
O motorista do Uber me olhou desconfiado, como quem descobre uma falha no sistema. No aplicativo constava que eu prefiro viajar em silêncio, mas lá estava eu, trocando altas ideias com o condutor do veículo. Ele parecia não entender como alguém podia se contradizer tão descaradamente.
Expliquei que isso não tem nada a ver com o perfil curitibano ou a minha cara de antipática – até porque ele tinha me julgado antes mesmo de eu entrar no carro. Não é falta de vontade de dialogar, é só a necessidade de dar pausas à minha cabeça, que já é barulhenta demais. E quando o mundo resolve falar junto com ela, vira uma espécie de torre de babel mental, onde ninguém se entende e todo mundo grita.
Os neurônios em operação parecem uma feira livre em dia de sol. O feirante berra a promoção da dúzia de ovos, a criança chora porque quer algodão-doce e a música dá o ritmo aos visitantes. Tudo isso enquanto o cheiro de pastel de carne se mistura ao perfume da moça que escolhe maçãs e morangos como se fossem o último cactos do deserto. O caos é absoluto, mas incrivelmente organizado na sua desorganização.
Por isso escolho o silêncio. Não é sobre ser antissocial, é sobre sobrevivência. A opção no aplicativo é uma tentativa de domesticar o touro selvagem que rumina 24 horas dentro da minha cabeça. É como deixar recado pra mim mesma no melhor estilo “por que não se cala”? O duro é a eterna rebeldia e a recusa de seguir ordens.
O silêncio, pra mim, nada mais é do que a oportunidade de mergulhar nesse universo complexo, sarcástico e trivial. Sigo por rotas que só eu enxergo. Imagino reencontros que nunca vão existir, conversas perfeitas que nunca tive coragem de encarar, finais alternativos pra histórias que acabaram mal. Minha mente é uma Netflix pirata que não cansa de liberar temporadas inéditas.
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Invento coisas que parecem mais teoria da conspiração: que as notificações no celular são a forma que o universo encontrou de me lembrar que paz é lenda urbana. Ou, ainda, que o tempo gasto em filas é descontado do tempo de vida útil e ninguém nos avisou. Que as músicas que grudam na cabeça são mensagens subliminares que a gente nunca vai decifrar. E que cada vez que eu adio alguma coisa importante, nasce um coach motivacional no Instagram.
São maluquices, eu sei, mas são minhas e me mantêm distraída enquanto a cidade desfila pela janela. No fim, talvez o silêncio do aplicativo seja só um disfarce. O que eu realmente quero é continuar mergulhada nas ideias, sem correr o risco de ganhar nota baixa na avaliação do aplicativo. O motorista segue pelo caminho mais rápido, eu sigo pela rota mais animada. Quando chego ao destino, percebo que já rodei quilômetros sem sair do lugar. Mas quem tem a mente inquieta não precisa de GPS, somente de combustível.
Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e tem milhas acumuladas em viagens mentais que companhia aérea nenhuma reconhece.