Equivocada associação entre cassinos e crime organizado e a importância de um marco regulatório

Coordenação Roney Rodrigues Pereira

*Filipe Senna

No debate público sobre a legalização e regulamentação dos jogos de fortuna no Brasil, revigorado especialmente durante a apreciação e aprovação do Projeto de Lei nº 442, de 1991, pela Câmara dos Deputados, um dos argumentos mais utilizados foi o de que a abertura desse mercado no Brasil poderia levar à proliferação do crime organizado.

    Esse argumento apenas reproduz o senso comum de que a operação de jogos, em especial cassinos, tem relação com o crime organizado e favorece, de algum modo, a atuação de grupos criminosos locais e internacionais. Essa percepção acaba sendo fruto do que se vê em filmes, novelas, livros e de uma má compreensão da história de um dos mais conhecidos polos de jogos de fortuna no mundo: Las Vegas.

    Uma breve análise da trajetória dos jogos demonstra que essa associação entre jogos e crime é ultrapassada, e, nos Estados Unidos, foi superada há mais de 70 anos, justamente com a edição de uma legislação específica sobre os jogos — a solução que, nesse momento, está nas mãos do Senado Federal.

    Antes da década de 1950, a operação de cassinos e jogos de fortuna nos Estados Unidos era, de fato, majoritariamente realizada pelo crime organizado. Diversos grupos exploravam loterias ilegais, instalavam pequenos cassinos em restaurantes e casas noturnas, fomentavam casas de apostas e, muitas vezes, utilizavam esses empreendimentos para lavar dinheiro.

    No estado de Nevada — que é onde se situa Las Vegas –, os primeiros cassinos foram instalados e construídos pelo crime organizado. Esses estabelecimentos não estavam submetidos a qualquer tipo de fiscalização e, consequentemente, operavam os jogos de maneira desonesta, muitas vezes atrelados a outras atividades ilícitas.

    A percepção desse movimento, naquela época, alcançou os representantes do Governo Federal dos Estados Unidos. Preocupado com a situação, o Governo Federal orquestrou uma intervenção aos cassinos instalados em Nevada, a fim de coibir a atuação das organizações criminosas, e até se cogitou, à época, proibir a operação de jogos de fortuna no estado.

    A questão é que os cassinos já apresentavam notória importância para a economia e turismo locais, atraindo visitantes e jogadores de outros estados e países com a indústria de jogos. A cidade já era conhecida por sua diversidade de cassinos, espetáculos artísticos e como um polo de entretenimento nacional e mundial. Os cassinos movimentavam e fomentavam a economia da cidade de Las Vegas e do estado de Nevada, com empregos, desenvolvimento econômico, aumento da tributação e forte turismo.

    A ameaça de intervenção federal para coibir as práticas ilícitas atreladas aos cassinos gerou uma relevante indagação ao Governo Estadual de Nevada: como mitigar as preocupações em âmbito nacional sobre a operação de jogos pelo crime organizado e, ao mesmo tempo, preservar o proveito econômico e turístico decorrente desses empreendimentos?

    A solução do governo de Nevada foi a adoção de políticas regulatórias de fiscalização e controle do setor, para coibir as práticas ilícitas do crime organizado e assegurar a exploração honesta e transparente dos jogos. Ou seja, em lugar de simplesmente proibir, a solução escolhida foi regular, supervisionar e controlar a atividade.

    Para que isso fosse possível, o Estado de Nevada mapeou todos os fatores e brechas que atraíam o crime organizado para os cassinos e criou regras e mecanismos de controle para eliminar esses atrativos ao crime. A legislação criada obrigou a adoção de parâmetros e regras que conferiram honestidade, transparência e, principalmente, confiabilidade aos jogos de Las Vegas. Com isso, o crime organizado acabou sendo expurgado dos cassinos de Las Vegas, o que evitou a tão temida intervenção federal.

    Além de afastar esse risco de intervenção, os representantes do estado de Nevada perceberam que a regulação dos jogos foi benéfica também para o desenvolvimento econômico e turístico local. A percepção de que os jogos lá operados são honestos e seguros aumentou o público dos cassinos, os investimentos privados e o desenvolvimento da indústria de jogos, o que maximizou os benefícios desse setor à economia.

    Essa breve retrospectiva sobre o “antes” e o “depois” da regulamentação dos jogos, ocorrida na década de 1950 em Las Vegas, é uma evidência histórica incontestável de que a associação entre jogos de fortuna e a proliferação do crime organizado é um mito, só sendo possível onde essa atividade econômica é marginalizada e indiscriminadamente proibida.

    A partir da experiência do Estado de Nevada, é evidente que a aprovação de um marco regulatório sério e consistente para os jogos no Brasil teria o efeito absolutamente oposto ao do imaginário popular: em lugar de favorecer a atuação do crime organizado, a lei criará meios para combater a prática de ilícitos, para garantir que o jogo seja praticado de forma honesta, confiável e responsável.

 Está, portanto, nas mãos do Senado Federal a oportunidade de “virar o jogo”, aprovando o Projeto de Lei nº 442, de 1991.

 *O autor é advogado, especialista em Direito dos Jogos, mestrando em Direito pelo IDP e sócio do Jantalia Advogados.


DIREITO E POLITICA

Luzes e sombras

* Carlos Augusto Vieira da Costa

    Passadas 3 semanas das eleições,  parte da sociedade ainda se mobiliza em protestos esparsos contra o resultado do pleito. Em princípio não haveria nada de muito errado, uma vez que a Democracia é o regime da liberdade de expressão, e manifestar-se publicamente é a forma mais elementar desse direito.

    Todavia, na prática o que se vê é uma clara deturpação desse direito, uma vez que os manifestantes, sob a proteção das liberdades democrática, buscam justamente a sua negação, ou seja, uma “intervenção militar” para restabelecimento de uma suposta ordem aviltada.

    E em alguma medida, observar pessoas trajadas de verde e amarelo, aboletadas em frente a quartéis, marchando em ordem unida, até seria engraçado não fosse patético, por revelar de maneira inconteste que, a despeito dos muitos esforços envidados ao longo da história em favor da educação e do ensino formal, as pessoas ainda continuam se pautando por uma racionalidade absolutamente obtusa e medieval. E se isso não se justifica, ao menos explica o fato de parte da população brasileira, em torno de 7% do seu total, acreditar que a Terra seja plana, e não redonda.

    Explica também como parte numericamente ainda mais significativa renegou a vacina como meio de contenção da pandemia da Covid, apostando em medicamentos controvertidos ou na “contaminação de rebanho” como solução eficaz. É bem  verdade que esse contingente populacional não caminhou sozinho, e teve apoio de lideranças importantes, com inquestionável influência e aceitação.

    Por tudo isso, o legado existencial dessa experiência é que não importa quanto a humanidade avance em direção ao futuro, o passado será sempre uma sombra, que caminha ao lado ou atrás, e se pronuncia numa relação diretamente proporcional à quantidade de luz que ilumine os nossos caminhos.

*O autor é Procurador do Município de Curitiba


DOUTRINA

“Por conseguinte, deve ser dada uma interpretação conforme a Constituição Federal ao texto do Código Civil, visto que os requisitos exigidos pela parte final do art. 20 da codificação civil representa indevida restrição da tutela constitucional do direito de imagem. Assim sendo, em função do texto constitucional, deve ser rejeitado qualquer posicionamento que pretenda negar autonomia ao direito à imagem, de sorte que a simples utilização da imagem alheia, sema necessária autorização, mesmo que não haja afronta à honra, que não exista violação da privacidade nem exploração comercial, já impõe a reparação do dano”.  

Trecho do artigo “A Imagem como Direito Autônomo da Personalidade”, de autoria do professor Leonardo Estevam de Assis Zanini, publicado na revista BONIJURIS de OUTUBRO/NOVEMBRO/2022, página 89.


PAINEL JURÍDICO

Demandas familiares

A Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, promove entre os dias 28 e 30/11, às 19h o curso online – sistema de transmissão ‘ao vivo’ via internet, sendo possível a remessa de indagações ao palestrante durante a exposição – com o tema “Perspectivas de gênero: aspectos práticos em demandas familiares” com coordenação da advogada, Fernanda Tartuce, as vagas são limitadas. Informações e inscrições: https://www.aasp.org.br/eventos/

Irmãos rivais

Inelegibilidade por parentesco prevista na Constituição Federal não incide se os parentes são rivais políticos na mesma localidade. O entendimento é do TSE.

Desistência de boa fé

A desistência do mandado de segurança a qualquer tempo é possível, salvo nos casos de que o pedido tenha o objetivo inequívoco de burlar a autoridade de decisões do STF. O entendimento é da 1ª Turma do STF.


DIREITO SUMULAR

Súmula n. 72 do TSE – É inadmissível o recurso especial eleitoral quando a questão suscitada não foi debatida na decisão recorrida e não foi objeto de embargos de declaração.


LIVRO DA SEMANA

O Tribunal do Júri é tão defendido por alguns quanto criticado por outros. E apesar de proporcionar a participação direta do povo na administração da justiça e refletir a força do princípio estruturante da soberania popular, algumas de suas fórmulas vigentes no ordenamento brasileiro não demonstram plena simetria com um regime de direitos fundamentais, com o Estado Democrático de Direito e a realização da justiça social. Muitos defeitos são observados na legislação, particularmente no que se refere ao sistema de alistamento de cidadãos, ao sorteio dos jurados, aos debates em plenário, à apresentação dos quesitos e aos vereditos. Nesse contexto, a obra do Professor universitário e Promotor de Justiça Marcus Amorim, já atualizada com a Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), se propõe a enfrentar uma análise crítica do Tribunal do Júri e, assim, discutir propostas para transformá-lo em palco de efetiva distribuição da justiça com colaboração popular.