
8 de agosto (08/08), conhecido no “misticês” moderno como “Portal de Leão”, dia em que a gente entra descalça, com coração de carnaval fora de época e um samba no radinho de pilha – porque não existe momento caótico que não mereça trilha sonora. É aquele dia que o Instagram veste branco, fala de energia e metade do planeta decide mentalizar abundância enquanto a outra metade continua xingando no trânsito e com medo da Terceira Guerra Mundial.
O mais curioso é perceber como a gente se acostumou a viver nesse ruído permanente. Antes, crise era uma visita indesejada que aparecia de vez em quando. Você fingia que não estava em casa, ela deixava um bilhete amassado e ia embora. Hoje, ela se instalou no sofá, tomou posse do controle remoto e ainda pediu delivery no seu cartão de crédito, sem deixar de dar pitacos na decoração da sala.
A rotina, que antes era chão firme, virou um piso de vidro rachado: bonito de longe, perigoso de perto. Agora, estabilidade é como fita VHS: tem gente que sequer conhece, pois só existe em sebos sentimentais e nas lembranças de quem já devolveu filme atrasado pagando multa.
A vida segue um pandemônio com hora marcada, onde até o apocalipse precisa se submeter à agenda de reuniões no Google Calendar. É sempre “urgente”, mas nunca termina. No meio dessa maratona, o que sobra é o detalhe. O abraço que não foi cronometrado. Os passos ignorados pelo smart watch. O café tomado olhando a fumaça subir, sem a interferência de um feed. A conversa atravessada com um desconhecido no ônibus, cúmplice por três paradas de um pedaço da sua vida.
Porque a lucidez não está nas manchetes em negrito. Aliás, hoje isso é quase um trailer de filme-catástrofe: dramático, acelerado e sempre com a promessa de que o pior ainda está por vir. A lucidez se esconde nos intervalos. Naquela pausa desconfortável onde não há breaking news, só o som do próprio pensamento, que muitas vezes assusta mais do que notícia ruim. Spoiler pra quem achava que era só uma maré ruim em nível mundial transmitida ao vivo pelo Youtube: não é!
Mas, enquanto a banda insiste em tocar, ainda dá pra rir do absurdo, chorar pelo banal e seguir garimpando pequenos milagres no entulho. Uma flor que nasce na rachadura da calçada, ignorando a pressa dos sapatos. Um sorriso que aparece sem motivo e contagia o dia. Uma música antiga que toca na rádio e te lembra que, apesar do caos, ainda existe melodia.
Talvez o tal portal de 08/08 não leve a gente pra outra dimensão. Talvez ele só abra uma frestinha de consciência no meio do barulho. Uma chance de perceber que, se a vida é um terremoto, a gente só tem duas opções: cair de vez ou criar um novo passo de dança.
*Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e tem medo da musiquinha do plantão de notícias