Atualmente, o biohacking está se tornando mais prevalente na área de engenharia genética, onde indivíduos não acadêmicos ou não empresariais são capazes de realizar modificações dentro de um sistema vivo. Este é um novo desenvolvimento, mas também é acompanhado por desafios legais e éticos. O presente artigo explora como os biohackers influenciam a engenharia genética e analisa como esses aspectos podem ser regulamentados, destacando as dificuldades de supervisão e as potenciais soluções jurídicas para o setor.

A engenharia genética é um dos campos da biologia que mais mudam rapidamente, a ponto de a possibilidade de editar genes, por exemplo, usando a tecnologia CRISPR-Cas9. Enquanto instituições “tradicionais” com seu corpo funcional e procedimentos meticulosamente organizados precisam conduzir suas pesquisas sob regulamentações muito rigorosas, a ”nova” geração de entusiastas da biologia, conhecida como biohackers, assumiu, em vez disso, o controle da situação e realiza pesquisas à sua vontade. À luz de tudo isso, existem questões de segurança e também de moralidade.

Biohacking e a Engenharia Genética

Os biohackers fazem uso da biotecnologia para alterar organismos vivos, seja com intenções terapêuticas, estéticas ou também para o aprimoramento humano. Muitos deles operam em laboratórios comunitários ou mesmo em suas residências, desenvolvendo desde bactérias alteradas até experimentos que envolvem a modificação do DNA humano. Essa nova abordagem na pesquisa genética possui o potencial de tornar a ciência mais acessível, ao mesmo tempo traz riscos significativos.

Desafios Jurídicos e Regulatórios

A engenharia genética está progredindo rapidamente, trazendo mudanças notáveis na medicina, na agricultura e na indústria. No entanto, esse avanço também gera desafios complexos em âmbito jurídico, principalmente no que se refere à regulamentação e às leis que regem o uso de organismos geneticamente modificados (OGMs) e terapias gênicas. A aceleração da tecnologia dificulta a atualização das legislações, necessitando de marcos regulatórios que assegurem a segurança e a ética das aplicações genéticas.

Ademais, questões relacionadas à propriedade intelectual e patentes provocam debates sobre a viabilidade de registrar organismos e métodos de edição genética, levando a conflitos entre a proteção de inovações e o acesso do público ao saber.

Outro aspecto importante diz respeito à responsabilidade civil e criminal em situações de erros, contaminações ou reações adversas originadas de produtos que foram geneticamente modificados. Um desafio nesse contexto é identificar a quem atribuir a responsabilidade, especialmente em casos que envolvem a edição genética em humanos.

Na esfera ética, há debates sobre até que ponto a alteração do DNA pode impactar direitos fundamentais, incluindo a integridade pessoal e a privacidade em relação ao material genético. A perspectiva global também demanda a uniformização de normas internacionais, uma vez que as nações adotam diferentes métodos sobre a regulamentação da engenharia genética, o que torna a colaboração internacional fundamental para assegurar uma inovação que seja tanto responsável quanto segura. Diante dessas problemáticas, o futuro da engenharia genética dentro do campo do direito dependerá do contínuo diálogo entre cientistas, legisladores e a sociedade, buscando um meio-termo entre progresso tecnológico e proteção dos direitos humanos.

O sistema CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats)

O CRISPR, que significa Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Interespalhadas, é uma tecnologia que possibilita a edição do material genético de seres vivos. Trata-se de uma ferramenta de biologia molecular que torna viável a remoção, a inserção ou a substituição de sequências de DNA. O funcionamento do CRISPR se baseia em um sistema de memória imunológica encontrado em bactérias que protege essas células contra vírus. A técnica envolve uma enzima chamada Cas9, que desempenha a função de uma “tesoura molecular”. Uma molécula de RNA guia a Cas9 até o local preciso do DNA que necessita ser cortado. Depois que o corte é realizado, os mecanismos de reparo do DNA são acionados.

Diferença entre Clonagem e CRISPR

A clonagem e o CRISPR representam abordagens genéticas que têm propósitos diferentes. A clonagem resulta em uma cópia geneticamente idêntica de um organismo ou célula, e pode ser empregada para reprodução ou terapia celular, como exemplificado pela ovelha Dolly. Em contraste, o CRISPR-Cas9 é uma ferramenta voltada para a edição genética que permite modificar segmentos específicos do DNA, sendo utilizada para corrigir mutações, criar organismos geneticamente alterados e desenvolver tratamentos médicos. Enquanto a clonagem duplica um organismo na íntegra, o CRISPR atua diretamente no DNA para alterar características específicas.

Possíveis Abordagens Legais

Para enfrentar os desafios apresentados pelos biohackers, é essencial implementar uma regulamentação equilibrada. Algumas possíveis soluções incluem:

·        Estabelecimento de ambientes regulados para biohackers, onde possam realizar pesquisas sob supervisão;

·        Definição de diretrizes claras sobre edição genética amadora, separando práticas arriscadas de experimentos seguros;

·        Promoção da educação bioética dentro da comunidade de biohackers;

·        Cooperação entre autoridades governamentais e biohackers para garantir inovações que sejam tanto seguras quanto responsáveis.

Para concluir, o biohacking, apesar de seu enorme potencial para gerar inovações na engenharia genética, apresenta desafios consideráveis em termos de segurança, ética e regulamentação. A atuação de biohackers fora das instituições gera questões complicadas relacionadas à responsabilidade, possíveis falhas e as consequências para direitos pessoais, como a privacidade em relação ao DNA. A evolução rápida de tecnologias de edição genética, como o CRISPR-Cas9, demanda uma resposta jurídica que seja rápida e flexível, capaz de equilibrar inovação com proteção social.

É essencial desenvolver regulamentos específicos que garantam a pesquisa genética de maneira segura e responsável. Criar ambientes regulados para biohackers e estabelecer diretrizes claras sobre práticas amadoras em genética são algumas das soluções para reduzir riscos e promover inovações sem comprometer a segurança pública. Além disso, a colaboração internacional e a incorporação de princípios bioéticos na comunidade científica e nas discussões legislativas serão cruciais para assegurar que a engenharia genética avance de forma ética, respeitando os direitos humanos.

Desse modo, o futuro da engenharia genética e a atuação dos biohackers dependem de um diálogo constante entre ciência, legislação e sociedade, possibilitando um equilíbrio entre o avanço tecnológico e a preservação dos princípios essenciais da humanidade.

Bruna Benine de Proença – Analista Jurídico Junior da Equipe Litigation no Vigna Advogados Associados; Tecnóloga em Investigação Forense e Perícia Criminal Pela Universidade Estácio de Sá desde 2022;