Não tem como fugir. É um tal de vibrar, pipocar, piscar na tela, fazer barulho que é praticamente impossível passar o dia imune a ele, o WhatsApp. Só falta a purpurina, mas, se pensar com calma, ela vem por meio de gifs, memes e piadas de todos os tipos.
São tantos grupos, tantas mensagens, tantas informações que não pirar é exclusividade dos abençoados por Deus, bonitos por natureza e com a terapia muito em dia. Uma verdadeira selva digital onde coabitam os grupos da família, do trabalho, da academia ou daquele churrasco que nunca aconteceu.
Tem ainda o grupo de pais e mães da escola, do condomínio – ou da rua, do bairro –, o de desapegos, o dos amigos das antigas, os sobreviventes da faculdade e a galera avulsa – aquela que não faz parte de nenhum dos seus grupos, mas volta e meia dá o ar da graça, seja pra mandar um “oi sumida”, repassar uma corrente de oração ou desejar bom final de semana.
Segundo o relatório “WhatsApp no Brasil 2024”, da Opinion Box, que mapeou o comportamento dos usuários no aplicativo, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking em número de participantes– o primeiro lugar fica com a Índia. Por aqui, são 147 milhões de pessoas interagindo digitalmente pelo WhatsApp, ou seja, 99% dos brasileiros online.
O levantamento traz dados interessantes, do ponto de vista comercial, digital e sociológico. Como sou uma mera palpiteira em qualquer uma dessas áreas, vou fazer a minha própria leitura dos usuários de WhatsApp, baseada exclusivamente nos meus próprios critérios.
Em comum, praticamente todos os grupos dessa selva digital poderiam render bons personagens pra filmes de comédia.
O General
Responsável por criar o grupo, é o principal administrador – se é que ele permite dividir essa dádiva com outros – e está sempre cheio de boas intenções: organizar o churrasco, planejar a viagem dos amigos ou manter a família unida. Com o tempo, porém, o General do grupo mostra a que veio. É um ditador digital, que impõe regras rígidas e elimina sem piedade qualquer infrator. Qualquer integrante que descumpra a ordem de enviar memes após as 22h ou fotos de bom dia é banido, sem chance de advertência inicial.
O Profeta das Correntes
É o missionário moderno, aquele que aparece com uma foto que é um misto de avatar com apresentação do LinkedIn acompanhada de uma mensagem de esperança no melhor estilo “O Senhor é meu pastor, nada me faltará!”. O Profeta das Correntes acredita piamente que o destino do mundo depende da sua capacidade de encaminhar mensagens. A variedade é grande, vai do “Compartilhe com 10 amigos pra receber uma bênção” a “Se não enviar, algo terrível acontecerá”. O detalhe curioso é que 98% das mensagens vêm com um “encaminhado com frequência” na aba.
O Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite
É sempre o primeiro e o último a se manifestar diariamente. Começa às 5h57 com uma mensagem colorida que parece prenúncio digital do Natal, com direito a flores desabrochando, cachorrinhos sorridentes e frases inspiradoras pra começar o dia. Pra ele, o WhatsApp é um canal direto com o universo, onde a positividade deve ser compartilhada incessantemente. Não importa a hora ou o contexto, a mensagem sempre vai aparecer no celular, como um ritual sagrado.
O Repórter do Apocalipse
Ele tem um único objetivo: informar a todos sobre as últimas tragédias, conspirações e perigos iminentes. Ele é uma mistura de CNN e National Enquirer, sempre pronto pra assustar o grupo com notícias não verificadas. “Vacinas causam superpoderes!” ou “Nova variante do vírus é transmitida por Wi-Fi!”. Sua missão é manter todos sempre alertas, ou melhor, em pânico. O problema maior é que nem ele mesmo acredita no que compartilha, o único objetivo é estimular os níveis de cortisol da galera.
O Fantasma
O Fantasma nunca envia uma mensagem, raramente lê o que foi enviado e a sua última visualização é sempre desconhecida. Ninguém sabe exatamente por que está no grupo, mas sua presença silenciosa é uma constante. Talvez ele esteja lá apenas pra observar, como um espião numa missão secreta. Ou simplesmente se esqueceu de sair do grupo. Interação zero, na vida real ou digital. É o verdadeiro “não fede e não cheira” porque não faz diferença nenhuma ali.
O Sábio Palpiteiro
É aquele que sabe tudo a respeito de tudo e tem opinião formada em todos os assuntos. Se alguém resolve contar sobre o episódio de um quase assalto, ele tem uma história similar pra relatar. Se chega uma notícia do mais novo ditador da América Latina, é ele quem vai fazer a conexão com o cenário geopolítico atual e um retrospecto aos anos de chumbo. Ele viu, vivenciou e venceu. Dá opiniões não pedidas e pouco desejadas a cada novo assunto, meme ou desabafo, causando vergonha alheia generalizada.
O Piadeiro Sem Graça
O Piadeiro Sem Graça é o primo distante do Sábio Palpiteiro. Ele acha que todo dia é um novo stand-up e o grupo é seu público cativo. Seus comentários raramente arrancam mais do que um suspiro, mas ele persiste. Em boa parte dos casos, ele prefere tecer preciosos comentários por áudio mesmo, pra dar o tom certo da piada que, na cabeça dele, todos vão morrer de rir.
O Senhor do Áudio
É o mix do Sábio Palpiteiro com o Piadeiro Sem Graça na versão áudio eterno. Precisa comentar em tom sarcástico tudo o que se passa no grupo, mas em vez de se dar ao trabalho de exercitar a Língua Portuguesa, ele prefere enviar podcasts pra compartilhar suas brilhantes ideias.
Pra quem depende da interação digital pra trabalhar, os grupos de WhatsApp são problema e solução compartilhada. Salvação e caos. Na prática, eles são um microcosmo da sociedade, onde personagens únicos saem do armário e se revelam a partir de suas identidades digitais.
Marshall McLuhan, um dos mais influentes teóricos da comunicação e autor do conceito da “aldeia global” – lá nos primórdios, na década de 1960 –, deve estar dando risadas no túmulo ao confirmar suas previsões. Com certeza, hoje ele estaria fazendo inúmeras análises de como o WhatsApp contribui pra cultura do imediatismo e da efemeridade, onde a comunicação é fugaz e inconstante. Apesar da falsa impressão de conexão perene, o aplicativo é um dos reflexos da superficialidade nas interações na selva digital.
Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e adora trocar figurinhas com as amigas sobre os personagens da vida digital.