(Foto ilustrativa: Marcello Casal Jr/ABr)

Dentro da hiponcondria digital que vivemos nos últimos tempos, às vezes é difícil lembrar como era a vida antes das facilidades tecnológicas. Confesso que volta e meia me pego fazendo exercícios mentais pra resgatar como era trabalhar com agenda telefônica de papel e me divirto ao contar pros meus filhos que o GPS de antigamente era o mapa que vinha impresso nas páginas da lista telefônica. Sobrevivi até aqui, porém tenho algumas dúvidas se as novas ferramentas vieram pra ajudar ou apenas pra facilitar a morte súbita.

Ninguém mais acorda com aquele despertador horroroso que só perdia em escândalo pro galo da casa da avó. Agora é o alarme do smartwatch, do smartphone ou o fim do efeito do Zolpidem. Relógio-cuco virou objeto de museu capaz de assustar criancinhas indefesas e cachorros medrosos.

Boa parte dos carros já não exige mais a chave na ignição, o que facilitou – e muito – a vida das mulheres. Pelo menos pra mim, sempre era um desafio localizar o acessório dentro da bolsa. Aliás, a questão da mobilidade exige vários capítulos extras nessa nova onda high tech.

Já existem automóveis elétricos, veículos autônomos, carros que podem ser compartilhados – ressignificando, inclusive, o conceito de valor desse tipo de bem – e novas formas de locomoção que vão dos monociclos elétricos – coisa que, num formato prosaico, limitava-se aos artistas circenses – às bicicletas elétricas compartilhadas.

Nessas horas, volto no tempo e me sinto dentro do futurístico desenho da Família Jetsons, lançado na década de 1960 pela Hanna-Barbera. Internet das coisas já era uma realidade pra aquele clã altamente conectado, a bordo de seus carros voadores e robôs como funcionários. Tão visionário que chegava a assustar.

Se pra frente é que se anda, particularmente acho que, de todo esse cenário, a única coisa que não evoluiu foi a parte operacional do sistema. Aquela responsável por acionar todos os botõezinhos e que conhecemos por “ser humano”.

Basta ver o comportamento do “ser humano” – aqui incluo todos os tipos, gêneros, idades e classes sociais – ao volante. Carro de aplicativo, por exemplo, é uma “facilidade” que ando dispensando ultimamente, depois de alguns bons sustos. Principalmente se eu estiver na companhia da minha amiga Hellena. Aí pode ter certeza de que é “caixão e vela preta”, como se diz na linguagem popular.

Até brinquei com ela, tem a Helena de Tróia – a da mitologia grega – e a Hellena de Uber. No mais recente episódio, o motorista, além de não usar nenhuma das ferramentas tecnológicas disponíveis – chat, GPS, ar-condicionado, desembaçador de para-brisa –, ainda era um aventureiro em um carro 1.0, mas com tração 4×4 nos pés. Nós, as cargas vivas sem alerta de transporte específico e sem poder gritar por socorro por falta de ferramenta adequada.

*Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária, fã da tecnologia, mas vem evitando os carros de aplicativos.