cronicas
Imagem ilustrativa (Pixabay)

No último sábado à noite, eu estava em uma festa junina. Nada gourmet, apenas aquela oportunidade de reencontrar quem a gente gosta, usando a desculpa do São João. Bandeirinha de papel, canjica na panela de pressão, quentão e amigos escolhidos ao longo da vida. Um friozinho bom, risos largos e aquelas conversas que começam com piada e terminam em divã. O tipo de noite que faz a gente esquecer, por instantes, que o mundo anda mais pra desfiladeiro do que pra pista de dança.

Ao mesmo tempo, uma mulher escorregava de um penhasco no outro lado do planeta, numa ilha perdida entre vulcões e oceanos. Uma brasileira. Juliana Marins. Nome que não me era familiar até virar notícia, vídeo, drone, luto coletivo e argumento político.

No mesmo instante em que eu consumia uma dezena de pinhões, ela perdia o chão. Porque o mundo é esse palco onde cenas paralelas acontecem sem aviso, sem corte, sem trilha sonora que alerte o perigo.

Dias depois, quando o corpo de Juliana foi finalmente resgatado, encontrei um antigo colega de trabalho. Daqueles com quem a gente já dividiu cafezinho, planilha e crachá pendurado no pescoço. Depois das amenidades de praxe, ele me olhou e disse que, apesar da minha cara séria no trabalho, sempre se lembrava de mim sorrindo. Gargalhando.

Ganhei o dia. Nem sempre estou esfuziante ou mega animada. Há momentos em que sou silêncio puro, outros em que sou cinza e obrigação. Mas talvez a gargalhada seja mesmo minha forma de seguir. Talvez por não saber outro jeito de continuar.

Juliana caiu. Eu sorri, gargalhei. E não há culpa nisso, só constatação. A vida é esse fuso descarrilhado em que a gente ri sem saber do luto e chora enquanto alguém brinda uma vitória. Não tem coordenação. Tem caos. E tem a nossa tentativa de continuar respirando dentro dele.

Talvez por isso aquele comentário tenha ficado na minha mente. Porque rir virou meu ofício involuntário. Meu grito educado. Minha rebeldia. Sou uma sobrevivente que aprendeu a rir alto pra não ser engolida pelo mundo.

Em todas as fotos que publicaram de Juliana, ela também sorria. Era um sorriso aberto, desses que a gente dá sem saber que vai virar lembrança. Talvez ela também fosse daquelas que gargalhavam por instinto. Que sabiam que rir não é ignorar o perigo, é só desafiar o abismo.

Talvez, no fim das contas, seja isso o que fica da gente: não os planos, nem os diplomas, nem os likes. Mas a lembrança, o registro que deixamos naqueles que passam por nós.

*Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e ri alto, mesmo com cara de séria