Até o fim dos anos 70, a legítima defesa da honra era uma das teses de defesa mais usadas por advogados de defesa em casos de crimes passionais. A prática foi perdendo espaço nos tribunais do país, mas, recentemente, voltou a ser usada na absolvição de feminicidas, o que motivou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema. No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), proposta pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), os ministros decidiram por unanimidade que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional porque contraria princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, proteção à vida e igualdade de gênero e, se aplicada, pode anular decisões em tribunal do júri.

De acordo com Matheus Falivene, advogado criminalista mestre e doutor em direito penal pela USP, com a decisão, dificilmente algum advogado pode recorrer a essa tese após o parecer do STF. “Eu diria que é impossível um advogado recorrer a essa tese hoje em dia, porque uma pessoa não tem o direito de matar ou ferir a outra como forma de ‘lavar a honra’, até porque existe uma desproporcionalidade entre o bem jurídico ‘honra’ e a vida da outra pessoa”, destaca ele.

“A legítima defesa da honra é uma tese de defesa que diz que o cônjuge traído poderia matar o cônjuge traidor como forma de ‘lavar’ ou defender sua honra. Entendia-se que a pessoa traída, durante um momento de violenta emoção ou de uma paixão exacerbada, não teria outra conduta que realizar que não a de matar o parceiro traidor. Com o tempo, essa tese foi afastada. Mais recentemente, no entanto, com um movimento mais conservador da sociedade, essa tese tem voltado a ser aplicada no tribunal do júri”, contextualiza Falivene. “No entanto, não há previsão legal para seu uso e a decisão do STF reforça isso”, explica.

Na decisão unânime, o STF excluiu a legítima defesa da honra no âmbito do instituto da legítima defesa, impedindo que seja sustentada direta ou indiretamente nas fases pré-processual ou processual e no tribunal do júri, sob pena de nulidade do julgamento.


ESPAÇO LIVRE 

O artigo 282, §6º, do Código de Processo Penal, como obstáculo à decretação da prisão preventiva?

*Gabriel Kuczuvei

Há muito se defende que a aplicação do direito penal é a ultima ratio do Estado e funciona como medida de exceção no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, não é incomum o atropelo destas exceções para que fosse possível a decretação da prisão preventiva do réu ou investigado nos moldes do artigo 312, do Código de Processo Penal.

A medida autorizadora da prisão exige que sejam analisados profundamente se o caso em análise preencheria todos os requisitos objetivos a fim de demonstrar que a prisão do agente garantiria a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal e/ou a aplicação da lei penal. 

No entanto, tal análise vertical muitas vezes é permeada de argumentos meramente genéricos e vagos, que servem como indevido suporte para a autorização da prisão cautelar. 

Diante disso, a lógica processual resultante, por sua vez, é sempre a propositura de remédio constitucional por parte do preso para que possa expor ao tribunal a desnecessidade da prisão e o não preenchimento dos requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal. 

O que uma vez foi tema de inúmeros recursos defensivos, a lei anticrime, com o advento do §6º, no artigo 282, do Código de Processo Penal, tornou norma.

Agora, “a prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 [do Código de Processo Penal], e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”. 

Em outras palavras, com a recente alteração no artigo 282, deverá o decreto prisional expor, sob à luz do caso concreto, fundamentos hábeis e legítimos que autorizem o desprezo das medidas diversas à prisão. 

Como exemplo é a honrável decisão do Exmo. Min. Humberto Martins, em 24/12/2020, no bojo do Habeas Corpus n. 636529/SP. O decreto prisional se alicerçou sob o argumento de que o investigado, ex-Prefeito Municipal, estaria envolvido com organização criminosa voltada à prática de crimes contra a administração pública.

O eminente Julgador converteu liminarmente a prisão preventiva em domiciliar por não ter ficado “caracterizada a impossibilidade de adoção de medida cautelar substitutiva menos gravosa, conforme disposição do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal”, vez que o Juízo de origem, no momento de analisar a questão, “fê-lo de forma genérica, muito mais vinculada às circunstâncias de tratar-se de organização criminosa e do fato de ter o paciente, sendo atual prefeito, notória influência”.

Neste sentido, argumentou ainda, que o elemento  ser agente público é integrador do tipo penal, não sendo possível, portanto, justificar medida mais gravosa, “em especial porque, embora graves as condutas imputadas, não se trata de crimes praticados com violência ou grave ameaça”.

Resta, portanto, inegável que com o advento do §6º, no artigo 282, do CPP, deverá o decreto prisional demonstrar porque o caso concreto não comporta a imposição de medidas cautelares diversas da prisão.

Os dias da subjetividade dos requisitos da prisão preventiva e decisões genéricas estariam contados?

*O autor é advogado especializado em Direito Penal do escritório Accioly, Laufer Sociedade de Advogados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). 


A mentira e o perjúrio

*Marcelo Campelo

Desde pequenos, aprendemos que não podemos mentir, faltar com a verdade e manipular os fatos, a salvo no dia 01 de abril, o dia da mentira. 

O Dia da Mentira surgiu no reinado de Carlos IX, no Século XVI, em razão da desobediência do Rei em seguir o calendário gregoriano. Decretado pelo Papa Gregório XIII, o calendário alterava as comemorações do ano novo de março para dezembro. Como o ano novo francês terminava em 01 de abril, com a alteração das datas, as pessoas brincavam umas com as outras chamando para festas que não existiam, somente para “pregar peças”.

Assim, 1° de abril tornou-se o dia da mentira. Durante 200 anos a brincadeira ficou apenas na França, mas diante da graça, hoje está no mundo inteiro.

O brasileiro tem mania de brincar, fazemos graça de fatos do cotidiano, e não raras vezes criamos histórias no dia da mentira para nos divertirmos com pessoas próximas. Porém, apesar do dia da mentira ser uma data em que muitas pessoas inventam mentiras e outros contos, nada anula a imprescindibilidade da verdade.

No que se refere aos tribunais, será que podemos brincar no dia da mentira? 

Jamais! No crime previsto no Art. 342 de falso testemunho, o culpado pode levar de dois a quatro anos de reclusão. Falso testemunho ou falsa perícia

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. 

1° As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

2° O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

Antes do depoimento de uma testemunha, o Juiz sempre adverte sobre o compromisso de dizer a verdade e, se não cumprido e provada a mentira, pode incidir no crime previsto no Art. 342 do Código Penal.  

A obrigação de dizer a verdade não é apenas para o processo judicial, mas se aplica também em processos administrativos, como em procedimentos policiais. Perante o inquérito, a autoridade que está questionando a testemunha sempre deve realizar o alerta do crime de falso testemunho, não porque ela não pode fazer, mas sim porque, se mentir, pode incidir em crime.

Interessante posição de nosso sistema é que as partes não estão obrigadas a dizer a verdade. Mesmo que não digam a realidade dos fatos, estes não incidem em crime de falso testemunho. Essa é uma característica de nosso sistema, pois no sistema Norte Americano, se as partes mentirem incide no crime.

Com isso, mesmo em tom de brincadeira, deixa-se a mensagem de que perante Autoridades, quando se estiver depondo na qualidade de testemunha não se pode faltar com a verdade. Caso não queira se pronunciar, esta deve exercer o direito ao silêncio.

*O autor é advogado Especialista em Direito Criminal


TÁ NA LEI 

Lei n. 13.834, de 4 de junho de 2019

Art. 1º  Esta Lei acrescenta artigo à Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, para tipificar o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral.

Art. 2ºLei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 326-A:

Art. 326-A.  Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto.

§ 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.

Essa lei alterou o Código Eleitoral para tipificar o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. 


PAINEL JURÍDICO 

Pensão

Pai preso não fica isento de pagar pensão para filho menor. O entendimento é da 3ª Turma do STJ.

Fertilização

Plano de saúde deve pagar procedimento de fertilização in vitro de paciente com endometriose. A decisão é da 5ª Câmara de Direito Privado do TJ de São Paulo.

Erro

Servidor público que recebe valores indevidos decorrentes de erro administrativo tem de devolver os valores recebidos a mais, salvo em caso de boa-fé. O entendimento é da 1ª Seção do STJ.

Coaching

O Conselho Nacional do Ministério Público publicou resolução que impede membros do MP de exercer atividades de coaching, pois esta não pode ser considerada uma atividade docente.


DIREITO SUMULAR

Súmula 625 do STJ-O pedido administrativo de compensação ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. 168 do CTN nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública.


LIVRO DA SEMANA

A presente obra é um importante instrumento de pesquisa para o conhecimento do benefício de aposentadoria especial, a partir de sua instituição até as recentes alterações procedidas na legislação previdenciária. Apresenta todo o histórico da aposentadoria especial, contemplando as alterações feitas no benefício e as regras vigentes em cada época, inclusive o Decreto 10.410, editado em 30.06.2020, alterando dispositivos do Decreto 3.048/1999, que regulamenta a Lei 8.213/1999.O entendimento da doutrina e da jurisprudência é colocado em relevo nos diversos temas abordados, que incluem as regras instituídas pela Emenda Constitucional 103/2019; o direito à aposentadoria especial; o enquadramento da atividade especial; prova da exposição do segurado aos agentes nocivos; perfil profissiográfico previdenciário (PPP); equipamento de proteção individual (EPI) e equipamento de proteção coletiva (EPC); a exigência de laudo técnico; o ruído no ambiente de trabalho; exposição do segurado ao calor, ao frio, à umidade, a radiações ionizantes; atividade em hospitais e outros estabelecimentos; atividade exercida no setor de energia elétrica; atividades ou operações perigosas; trepidação e vibrações; poeira mineral; tóxicos orgânicos; agentes biológicos; médicos, enfermeiros, farmacêuticos, odontólogos/dentistas, médico veterinário, engenheiros, vigilante, motorista de caminhão, de ônibus e tratorista; aposentadoria do professor, do aeronauta, do marítimo, dos jornalistas profissionais; a comprovação de tempo de atividade especial pelo contribuinte individual; competência para processar e julgar ações previdenciárias; o mandado de segurança como via processual adequada para o exame do direito à aposentadoria especial; tutela antecipada, direito adquirido e recursos repetitivos, dentre outros.