ainda estou aqui
Cena de Ainda Estou Aqui (Reprodução)

O Oscar nunca foi apenas sobre estatuetas douradas e vestidos de gala. É, acima de tudo, um espelho – ora polido, ora rachado – de como o mundo se vê e se questiona. Essa semana, quando “Ainda Estou Aqui” foi indicado a três categorias no Oscar 2025, o Brasil ocupou o centro das atenções. Melhor Filme, Melhor Filme Estrangeiro e a atuação de Fernanda Torres, indicada ao prêmio de Melhor Atriz – logo após ter abocanhado o Globo de Ouro na categoria Melhor Atriz Dramática. Nada como um pouco de glamour hollywoodiano pra lembrar que ainda conseguimos contar boas histórias, apesar de tudo.

Na tela, os silêncios de uma época em que as armas sufocavam as palavras, as ausências se transformaram em gritos, cicatrizes, famílias desfeitas e traumas eternos. Selton Mello dá corpo à dor de toda uma geração. Sob a direção magistral de Walter Salles Jr. – que fez muita gente chorar com “Central do Brasil” e se apaixonar por “Terra Estrangeira” – que eu amo; se não viu, veja! –, “Ainda Estou Aqui” se transforma em uma ode à memória e um alerta ao esquecimento.

Isso tudo sem falar em Fernanda Torres. Aquela, que tantas vezes nos arrancou gargalhadas como a caótica Vani, de “Os Normais”, e a hilária Fátima, de “Tapas & Beijos”, agora nos desarma como Eunice Paiva, uma mulher visceral, cheia de nuances e silêncios que dizem mais do que discursos. Ela nos lembra dessa atriz multifacetada.

Há quem diga que já falamos demais sobre esse período, que o tema da ditadura deveria ser um capítulo fechado, arquivado nas prateleiras da História. Mas, enquanto uns queimam livros, outros acendem holofotes. A obra de Walter, Fernanda e Selton nos lembra que, às vezes, precisamos repetir a mesma história – em alto e bom som – até que ela finalmente seja ouvida.

O que torna “Ainda Estou Aqui” tão potente não é só o retrato do que fomos, mas o aviso do que podemos voltar a ser se não prestarmos atenção aos sinais. Em um mundo que flerta perigosamente com retrocessos – sempre disfarçados de progresso, claro – o filme grita: cuidado!

A arte, quando verdadeira, não entrega respostas fáceis. Apenas nos provoca a perguntar mais. E, se hoje estamos aqui, discutindo a ditadura em um palco global, é porque entendemos que não existe passado enterrado enquanto os vestígios ainda assombram.

Walter, Fernanda, Selton e todo o elenco não entregaram só um filme. Resgataram a memória. O tipo que arde, que incomoda, que desperta. Como espectadores e cidadãos, só podemos agradecer. O Oscar vai e vem. Mas o alerta de que a liberdade é uma luta constante fica.

*Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e nasceu na época dos generais.