Hoje acordei sem nenhuma curtida, meia dúzia de espirros primaveris, dois cafés pretos bem forte e 8% de energia vital. Isso segundo meu próprio levantamento estatístico matinal. No caso, eu mesma olhando pro espelho com olheiras em HD. Enquanto o termômetro marcava 11ºC, o celular apontava 15 notificações e o mundo apenas atualizava a planilha da minha existência.
Somos números. Cliques, visualizações, idade, renda, engajamento, CEP, passos dados, calorias consumidas, boletos pagos, pendências ignoradas com maestria. O amor da tua vida talvez nem te veja mais como pessoa, mas como “impressão na tela”. Um KPI de afeto. Um pixel com sentimentos.
O IBGE diz que somos mais de 213 milhões de habitantes no Brasil. No relatório Digital 2025, constam 5,24 bilhões de identidades de usuário de redes sociais, cerca de 63,9 % da população global. E eu aqui, nadando nesse mar de estatísticas, tentando manter o cabelo seco e a alma molhada.
É tanta métrica que até a alma parece ter entrado em modo “otimização de desempenho”. A gente vive em busca de “engajamento emocional”, tipo amor que dá feedback imediato. Se você não rende, não se vende. Se não tem alcance, não tem valor. E se ousa sumir por uns dias, o algoritmo te pune com esquecimento.
Minha avó teve dez filhos e uma foto em preto e branco na sala. Eu tenho quatro redes sociais (que eu lembre), três senhas esquecidas, um burnout em andamento e 42 abas abertas no navegador mental. A geração dela era feita de carne, osso e carta escrita à mão. A minha é feita de dados, metadados e ansiedade pixelada.
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De tudo isso, sobra o que não cabe no Excel. O choro no banho. O café partilhado com risada atravessada. A poesia que escapa pelos dedos. A gargalhada fora de hora. O carinho sem Wi-Fi. Resta o que não se mede: o improviso, o caos, o erro humano que vira história boa pra contar.
Somos números, sim. Mas somos também o que os números não contam. E enquanto o algoritmo não aprender a amar, a falhar e a rir de si mesmo como a gente, ainda há esperança.
Agora me dá licença que eu vou desligar as notificações, respirar fundo e viver algo que não vai virar post. Porque, no fim das contas, o que vale mesmo é o que escapa do controle de qualidade dos dados. E isso, nem a nuvem armazena.
Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária, nunca foi muito fã dos números e tem dificuldade de fazer contas mentais.