Direito e Política
Um caso de santa hipocrisia
Carlos Augusto M. Vieira da Costa* Immanuel Kant (1724 a 1805) foi um filósofo alemão que viveu durante o auge do iluminismo e dedicou parte de sua obra à formulação de uma teoria sobre a condição moral do indivíduo, que resultou entre outras coisas num conceito denominado “imperativo categórico”, até hoje utilizado pelos filósofos modernos para definir alguns parâmetros dos regramentos morais. O imperativo categórico kantiano, numa tradução mais coloquial, pode ser entendido como sendo a obrigação de todo indivíduo de agir com os outros da forma como espera (deseja) que ajam consigo, o que, em outras palavras, reproduz a velha lição que aprendemos um dia em nossa infância, para não fazer com o próximo o que não queremos que façam conosco. Evidente que com este conceito Kant não conseguiu, nem pretendeu, resolver todos os problemas de ordem moral da humanidade, mas representou um grande avanço diante das cruéis incongruências que marcaram a moral vigente na idade média, quando mulheres acusadas de bruxaria eram lançadas ao fogo sob o argumento de que não queimariam caso realmente não fossem bruxas. Mas por que lembrar Kant a esta altura dos acontecimentos? Para mostrar a incoerência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB ao criticar a decisão do Superior Tribunal de Justiça que declarou a legalidade do processo de adoção de uma criança por um casal de mulheres lésbicas no Rio Grande do Sul, sob o argumento de que a criança em questão não seria bem formada num ambiente familiar sem as referências dos papeis tradicionais do pai e da mãe unidos pelo matrimônio. Sem entrar na discussão sobre o que seja normal, o fato é que a posição do representante da CNBB é recheada de incongruências. Primeiramente porque nega o amor como pedra angular da doutrina cristã ao rechaçar a evidência de que a possibilidade de uma criança encontrar acolhimento digno num lar familiar, independentemente da orientação sexual dos seus membros, é muito maior do que em um orfanato, por melhor que sejam as intenções dessas instituições beneméritas. Também porque ignora que tanto a heterossexualidade como a homossexualidade são produtos das mesmas famílias tradicionais, o que afasta qualquer certeza sobre a questão. Todavia, o que mais chama a atenção é o fato do discurso do representante da CNBB ter varrido para baixo do tapete a recente avalanche de denúncias de pedofilia praticada por padres em todas as partes do mundo, que não poupou nem mesmo Sua Santidade, o Papa Bento XVI, acusado de omissão na apuração de casos levados ao seu conhecimento quando estava à frente da Congregação para a Doutrina da Fé. Ora, não se trata aqui de exigir da Igreja Católica, como de qualquer outra instituição religiosa, que aceite a homossexualidade como uma manifestação da natureza, tal como criada por Deus. Todavia, o que não é admissível é que uma instituição que perdoa e pede perdão pelos seus violadores venha defender que homossexuais, pelo simples fato de terem uma orientação sexual heterodoxa, não sejam dignos de constituir uma família, pois aí não seria apenas uma contradição comum a qualquer sistema, mas sim um caso típico de santa hipocrisia, daquelas de fazer Kant revirar em seu túmulo.
Carlos Augusto M. Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba
Carlos Augusto M. Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba – [email protected]
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A Conduta e o Direito Penal
Pais que matam filhos e se suicidam *Jônatas Pirkiel Depois do caso “Nardoni”, o Brasil foi surpreendido pelas notícias de vários casos de pais que mataram seus filhos e se suicidaram. Tive oportunidade de tratar do assunto sob o tema: “…O que dizer da natureza Humana…”, tendo recebido, dentre os emails daquela semana, um que pedia a opinião sobre estes tipos de crimes. Confesso que tive dificuldade de apresentar uma análise, preferindo dizer ao consulente que somente “Freud” (mais conhecido por Sigmund Freud, neurologista e fundador da Psicanálise). Mesmo porque é difícil encontrar uma explicação dentro daquelas normais para a conduta humana. Porém, para aumentar a nossa perplexidade, estes tipos de condutas (pais que matam os filhos e se suicidam) são comuns em nossa sociedade e, de resto, em boa parte do mundo. Para demonstrar isto com maior firmeza, transcrevo algumas notícias de jornais do Brasil para conhecimentos dos nossos leitores: “…pedreiro, depois de romper a relação com a esposa, mata as duas filhas, lançando-as do alto de uma ponte sobre o rio Reis Magos, na cidade de Serra, no Estado do Espírito Santo…” “…irmão do ex-governador paulista Luiz Antônio Fleury, na cidade de Sorocaba/SP, advogado Paulo Fernando Coelho Fleury, atirou em seu filho de nome Antônio Fleurry Filho, após uma calorosa discussão em sua residência. No ápice da discussão, o pai disparou um tiro na axila esquerda do filho, matando-se logo em seguida…” “…homem é suspeito de envenenar cinco filhos, em Taperoá (BA). Duas crianças, de 6 e 4 anos, morreram. Segundo a polícia, o pai foi abandonado pela mãe das crianças e teria inclusive feito ameaças à esposa…” “…o ajudante-geral Marcelo Rodrigues de Souza, tentou matar os dois filhos e cometeu suicídio em seguida, na Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, em Peruíbe, no litoral paulista…” “…supostamente inconformado com o fim do casamento, um consultor de vendas atirou o filho, de 2 anos, do 18º andar de um prédio na capital paulista e depois se jogou. Ambos morreram. Identificado como Cássio Rodrigues, o pai teria chegado ao apartamento onde a criança morava com a mãe…” É importante destacar a particularidade, nestes casos, pois quando o autor dos homicídios se suicida, não pode haver nem mesmo a responsabilização penal. A insanidade, ou seja lá o que for, acompanha um ato de justiça, pois o homicida também aplica a sentença que impõe às suas vítima a si próprio, com o suicídio. Se é que procede a comparação, situação muito parecida com os “camicases” e com os “homens-bombas”. Ao pratricarem um crime contra inocentes se auto-punem, com a própria morte. Estes em nome de concepções políticas ou religiosas. E os país homicidas? Jônatas Pirkiel é advogado na área criminal([email protected])
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DESTAQUE
Compra de bebida inseto não gera dano moral Um inseto dentro de uma garrafa de refrigerante que não chegou a ser consumida não gera dano moral. Esse é o entendimento do ministro Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu o recurso da Brasal Refrigerantes S/A contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A Justiça de primeira instância concedeu indenização ao consumidor que encontrou o inseto dentro da garrafa. A empresa entrou com recurso no TJ-DF, que negou a reparação. Ao STJ, a defesa da fábrica afirmou haver divergência jurisprudencial com outros julgados do Tribunal. O ministro confirmou a existência de divergência e lembrou que, em outro caso julgado no STJ, a situação era semelhante. Um objeto foi encontrado dentro de uma garrafa de refrigerante, que também não chegou a ser consumida. “Com efeito, o dano moral não é pertinente, porquanto a descrição dos fatos para justificar o pedido, a simples aquisição de refrigerante contendo inseto, sem que seu conteúdo tenha sido ingerido, encontra-se no âmbito dos dissabores da sociedade de consumo, sem abalo à honra, e ausente situação que produza no consumidor humilhação ou sofrimento na esfera de sua dignidade”, observou o ministro. O ministro Fernando Gonçalves também reiterou que o julgador, ao analisar o pedido de indenização por danos morais, deve apreciar cuidadosamente o caso concreto, a fim de vedar o enriquecimento ilícito e o oportunismo com fatos que, embora comprovados, não são capazes de causar sofrimentos morais, de ordem física ou psicológica, aos cidadãos.
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SABER DIREITO
Conhecendo tributos
*Roberto Victor Pereira Ribeiro
Há certa dificuldade em identificar os tributos que fazem parte do nosso sistema tributário. No entanto, propomos facilitar essa identificação através da análise do critério científico-legal. Antes de tecermos maiores considerações é necessário comentarmos que toda obrigação tributária decorre de lei. Por isso o critério legal como abalizador do conhecimento. O art. 3º do Código Tributário Nacional leciona que tributo é toda prestação pecuniária compulsória que não constitua sanção de ato ilícito, sendo obrigatoriamente instituída em lei e cobrada mediante atividade estatal vinculada. Sem a observação desses requisitos não há que se falar em tributo. Outra questão caracterizadora do tributo é o fato gerador. O fato gerador é o porquê da existência do tributo. O fato gerador é condição “sine qua non” para enunciar a finalidade tributária. Passamos agora a discorrer sobre alguns tributos: a taxa é uma espécie de tributo vinculado. Só será legal a cobrança de taxa, quando houver o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização efetiva ou potencial do serviço público específico e divisível, consoante art. 77, CTN. Faz-se mister dizer que a taxa como tributo exigível deverá ser precedida de um serviço onde não haja poder de escolha pelo contribuinte na aceitação do serviço, ou seja, simplesmente terá que receber o serviço e pagar por este, em virtude do seu caráter essencial. Deve ser também um serviço que se aproveite a cada um dos contribuintes de forma singular. Exemplo disso são as taxas de lixo domiciliar cobradas por alguns municípios. Quanto ao imposto, esse tem como circunstância ensejadora o próprio contribuinte, não havendo atividade estatal vinculada. Geralmente se paga imposto por relações ocorridas ou exercitadas pelo contribuinte. Ex: imposto de renda. Outra questão interessante consiste no fato de determinadas empresas concessionárias de serviço público cobrarem valor pelo serviço prestado. Neste caso não se trata de taxa, mas sim de tarifa. Ex: passagem de ônibus. O cerne do tributo está na lei. A lei deve dizer tudo: hipótese de incidência, base de cálculo, quando passará a ser cobrado etc. Destarte a lei investe-se de espírito do tributo, preconizando que sem lei prevendo não há tributo. Um exemplo do cotidiano que serve para ilustrar a importância da lei encontra-se nas cobranças de IPTU e do ITR. Ambos são pagos pelo mesmo fato jurídico, mas possuem fatos geradores distintos. O IPTU compreende o fato jurídico “propriedade”, mas o arrecadador é o município onde se situa a propriedade, já o ITR também possui a “propriedade” como fato jurídico, mas a arrecadadora é a União, e quem disciplina isso é a lei de ambos os tributos. Se não forem preenchidos os requisitos da lei, a cobrança do tributo será ilegal.
* O autor é advogado e membro do Associação Brasileira de Advogados.
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PAINEL JURÍDICO Perícia O Conselho Regional de Administração do Paraná realiza, nos dias 7 e 8 de maio, em Curitiba, o Curso de Perícia Judicial, procedimento processual trabalhista e cálculos, ministrado pelo professor Itamar Revoredo. A participação é gratuita com vagas limitadas. Inscrição no site www.cra-pr.org.br.
Continuado Atentado violento ao pudor e estupro contra uma mesma vítima, em circunstâncias semelhantes e com intervalo de menos de um mês, devem ser agregados e considerados como crime continuado. O entendimento é do STJ.
Capilar Um salão de beleza de Juiz de Fora foi condenado a indenizar, em 12 mil Reais, por danos morais, uma cliente que teve intensa queda de cabelo depois de um tratamento. A decisão é da 18ª Câmara Cível do TJ de Minas Gerais.
Procuração Procuração para advogado atuar em benefício de uma pessoa analfabeta não precisa ser feita por instrumento público. O entendimento é do CNJ.
Palestra A filósofa belga Chantal Mouffe ministrará palestra no próximo dia 06 de maio nas Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil. O tema da apresentação será “Direitos Humanos e Pluralismo” e as inscrições estão abertas no site www.unibrasil. com.br.
Penhora Elevador de hotel não pode ser penhorado. O entendimento é da 4ª turma do STJ.
Desembargador Estará aberto a partir de 11 de maio o prazo para que os advogados interessados em concorrer à lista sêxtupla para provimento de uma vaga de desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) protocolem seus pedidos de inscrição. As inscrições ficarão abertas pelo prazo de 20 dias corridos.
Adoção A 2ª Câmara Cível do TJ de Mato Grosso reconheceu o direito de um casal homossexual de se responsabilizar pela guarda de uma criança. Para a desembargadora relatora, impedir um casal de adotar uma criança é o preconceito mais cruel entre os já sofridos pelos homossexuais.
Propaganda A proibição de propaganda de refrigerantes fere o princípio da livre concorrência. O entendimento é da 6ª Câmara de Direito Privado do TJ de São Paulo.
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DIREITO SUMULAR Súmula 394 do STJ — É admissível, em embargos à execução, compensar os valores de imposto de renda retidos indevidamente na fonte com os valores restituídos apurados na declaração anual.
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LIVROS DA SEMANA
A evolução do instituto da autorização administrativa e o seu emprego em novas e variadas situações exigem permanente atualização do estudo sobre a matéria, nos enfoques legais, doutrinários e práticos e quanto aos direitos e obrigações decorrentes e ao contexto de suas relações com institutos administrativos afins, como a concessão, a permissão e a licença. A presente obra já é considerada um clássico, trabalho que, a par de seu rigor científico, não se descuida do viés prático e do perfil operacional do instituto. Consultada e citada não só por administrativistas, mas também pelos que militam na área pública, trata, inicialmente, da autorização como inserida entre os atos administrativos em geral e a caracteriza. Em seguida, estuda-a em profundidade no direito estrangeiro e brasileiro, até na jurisprudência, e da síntese comparativa extrai sua tipificação jurídica e definição. Cid Tomanik Pompeu — Autorização Administrativa — Editora RT, Revista dos Tribunais, São Paulo 2010
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Edição com conteúdo revisto e aumentado, layout moderno e destaques coloridos para as atualizações de 2009, que facilitam a consulta. Semanalmente atualizada pela internet. GUIA DOS TEMAS da Legislação Complementar na parte interna da capa. CLT Saraiva & Constituição Federal — Editora: Saraiva, São Paulo 2010
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DOUTRINA “De acordo com a nova redação do inciso I do art. 62, introduzida pela Lei n. 12.112/2009, a ação de despejo por falta de pagamento poderá ser proposta ou não com a cumulação de cobrança dos aluguéis e acessórios da locação, devendo ser apresentado, com a inicial, cálculo discriminado do valor do débito. Na segunda hipótese, ou seja, a de cumulação de pedidos, a Lei n. 12.112/2009 estabelece a necessidade de citar o locatário para responder ao pedido de rescisão e o locatário e os fiadores para responderem ao pedido de cobrança. Trata-se, portanto, de hipótese específica de litisconsórcio obrigatório e unitário em relação ao pedido de cobrança Trecho do livro Nova Lei do Inquilinato, de Brunno Pandori Giancoli e Fábio Vieira Figueiredo, página 60. São Paulo: Saraiva, 2010.
JURISPRUDÊNCIA Cabe o reconhecimento do bem de família no agravo de instrumento A regra em impugnação ao cumprimento da sentença é a ausência de efeito suspensivo, somente sendo possível tal concessão nos casos especificamente delineados no artigo 475-M e seus incisos do Código de Processo Civil. A matéria relativa à impenhorabilidade não está sujeita à preclusão, em razão do interesse público a que a Lei n.° 8.009/90 visa proteger, e considerando que se trata de matéria de ordem pública, admite-se a alegação em qualquer tempo e grau de jurisdição, não havendo que se cogitar, outrossim, de eventual supressão de instância, cabendo o reconhecimento do bem penhorado como bem de família em sede de agravo de instrumento. Decisão da 13ª Câmara Cível do TJ/PR. AI nº. 429.161-8 (fonte TJ/PR)
COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA [email protected]
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