DIREITO E POLÍTICA

O fim da história?

*Carlos Augusto Vieira da Costa

Paulo Francis, com sua voz pastosa e arrastada, sempre que provocado sobre o seu passado esquerdista, costuma responder com a frase de Winston Churchill: quem não foi comunista até os vinte anos, não tem coração; e quem continua sendo após os trinta, não tem cérebro.
Muitos anos depois, um jovem batizado Agenor de Miranda Araújo Neto, mais conhecido pelo apelido de Cazuza, compôs uma canção cujo refrão era: ideologia, eu quero uma para viver.
Paulo Francis e Cazuza não tinham nada a ver um com outro. Pelo contrário, eram apartados em quase tudo, a começar pela diferença de idade (quase 30 anos). Isto, contudo, não impediu que ambos construíssem uma obra fortemente marcada pela necessidade de engajamento ideológico, cada um à sua maneira.
Mas hoje em dia, num mundo altamente globalizado, qual seria o significado das ideologias?
Logo após a queda do Muro de Berlim, um intelectual americano chamado Francis Fukuyama desenvolveu uma teoria, a partir da filosófica hegeliana, que condensou em um livro intitulado O fim da história e o último homem (1992). Para Fukuyama, a derrocada do comunismo soviético daria lugar a uma nova ordem mundial dominada pela hegemonia das democracias burguesas de inspiração capitalista. Ou seja. Não haveria espaço para novas contradições.
E de fato por um tempo foi assim, com uma exacerbação das relações de consumo embaladas pela globalização e instigadas por uma indústria especializada em criar necessidades.
Contudo, em 2008 a nova ordem de Fukuyama tropeçou em sua própria soberba, e o mercado mais uma vez recorreu ao bom e velho Estado para lhe salvar a pele.
O erro de Fukuyama foi tomar Hegel pela segunda metade, e se esquecer que a base do pensamento hegeliano é a dialética, por meio da qual a história se constrói entre teses, antíteses e sínteses, num moto contínuo, onde a última síntese é sempre a próxima tese.
Portanto, não caída nessa conversa fiada de fim da história. O capitalismo é importante como sistema produtivo. Mas o homem continua sendo a medida de todas as coisas (Protágoras), e as nossas necessidades vão muito além do que o mercado pode nos dar.

* Carlos Augusto Vieira da Costa
Procurador do Município de Curitiba

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SABER DIREITO

Heróis à margem

*Roberto Victor Pereira Ribeiro

Há dois meses me encontrava em trânsito no retorno do trabalho, no céu além de densas nuvens já contemplava-se a chegada do lusco-fusco. Parado no engarrafamento denso que castiga as grandes metrópoles de nosso Brasil, vislumbro na minha frente um carro coletor de lixo. Em sua traseira estavam três garis, profissionais que colaboram com a limpeza do ambiente em que vivemos. O trânsito estava lento por isso pude, pela primeira vez, contemplar um pouco mais a situação de trabalho desses heróis da limpeza.
O que vislumbrei de fato me chamou a atenção. Era um cenário de total insegurança, contrariando todas as normas de segurança do trabalho, sem contar ainda que lesa frontalmente a dignidade da pessoa humana. Eles andavam verdadeiramente pendurados sobre a caçamba na popa do caminhão. Fiquei olhando e imaginando: se um deles sentir uma tontura ou um episódio hipoglicêmico irá ao chão inapelavelmente, pois eles estão sustentados apenas por suas mãos e por sua coordenação, enquanto os colegas já preocupados também com suas vidas, só poderão assistir e nada fazer. Pergunto: o que custava a essas companhias de serviço público colocar à disposição dos operários uma cinta de segurança presa ao carro, com uma presilha que facilmente seria solta para a labuta dos mesmos que consiste em descer e subir no carro com os sacos de lixos nas mãos?
Outro fato que me escandalizou foi a total vulnerabilidade da integridade física dos ocupantes deste estilo de veículo. Atentem senhores leitores, que se um carro colidir na traseira desses caminhões poderá independentemente da velocidade da colisão causar sérios danos, como, por exemplo, decepamento das pernas dos garis. A dianteira de qualquer carro considerado baixo atinge exatamente a linha da cintura para baixo, enquanto uma camioneta poderá atingir a parte torácica do corpo. Outra vez pergunto: por que não colocar uma proteção de ferro, como uma espécie de para-choques?
Por fim, saliento uma cena em que assisti durante o percurso próximo a esse caminhão do lixo e que em muito me emocionou: ao passar defronte uma escola de ensino fundamental, eis que cinco crianças saíram correndo e começaram a acenar para os garis, como se para eles fossem heróis que desfilavam em frente as suas residências. O que deveria ser um alento e uma injeção de ânimo encontrou em um dos garis a seguinte frase enquanto acenava: tomara que elas estudem para não acabarem como a gente.
Encerro, pois, clamando as autoridades para que busquem normas e garantias maiores à segurança desses verdadeiros heróis marginalizados.

* O autor é advogado do Ribeiro Advocacia & Advogados Associados e escritor da Academia Brasileira de Direito


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A CONDUTA E O DIREITO PENAL

Goleiro Bruno ainda está preso

* Jônatas Pirkiel

Passados mais de uma no e três meses, o goleiro Bruno ainda continua preso sob o fundamento de que a sua periculosidade é motivo suficiente para que o mesmo seja mantido preso, apesar de já ter sido pronunciado pela morte de sua ex-amante, a jovem Elisa Samúdio, com quem ele teve um filho e a pensão alimentícia teria sido a causa da sua possível morte. Isto porque, até hoje ainda o corpo não foi encontrado.
Muito embora esta tragédia já não mais ocupe os noticiários dos jornais e televisão, o certo é que a Justiça ainda entende que é necessária a manutenção da sua prisão,a princípio até que ocorra o seu julgamento pelo Tribunal do Júri, apesar de cinco dos nove acusado da participação na suposta morte e desaparecimento do corpo da jovem já estejam soltos.
O pedido de Habeas Corpus foi negado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça sob o entendimento de que: …o Supremo Tribunal Federal tem posição de que não é mais possível a prisão automática após a pronúncia, mas apenas quando subsistem os argumentos que levaram a decretação da segregação cautelar… Neste caso, o ministro relator, Sebastião Reis Júnior, observou que a fundamentação existente na sentença de pronúncia de que a circunstância do crime ultrapassa os limites da crueldade e que houve divisão de tarefas entre os réus, eles mantiveram a vítima em cativeiro e o corpo não foi sequer encontrado.
Apesar de admitir que as condições pessoais do réu são favoráveis, estas, por si só, …não têm o condão de garantir a liberdade do acusado…. Mesmo podendo tentar a sua liberdade perante o Supremo Tribunal Federal, resta ao goleiro Bruno a esperança de se ver absolvido pelo julgamento do Júri popular.
O HC foi negado por unanimidade, tendo votado também como o relator, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, e o ministro Og Fernandes e desembargador convocado Vasco Della Giustina.

* O autor é advogado criminal ([email protected])


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ESPAÇO LIVRE

Empresa x Consumidores: Pequenas mudanças, grandes efeitos

*Renata P. A. Fortes Damasceno

É fato: o poder judiciário está sobrecarregado. Além do alto índice de litigiosidade, os brasileiros convivem também com elevadíssima taxa de congestionamento (que é a relação entre os casos novos, os casos  baixados e o estoque pendente ao final do período), especialmente na fase de execução na justiça estadual, na qual o índice chega a 90%. Esses dados foram resultado da avaliação promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), durante a quarta edição do Seminário Justiça em Números, na última segunda-feira (29). Na ocasião, foram apresentados e debatidos os dados do relatório Justiça em Números de 2010, que é elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, com base nas informações eletronicamente fornecidas pelos Tribunais.  O principal foco do evento é entender as causas dos indicadores e buscar soluções para viabilizar o efetivo acesso da população à Justiça e combater a morosidade dos processos.
Sem dúvida, para tratar dos históricos e bem conhecidos problemas do poder judiciário brasileiro, será fundamental a sua reforma e modernização. Entretanto, pequenas mudanças podem surtir grandes efeitos a curto prazo. O estímulo da conciliação, por exemplo, é uma forma de conseguir a rápida solução dos litígios, em que todos saem ganhando: as partes e o próprio poder judiciário. Por isso, a composição tem sido alvo de vigorosas campanhas.
Ainda assim, é notório que as audiências de conciliação são pouco aproveitadas pelos operadores do direito. Várias são as razões. Dentre as quais, pode-se citar o receio das empresas demandadas em formalizar acordos diante da possibilidade de oportunistas ingressarem em juízo ao tomarem conhecimento dos precedentes de composição.
Nesse ponto é crucial separar o joio do trigo! Não se pode generalizar e fechar as portas para todo e qualquer tipo de composição. A empresa deve saber que um departamento jurídico preparado e seriamente disposto a conciliar pode ser sinônimo de economia. Não se trata de dar direito a quem não possui simplesmente para evitar o embate judicial, mas, sim, de contar com o trabalho de advogados experientes e comprometidos, capazes de tratar eficazmente a audiência de conciliação, munindo-se previamente de informações que os permitam avaliar com segurança quais processos devem ser alvo de composição. Em outras palavras, deve haver a gestão consciente e planejada dos processos para definir a melhor técnica para a solução de cada caso.
Registre-se: o aproveitamento consciente da audiência de conciliação é economicamente vantajoso, pois além de resolver o conflito antes que se desencadeie a longa e onerosa fase instrutória, pode restabelecer a confiança do consumidor na empresa demandada, mantendo-o em sua carteira de clientes ou, ao menos, diminuindo as sequelas de um serviço ou produto eventualmente defeituoso. 
É necessário, portanto, que os operadores do direito empreendam esforços para mudar a cultural falta de disposição (e de preparo) para a busca da composição na audiência preliminar. Esta mudança de atitude trará benefícios para as partes – que terão a lide resolvida de forma mais célere, eficaz e menos onerosa – e possibilitará, consequentemente, o aprimoramento da prestação jurisdicional.

* A autora é advogada da Becker, Pizzatto & Advogados Associados

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Quem paga o prejuízo?

*Vladimir Polízio Júnior

No último dia 13 de outubro, no centro da capital do Rio de Janeiro, uma explosão motivada pelo vazamento de gás causou no mínimo 03 mortes e a inúmeros prejuízos materiais. A perícia vai apurar as causas da tragédia, mas as notícias dão conta de que havia instalação de gás clandestina, e que isso pode ter no mínimo colaborado para a extensão dos danos. Se isso ficar constatado, o Município do Rio de Janeiro será responsabilizado, e deverá pagar indenizações para as vítimas, ou às suas famílias (em caso de morte). Isso porque o Poder Público (em alguns casos o Município, em outros o Estado, ou até mesmo a União) responde pela falha na prestação de um serviço que deveria ser prestado eficazmente, ou seja, a vítima desse mau servido tem direito a ser indenizada.
Como exemplo a indenização promovida por uma vítima de um buraco aberto em via pública, na mesma cidade do Rio de Janeiro, julgado recentemente pelo STJ (AgRg no Ag 1407452). O caso teve início quando um motorista caiu num buraco existente numa rua da Cidade Maravilhosa, que teria sido aberto pela empresa de energia tempos antes. Inconformado pela situação absurda (nenhuma sinalização existia para alertar do buraco), ele propôs indenização por danos materiais (no valor para reparo do seu automóvel) mais danos morais (para compensar os transtornos incomuns aos do cotidiano da vida social). O juiz que primeiro analisou o caso condenou a Municipalidade ao pagamento de R$ 1 mil por danos materiais e de R$ 6 mil por danos morais. Inconformado, o Município recorreu para o TJ/RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), onde os desembargadores entenderam por bem não modificar a sentença. Mais uma vez insatisfeita, recorreu agora a Municipalidade para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) que, acolhendo o voto do relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, da 1ª turma, manteve a decisão carioca. Desse modo, a vítima do buraco vai receber da cidade do Rio de Janeiro R$ 1 mil por danos objetivos e R$ 6 mil por danos subjetivos, com juros e correção.
Outro exemplo da chamada Responsabilidade Civil do Estado foi a condenação, também em setembro de 2011 e pelo mesmo STJ, do Estado do Maranhão pela morte de um preso (AgRg no AREsp 15303), embora neste caso os ministros da 2ª Turma, acolhendo o voto do relator Benedito Gonçalves, tenham reduzido o valor dos danos morais de R$ 100 mil para R$ 50 mil.
Em ambos os casos, tanto no do buraco como no da morte do detento no presídio, o condenado aparente é o Poder Público (Município e Estado, respectivamente), mas quem de fato paga a fatura é o contribuinte. Isso porque o erário se mantém de nossos impostos, e na maioria das vezes os montantes pagos não são recuperados dos verdadeiros responsáveis pelo mau serviço, ou seja, quem deu causa para o dano não ressarci o cofres públicos. Afinal, pode alguém ser responsabilizado pelos buracos nas ruas de qualquer cidade, ou pelas mortes nas nossas cadeias superlotadas? Ainda que predomine o entendimento no sentido contrário, acredito que sim, porque o serviço público é coisa séria, e não pode ser tratado por amadores.

* O autor é defensor público ([email protected])

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PAINEL JURÍDICO

Alimentos
As parcelas vencidas no curso da ação de alimentos têm natureza de crédito alimentar e por isso é possível o desconto em folha de pagamento do devedor. O valor do desconto deve ser razoável, de modo quer não impeça a própria subsistência do executado. O entendimento é da 4ª Turma do STJ.

Livros
O advogado Carlyle Popp, sócio da Popp&Nalin Sociedade de Advogados, colabora nas obras Teoria Geral do Direito Civil e Teoria Geral dos Contratos, ambas recém-lançadas pela Editora Atlas. No primeiro título, Popp publica o artigo Pessoa Jurídica, com uma importante análise sobre a desconsideração da personalidade societária. No segundo livro, Popp participa com o artigo Eficácia externa dos negócios jurídicos em que aborda a interferência ilícita de terceiros no âmbito contratual

Aviso prévio
Os valores pagos a título de aviso prévio são de natureza indenizatória e sobre eles não incide contribuição previdenciária. A decisão é da desembargadora Cecília Mello, da 2ª Turma do TRF da 3ª Região.

Férias
O TJ do Paraná atendeu o pedido da OAB Paraná e determinou a suspensão do expediente forense e dos prazos no período de 20 de dezembro de 2011 a 6 de janeiro de 2012, a exemplo do que já ocorre na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal. Na oportunidade, o TJ também determinou ponto facultativo para o próximo dia 14 de novembro.

Domiciliar
A 8ª Câmara Cível do TJ do Ceará determinou que a Unimed de Fortaleza forneça tratamento médico domiciliar a uma paciente que sofre de doença renal e precisa de sessões semanais de hemodiálise.

Pensão
A Procuradoria-Geral da República emitiu parecer favorável a ADI que questiona a concessão de pensões a ex-governadores do Rio de Janeiro, que foi proposta pelo Conselho Federal da OAB.

Vitória
O Escritório Alceu Machado, Sperb & Bonat Cordeiro, conseguiu confirmar perante o TRF da 4.ª Região sentença de anulação de multa cambial correspondente a cerca de R$ 146 milhões (US$ 92 milhões), aplicada pelo Banco Central do Brasil (BACEN). A penalidade havia sido imposta a uma das maiores empresas exportadora de soja do Paraná.

Custas
O CNJ confirmou que a Caixa Econômica Federal é a única instituição financeira que pode receber pagamentos de custas judiciais.

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DIREITO SUMULAR
Súmula n. 703 do STF – A extinção do mandato do prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1. do Decreto-Lei 201/1967.

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LIVRO DA SEMANA

 

Partindo de premissas bem fixadas e da aceitação das mudanças no perfil do Estado, este livro oferece ao leitor uma análise ampla das interações do princípio da livre concorrência com o exercício da competência tributária, desdobrando os limites impostos pelo novo art. 146-A da Constituição Federal para o desenvolvimento dos chamados critérios especiais de tributação. O autor analisa de ponta a ponta os principais elementos de conexão entre o direito econômico e o direito tributário, passando pelo estudo das formas de intervenção do Estado no domínio econômico, as interações entre competência reguladora e competência tributária.
Diego Bomfim — Tributação & Livre Concorrência, Editora Saraiva São Paulo 2011

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COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA
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