Máquina de gelo perto dos copos, cafeteira de lado para a rua: o fluxo bem pensado em uma mini cafeteria impacta diretamente na velocidade e na praticidade do trabalho. Foto: Eduardo Macarios/Divulgação

Ao projetar um estabelecimento de alimentação, a eficiência do fluxo da cozinha é a principal diretriz que guia o arquiteto. Completam a check-list, claro, a funcionalidade dos espaços para os clientes, aliada a conforto térmico, acústico e uma estética atraente, garantindo uma experiência gastronômica completa e memorável.

São características que passam despercebidas no dia a dia. Mas quando um salão reverbera demais o som ambiente, por exemplo, fica fácil de notar o que não funcionou naquele projeto. Essa visão holística da experiência em restaurantes é uma especialidade de alguns arquitetos, dos quais o paranaense Givago Ferentz faz parte. Seu escritório é referência nacional em arquitetura de bares e restaurantes, tendo completado a marca de mil projetos executados recentemente. 

Há três meses, foi inaugurado o Park do Churrasco, um complexo de entretenimento e gastronomia em dois andares, na Avenida das Torres, cujo preparo da carne é à moda coreana. Cada uma das mesas do segundo andar, onde funciona a parte da churrascaria, tem uma grelha acoplada à mesa e uma coifa para a exaustão do ar, um desafio e tanto para o escritório de Givago Ferentz. O desenho partiu da escolha de gás de cozinha como combustível para as grelhas, em uma cooperação entre equipe arquitetônica e a engenharia de exaustão e de segurança, junto da prevenção contra incêndios. 

Salão do Park do Churrasco, que serve o preparo da maneira coreana: cada cliente escolhe seu corte de carne e grelha na própria mesa. Foto: ClickArch/Divulgação

“Começamos pela infraestrutura até chegar à parte estética. Precisamos projetar uma mesa que coubesse a grelha para quatro pessoas, espaço para vários pratinhos, trabalhar materiais para que as bordas da churrasqueira não queimassem as pessoas e a altura da coifa sem atrapalhar o olhar dos comensais”, pontua Givago. Soma-se a isso a ergonomia e escolha de móveis como as cadeiras, que precisam ser confortáveis o suficiente para os clientes passarem pelo menos duas horas no restaurante.

Ao pensar em fluxo, são dezenas de soluções que compõem o desenho do projeto. É preciso considerar a movimentação da cozinha, proximidade entre equipamentos, a sequência de processos necessários para preparações. “Se você erra no fluxo, você tem um problema de vazão e tudo trava”, afirma Givago. No salão, a maneira de iluminar e dispor o mobiliário vai impactar no comportamento do cliente, podendo atrapalhar a circulação e a experiência do mesmo. “A iluminação vai ser mais intimista em alguns salões, como em algumas propostas de bar, e ela precisa valorizar o que se está comendo”, diz Givago. “Em alguns casos, ela precisa ser bonita e cenográfica, para destacar um bar ou balcão de atendimento dentro de um salão”, completa. 

Indo da escala macro para a micro, a cafeteria The Coffee é o melhor exemplar de como o fluxo é fundamental mesmo para operações em que só há uma pessoa na cozinha. A primeira unidade, na Al. Prudente de Moraes, foi projetada por Edgard Corsi e Ana Carolina Boscardin, da Boscardin Corsi, a cafeteria de 3 m2 se tornou um modelo de referência em seu segmento, sendo replicado em todo o Brasil. 

Unidade do The Coffee na Av. Cândido Abreu, uma das inúmeras espalhadas por Curitiba apos a inauguração da primeira, em 2018, na Al. Prudente de Moraes. Foto: Eduardo Macarios/Divulgação 

A bem da verdade, apenas a área de atendimento da primeira unidade tem essa diminuta dimensão. Nas franquias, esse espaço varia entre 4 e 5 m2, sendo o depósito do mesmo tamanho ou maior. “Para nós, importa o conceito do projeto e o porquê dele. O café, virado para a calçada, precisava chamar a atenção pela simplicidade de suas linhas, dar um respiro na paisagem urbana”, explica Edgard. Por isso, o branco e preto trabalhado com a madeira clara, seguindo o minimalismo japonês das pequenas cafeterias, que inspiraram o projeto. 

Para desenhar a parte interna, um minucioso estudo de observação foi necessário, para entender como trabalha um barista preparando diferentes cafés. “Consideramos também a posição da máquina de café, para que o barista ficasse de lado para a rua e pudesse interagir com o cliente. A máquina de gelo está próxima dos copos, para diminuir o tempo de preparo. Como é um coffee to go, gera pouca louça, e deixamos a pia longe da vista do público”, detalha o arquiteto. 

O primeiro The Coffee fez a diferença no movimento da Alameda Prudente de Moraes, tendo aumentado a circulação de pedestres e a interação entre comércio e rua. “Deu tão certo porque ele foi pensado para ser encaixado entre restaurantes, entre lojas. É uma fenda urbana, um respiro na paisagem. Isso também conta para a experiência do usuário. O cubo branco luminoso no topo ajuda a dar verticalidade e chamar a atenção mesmo em ruas com prédios altos”, finaliza Edgard. 

Nesses dois projetos arquitetônicos, o fluxo foi o fio condutor que uniu forma e função. De cafeterias compactas a complexos de entretenimento gastronômico, a criatividade, a inovação e a atenção aos detalhes são fundamentais para o sucesso na criação de espaços que não apenas alimentam o corpo, mas também a alma dos clientes. Estes cases nos lembram que a arquitetura é muito mais do que apenas paredes e tetos – é a arte de criar experiências.

Melissa Mussi | [email protected]