolas públicas é outra; há crianças sem qualquer noção de valores… Sim, é de se pensar, mas quando percebemos que a tal terceirização da educação, só porque a criança, o adolescente, o jovem estudou em escolas de grife ou tradicionais seria o suficiente para formar um cidadão ou pessoa de bem é levada a sério por certos pais, não é de se admirar que a juventude da classe A queime índio ou morador de rua, certo?
Dentre os muitos desafios presentes na educação dos filhos, um deles é escolher uma escola que os torne um ser humano com os valores desejados pela família. Os pais lutam todos os dias para manter os caprichos dos filhos e acabam não sendo respeitados, pois não há exemplo, há sim a terceirização da educação que deveria partir dos pais. Pode-se fazer uma analogia da família com a construção de um prédio, quando não há uma boa estrutura com o passar do tempo essa estrutura desaba. Com as crianças acontece a mesma coisa, então sabendo disso os pais procuram terceirizar a educação e ao procurar uma escola buscam informações e princípios que o tornem o ser humano ideal, porém muitas vezes não pensam que ele é aluno por um tempo na vida, mas é filho para sempre.
Fico espantada quando não há limite por parte da escola e nem por parte dos pais, já passou da hora dos pais assumirem a responsabilidade de educar e da escola de ensinar. Atualmente as escolas estão sobrecarregadas de conteúdos para transmitir aos alunos e não podem mais perder tempo com funções que é da família. É devido o acúmulo de papéis que a escola assumiu nos últimos tempos que a educação no Brasil está abaixo do esperado em todos os quesitos, para ratificar a introdução, a análise da psicopedagoga Valma Trento, especialista em Neuroaprendizagem.
A revolução do portão – É como chamo pais e mães reclamando horrores da escola, professores, metodologia de ensino, comportamento de alunos, no portão. São os revolucionários, gesticulam, falam com voz empostada, mas na hora de levar todo esse rol de reclamações à coordenação, orientação ou até mesmo ao professor, preferem dar beijo no ombro e continuar com a voz no vazio.
A advogada Gianna Calderari tem dois filhos, uma menina de cinco anos e um menino de oito. Educar filhos é um gigante que nos deparamos quando nos tornamos pais. Exige extrema paciência e é tarefa difícil se não feita com serenidade. Nossos hábitos são naturalmente passados aos pequerruchos. Já os valores são transmitidos através do diálogo, das atitudes, das reações, e é o que temos de mais importante para ensinar, pois assim que conseguimos fazê-los entender esses valores, a segurança é dada. Acredito que a escola tenha a função de informar, de passar o conteúdo das matérias, as técnicas de aprendizado, de desenvolver intelectualmente os alunos sim, porém, mais do que isso, a escola só é completa quando existe o amparo emocional, o acolhimento do aluno como pessoa, como indivíduo. Por isso o unir forças (escola e pais) é fundamental para que o diálogo de vida com o aluno seja o mais completo possível.
Essa é uma visão tangível de alguém que tem a educação como um valor real para seus filhos. Não é a falta de tempo, o ritmo de vida do século XXI que impede ou isenta a responsabilidade da educação raiz dos pais com seus filhos. Há uma preguiça visível a olho nu, uma impotência nítida, coberta por compras no shopping, tevês e internet livre leve e solta.
De todos esses pontos levantados temos uma vitima, que é a criança, enquanto há pais que lutam, há outros que desanimam, enquanto há educadores que são professores, há outros que estão professores enquanto não acham outra coisa para fazer. Muitos pais vêm com papinhos de que trabalham o dia todo, estão cansados por isso não conseguem olhar para uma agenda, a escola por sua vez tenta tapar o sol com a peneira, pois afinal virou uma empresa. É triste, mas estamos vivendo uma época em que os pais fingem que tem uma boa escola, e a escola finge que ensina. Dos dois lados escola e família, está na hora de refletir sobre suas funções, conclui Valma.
Ronise Vilela é jornalista por opção e mãe por natureza. Sugestões podem ser enviadas pelo e-mail ronisevilela@globo.com