Desperte sua chave interior – agora com certificado e aromaterapia

A autossuperação está em alta, mas a autonomia pra viver sem cair em golpe motivacional vem sendo colocada em xeque a cada clique

Danielle Blaskievicz
WhatsApp Image 2025-04-18 at 12.32.04

Pixabay

Metade do Brasil virou especialista em destravar vidas. A outra metade finge que acredita nessa onda, mas boa parte já salvou um post de algum guru gourmet de Instagram. Coach? Já era. O termo lembra cheiro de pão de forma vencido – disponível na prateleira, mas ninguém quer mais. Agora o que vende é “consultor de essência”, “especialista em propósito” ou “estrategista de alma”. Nome novo, embalagem clean, mas o conteúdo segue o mesmo: promessas mil, em até 12 vezes no cartão.

O mercado da autossalvação está tão aquecido que tem gente ensinando como turbinar a libido com suco detox, como se libertar das dívidas com respiração consciente e como ser feminista sem deixar de ser feminina – tudo com um sorriso branco e um microfone pendurado no rosto.

Tem mentor que ensina a acordar às 5h da manhã e outro que garante que o segredo é acordar às 9h, mas em frequência elevada. Tem programa de imersão que jura curar sua ansiedade, seu medo de falar em público, seu desânimo crônico e até aquela pontada no peito que veio junto com o boletim da escola do filho.

Pros homens que podem investir um pouco mais, tem a opção full experience: pagar até R$ 80 mil pra subir uma montanha, passar três dias sem falar, comer folhas e tomar banho de rio. Tudo isso com propósito. A garantia de voltar uma alma transformada. Um “investimento” digno dos grandes resorts de luxo pelo mundo, mas com a vantagem de estar sendo guiado por uma equipe de facilitadores espirituais pra alcançar a melhor versão.

Enquanto isso, aqui embaixo, entre um boleto e outro, a gente tenta sobreviver com o que dá: um café requentado, o eterno mantra do “depois eu vejo isso” e a habilidade ninja de procurar a chave da casa como se fosse uma jornada espiritual. Esquecemos a senha do banco, mas estamos tentando acessar o nosso “eu superior”.

A verdade é que não precisa de curso pra viver. Precisa de fôlego, senso de humor e, às vezes, um pão com ovo no capricho. Tem dias que a superação se concretiza apenas ao não responder com grosseria no grupo da firma. Tem semanas que a maior conquista é achar tempo pra levar o cachorro passear e lembrar de comprar papel higiênico na volta.

E está tudo certo. Porque, no fundo, não importa o nome: mentor, guru, consultor holístico, alinhador de chacras… é tudo a mesma coisa. São pessoas tentando dar conta da própria bagunça enquanto ensinam os outros a organizarem suas próprias vidas.

Porque, talvez, o verdadeiro “desbloqueio” não esteja no alto da montanha, nem nas soluções instagramáveis. A gente só precisa encontrar a bendita da chave, não perder muito tempo no trânsito e torcer pro salto não quebrar ao longo do dia.

Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e costuma falar sério nas entrelinhas e rir dos vendedores de milagres em PDF.