Julho sempre teve cara de respiro, com filhos em modo preguiça e eu tentando surfar na onda deles, quase que literalmente. Reservei uns dias pra ficar off, dar um descanso pro notebook, arquivar os grupos de trabalho, pausar as reuniões e buscar o tão sonhado equilíbrio mais perto da natureza. Aqueles momentos em que a gente tenta acreditar que pode se desligar do mundo, do caos, da notificação.
Só por uns dias. Um reset emocional com o mínimo de dignidade e o máximo de silêncio. Fui curtir a praia no inverno: areia vazia, mar gelado, quiosque fechado e brisa do mar. Vinho branco no lugar da água de coco, cachecol e jaqueta colorida contrastando com a areia. Um luxo particular, quase esnobe. Exclusividade fora de temporada.
Consegui desligar do trabalho, mas vi que é impossível ficar alheia ao caos planetário estimulado por Mercúrio Retrógrado. Enquanto o Vento Sul batia no rosto, esse universo paralelo chamado Brasil fervia mais do que final de Brasileirão.
Na calada da noite, o Congresso aprova o projeto da devastação com o entusiasmo de quem assina recibo de desmatamento em papel timbrado. No Hemisfério Norte, o imperador do fim do mundo, aquele que que acha que o planeta é um condomínio fechado sob sua administração, dispara tarifas sobre nossos produtos como quem joga Banco Imobiliário em crise de abstinência.
Dólar em ascensão, IOF com roteiro digno de Gilberto Braga no horário nobre e o Planalto Central tentando contornar os estragos enquanto a Faria Lima tremia. Tudo isso com o “03” fazendo malabarismo verbal em rede social, tentando destaque internacional com frases de efeito e geopolítica de youtuber. Um espetáculo à parte. Pena que não foi engraçado.
No meu paraíso gélido, eu buscava ignorar o caos exterior e fingir calma. Porque jornalista, ou qualquer pessoa que não sofra de dissonância cognitiva, não tira férias da realidade. Apenas muda o ângulo da câmera.
Nem Preta Gil deu conta. Deixou sua marca, sua alegria e um vazio bonito e dolorido. Porque ela era dessas que preenchia os espaços com riso, com música, com afeto. O Brasil perdeu um pouco do seu ritmo.
Se o noticiário local já não estivesse azedo o bastante, veio o grito abafado de Gaza. Fome em escala bíblica, crianças derretendo de desnutrição, gente morrendo na fila por comida. Pacotes de ajuda jogados do céu como se fossem esmolas divinas. O mundo assistindo em 4K, impassível, como se a miséria em tempo real fosse só mais um episódio de streaming.
Pé na areia gelada, alma em brasa, fiquei me perguntando que férias são essas onde o mundo insiste em gritar, mesmo quando a gente tapa os ouvidos.
Porém, entre uma notícia e outra, teve sim um pôr do sol silencioso só pra mim. E talvez seja isso que me salva: a certeza de que a crônica é a minha forma de não enlouquecer. Eu volto pro mundo, sim. Mas volto escrevendo. Porque, se não dá pra mudar a realidade, que ao menos a gente edite a narrativa e torça pra que agosto venha com manchetes mais leves.
Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e cronista do caos, porque a realidade anda pedindo legenda.