Crônicas pra Anteontem Crônica

Silêncio, estou sendo resistente

Danielle Blaskievicz
marco aurelio atentado

Cena do atentado a Marco Aurélio, em Vale tudo (Reprodução/Globo)

Essa semana eu fui tudo: profissional de alta performance, mãe de adolescente em fase de deboche crônico, maratonista de mercado e sobrevivente do cansaço. Entreguei tudo, menos a tranquilidade, que sumiu entre a quarta reunião do dia e o treino de meia boca que consegui enfiar entre um e-mail e outro.

Quando tentei abstrair, levei um tapa da ficção baseada em fatos reais, e vice-versa. No meu telão 4K, tramoias dignas de terapia em grupo ou surto coletivo. Fiquei paralisada, entre o controle remoto e a indignação: Odete manda matar Marco Aurélio, o vilão charmoso da novela das 21h que comete crimes de colarinho branco como se fossem seus hobbies cotidianos – assim como sua algoz. Um tipo que não grita, não corre, não levanta suspeitas.

Achei exagerado. Achei ficção. Porém, veio o noticiário me lembrar que não.

Mal deu tempo de digerir os requintes do personagem, o Brasil me joga na cara um enredo ainda mais grotesco e perigoso: a PEC da Bandidagem (ops, da Blindagem…). Uma proposta que não disfarça nada, que não tem charme nem sutileza. Um remendo legislativo que tenta, com toda a cara de pau possível, dificultar investigações e punir quem ousar denunciar a bandalheira institucionalizada.

Aquele momento que você não sabe se ainda está na novela, já entrou na Tela Quente ou, de fato, é o Jornal Nacional. É surreal demais acreditar que tanto absurdo é possível.

A PEC da Bandidagem (ops, da Blindagem…) é o tipo de projeto que parece ter sido escrito em guardanapo, num jantar entre cúmplices e que, dias depois, entra na pauta política pra ser discutida, maquiada com juridiquês pra parecer coisa séria. É a institucionalização do trambique, com selo oficial e relator sorridente.

Enquanto isso, os Marcos Aurélios, Odetes e atravessadores políticos do Planalto Central seguem soltos na vida real. Sabem, como ninguém, escorregar entre CPFs laranjas, empresas de fachada e cafés com desembargadores. Um tipo de crime virou quase arte contemporânea: você olha, não entende direito, mas sabe que alguém está ganhando milhões com aquilo.

E nós aqui, a audiência passiva de um teatro legislativo que flerta com o absurdo todos os dias. Ser mulher, mãe, profissional e cidadã nesse país é virar especialista em lidar com canalhice institucional enquanto tenta manter a própria sanidade minimamente hidratada.

No fundo, tudo que eu queria era um pouco de silêncio. Mas me deram mais um escândalo pra engolir. E aqui estou eu, resistindo com palavras e muita indignação.

*Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e não teve tempo hábil pra assimilar os acontecimentos da última semana.