Direito e Política

 Uma diplomacia voltada para o futuro

Carlos Augusto M. Vieira da Costa*

Reza o dito que uma imagem vale mil palavras. As vezes até mais. Ao menos foi assim com a fotografia que correu o mundo de uma mulher de véu preto, enterrada até os ombros, com o rosto marcado por hematomas, representando Sakineh Mohammadi Ashtiani, a iraniana condenada à morte por apedrejamento por suposta prática de adultério. A imagem é realmente chocante, pois demora alguns segundos até percebermos que se trata de uma encenação em protesto pela pena imposta a Sakineh Ashtiani. E passado o susto cresce a indignação diante da constatação de que em pleno século XXI pessoas ainda são julgadas com base em leis concebidas há mais de 2000 anos.
Aliás, não é de hoje que cristãos e mulçumanos batem cabeça por conta de princípios, valores e conceitos. No século X os ocidentais já se empenhavam na organização de cruzadas para cristianizar os pagãos do oriente, e desde então não houve paz duradoura. Mas justiça seja feita, a intolerância é de parte a parte, e se para nós eles são uns bárbaros medievais, para eles somos uns intrusos devassos e demoníacos. Felizmente a quizila não é com todos, e o Brasil tem conseguido transitar entre os dois lados com alguma respeitabilidade, como no caso do acordo nuclear com Irã, que embora tenha sido desautorizado pela ONU, foi celebrado segundo as premissas fixadas pelos próprios americanos, que depois deram para trás.
Na verdade, a conduta brasileira tem se baseado em uma característica tradicional da sua diplomacia, que sempre primou pela independência pelo não intervencionismo, e que atualmente vem representando uma alternativa viável em relação à lógica predominante de alinhamento incondicional aos interesses dos EUA. E não se trata de revanchismo ou emulação, mas sim da constatação de que os problemas enfrentados pelos americanos, especialmente com o terrorismo, são fruto da sua própria política externa unilateral e imperialista, que considera apenas e tão somente as suas aspirações econômicas e hegemônicas, a exemplo do que aconteceu com Saddam Hussein, que inicialmente foi apoiado pelos EUA para neutralizar a influência da maioria xiita naquele país e declarar guerra ao Irã, e depois virou o inimigo público nº 1 dos americanos, sob a justificativa inverídica de que mantinha um arsenal de armas de destruição em massa. O mesmo vale para Osama Bin Laden, que foi treinado pela CIA para enfrentar os soviéticos no Afeganistão, e depois virou o vilão anti-americano do século. Assim, quando pede pela vida de Sakineh Mohammadi Ashtiani, o Brasil não está negando ao Irã e aos seu povo o direito de viver soberanamente de acordo com suas regras morais e jurídicas, mas sim sinalizando que existem diferenças incompreensíveis de parte a parte, e que não há mal em se tentar reduzi-las a um denominador aceitável, de modo a promover a tolerância e o respeito entre os povos, pois com desprezo e preconceito não há futuro promissor.

Carlos Augusto M. Vieira da Costa
Procurador do Município de Curitiba


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A Conduta e o Direito Penal

A falta grave a e regressão do regime prisional

*Jônatas Pirkiel

É sabido que a falta grave implica na regressão do regime prisional a que o apenado estava submetido. Mas pode a regressão regredir a ponto de modificar a sentença condenatória que impos o regime semi-aberto?
Pode. Para o Superior Tribunal de Justiça e alguns outros tribunais estaduais, pode! Na semana que passou o STJ, em Habeas Corpus apreciado pelo próprio Presidente da Corte Superior, ministro Cesar Asfor Rocha, manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que determinou a regressão do regime prisional e alterou a data-base para concessão de novos benefícios de apenado que não retornou ao presídio no prazo determinado porque estaria trabalhando, preocupado com as necessidades que sua família vinha passando…
De acordo com a defesa, a situação do apenada …não pode ser enquadrada como fuga, uma vez que esta pressupõe o uso de artimanhas e um agir premeditado, ao passo que o fato do apenado não ter retornado ao presídio no prazo determinado representaria uma preocupação com a família e o sustento da mesma…
Até aí, parece que os argumentos do defensor não são suficiente spara reverter o quadro processual de seu cliente. Mas o que preocupa, é o fato do Tribunal Superior ter mantido a decisão que determinava a regressão do regime semi-aberto, ao qual fora condenado, para o regime fechado. Trata-se de um precedente estranho, para não dizer perigoso. Tal decisão foi sustentada pelo ministro Presidente do STJ com base em decisões anteriores daquela Corte, em casos que foram relatados pela ministra Laurita Vaz e pelos ministros Arnaldo Esteves e Napoleão Maia Filho.
Tratando-se da 5ª. Turma do STJ não há novidade no rigor da decisão em face da forma rigorosa com que aquele colegiado julga.
Quanto à alteração da data-base para concessão de novos benefícios do apenado, não há novidade no entendimento.

[email protected] (advogado militante na área criminal)

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DESTAQUE

O papel do herdeiro na sociedade limitada
A sociedade limitada é o modelo societário mais utilizado no Brasil, correspondendo a, aproximadamente, 97% das sociedades constituídas no país. A limitação de responsabilidade dos sócios e a maior simplicidade de seu funcionamento, ao compararmos com a sociedade anônima, são as principais razões para tal popularidade. Mesmo com toda esta difusão entre os brasileiros, alguns aspectos da sociedade limitada ainda são pouco conhecidos, como, por exemplo, os direitos do herdeiro no caso da morte de um dos sócios.
Segundo o advogado Gustavo Teixeira Villatore, membro do Escritório Katzwinkel & Advogados Associados, o antigo Código Comercial, revogado parcialmente há sete anos, já estabelecia que a morte de um dos sócios poderia causar a dissolução do vínculo societário. Entretanto, na prática, o tratamento que se dava ao sócio falecido garantia os mesmos direitos que ele tinha em vida. “Esta situação era muito comum e, no mínimo, equivocada, pois a morte extingue qualquer direito da pessoa. Os direitos na sociedade passam diretamente aos herdeiros e, no caso, apenas e exclusivamente os herdeiros patrimoniais”, explica o especialista.
De acordo com o advogado, a herança nada mais é do que um conjunto de bens transferíveis, ou seja, ao invés de se mudar o titular de uma relação jurídica, muda-se o titular de todo o patrimônio. “Por considerar o patrimônio como conjunto de relações jurídicas referentes a um só titular e passível de apreciação econômica, é lógico que nele não integram aqueles direitos e deveres que não podem ser economicamente apreciados ou que mesmo tendo expressão econômica, só interessam ao patrimônio enquanto o titular está presente”, detalha Villatore.
Por se tratar de uma sucessão a título universal, no caso da morte de um dos sócios, apenas a titularidade patrimonial poderá ser transferida aos sucessores. Os direitos personalíssimos, como os cargos exercidos, não são transferíveis.
Desta forma, os herdeiros possuem o direito à apuração e pagamento de todos os valores que lhe cabem, mas a sua entrada na sociedade, caso seja a sua vontade, depende da concordância expressa dos sócios remanescentes, materializada com a alteração contratual. Ou seja os herdeiros não sucedem o sócio falecido, pois o vínculo deste com a sociedade se dissolveu com a morte, mas, com a aceitação dos sócios remanescentes, ingressarão na sociedade formando um novo vínculo social. “Os herdeiros são, apenas e tão somente, credores de haveres sociais, salvo se por acordo com os sócios supérstites ingressarem formalmente na sociedade”, finaliza o especialista.

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Discussão sobre o novo Código do Processo Penal
A Universidade Federal do Paraná realiza no dia 16 de agosto um debate sobre o projeto de lei 156/2009, que prevê alterações no atual Código do Processo Penal (CPP). O evento marca a fundação do Núcleo de Direito Processual da UFPR e acontece durante todo o dia, com início às 09h e previsão de encerramento às 19h.
Serão cinco painéis que irão discutir algumas das mudanças propostas no novo CPP e reunirão mais de 20 profissionais especialistas na área criminal. Dentre os convidados estão os advogados Sylvio Lourenço da Silveira Filho, no painel “Alterações relativas à prisão processual e às outras medidas cautelares”, às 11h, e Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha Jr, no painel “Alterações relativas ao habeas corpus e aos recursos”, às 16h. Ambos são da bancada Rocha Lima Advogados e realizam, respectivamente, mestrado e doutorado na instituição.
Ao final do evento será lançado o livro “O novo processo penal à luz da Constituição”, organizado pelos professores Jacinto Nélson de Miranda Coutinho e Luis Gustavo Grandinetti, que reúne artigos a respeito do tema. A publicação é uma análise crítica do projeto de lei e tem como co-autores os advogados Sylvio Lourenço da Silveira Filho e Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha Jr. O debate sobre o novo Código do Processo Penal acontece no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFPR, na praça Santos Andrade, e a entrada é franca. Mais informações: www.ppgd.ufpr.br.

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ESPAÇO LIVRE

Alimentos, consumidor e informação

*Frederico Eduardo Z. Glitz

Recentemente a Agência nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) editou resolução (de n° 24/2010 de 15/06/2010) por meio da qual visaria “assegurar informações indisponíveis à preservação da saúde de todos aqueles expostos à oferta, propaganda, publicidade, informação e outras práticas correlatas cujo objetivo seja a divulgação e a promoção comercial dos alimentos” (art. 2º).
Isto é, em termos mais simples, haveria a exigência de que a publicidade em torno de produtos alimentícios disponibilizasse maiores informações ao consumidor (teor de açúcares e gorduras saturadas, por exemplo). A meta da regulamentação seria a proteção do público infantil e do consumidor.
O teor da Resolução enfatiza, ainda, que a informação deveria ser prestada de forma “adequada, ostensiva, correta, clara, precisa e em língua portuguesa” (art. 5º) e de forma a se destacar o caráter promocional da publicidade (art. 6º).
Entretanto, instada por pedido do Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária (CONAR), a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu parecer recomendando a suspensão da aplicação da referida Resolução. O argumento: trata-se de matéria a ser regida por lei federal.
De fato, o parecer da AGU é adequado, ainda mais quando já existe tal lei: o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990). Especialmente quando ele consagra o dever de informação como princípio das relações de consumo (art. 4º, IV) e como direito básico do consumidor (art. 6º, III).
Quanto a este último aspecto, aliás, o direito à informação é amplo o suficiente para abranger as especificidades da composição química e orgânica dos alimentos comercializados, seja os teores de sódio, gorduras e açúcares ou mesmo se há, ou não, a presença de organismos geneticamente alterados (“transgênicos”).
Esse dever, ademais, não decorre “apenas” da necessidade de informação, mas igualmente das exigências postas pelo próprio CDC no que concerne à publicidade. Isto é, o fornecedor tem o dever de manter (e disponibilizar) dados técnicos e científicos que sustentem a publicidade que veicular (art. 36, parágrafo único), sendo considerada publicidade enganosa em caso de omissão (art. 37,§§1º e 3º).
As demais exigências previstas pela Resolução também encontram fundamento no CDC que prevê a necessidade de informação clara, ostensiva e correta (arts. 30 e 31), a responsabilidade do fornecedor pela qualidade do produto em razão de proteção da saúde e segurança (art. 8º) e a exigência de que se possa, facilmente, perceber o caráter promocional da publicidade (art. 36).
Percebe-se, pois, que passados quase vinte anos da edição do Código de Defesa do Consumidor, ainda não se reconhecem plenamente as obrigações lá previstas. Embora se possa reconhecer mérito na iniciativa da ANVISA (e mesmo de outras tentativas recentes), bastaria a efetiva aplicação da legislação de consumo, já em vigor, para que se alcançassem os mesmos efeitos.
Esta, por exemplo, foi a recente conclusão a que chegou a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados quando rejeitou projeto que previa a exigência de que as informações referentes à quantidade e ao conteúdo dos produtos fossem divulgadas nas embalagens em caracteres maiores do que os utilizados para inscrição da marca.
Em matéria de proteção do consumidor, portanto, nem sempre quantidade é melhor que qualidade. Neste caso mais vale a efetiva aplicação do CDC, que a possibilidade de edição de promissoras regulamentações.

* O autor é advogado, mestre e doutorando em Direito Contratual das Relações Sociais, professor de Direito das Obrigações, Direito dos Contratos e Direito Internacional Privado da Faculdade de Direito das Faculdades Integradas do Brasil (UNIBRASIL). [email protected]

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PAINEL JURÍDICO

Jantar

O sorteio de brindes aos advogados será uma das atrações do jantar dançante que a OAB Paraná realizada no dia 11 de agosto (quarta-feira), no Salão Azul do Clube Curitibano, para comemorar o Dia do Advogado. Serão sorteados câmera fotográfica digital, netbook, telefone celular multifuncional, finais de semana em São Paulo e Florianópolis, diárias nos hotéis da rede Slaviero em Vitória (ES), além de passagens aéreas para Foz do Iguaçu.

Seminário
Será realizado em Curitiba, de 15 a 18 de setembro de 2010, na sede da OAB-PR e em parceria com a mesma, o 2º Congresso Brasileiro de Computação Forense e o 1º Seminário de Direito Eletrônico, voltado para aqueles que operam com documentos eletrônicos e assinatura digital. Um dos coordenadores e palestrantes do evento é o notário Ângelo Volpi. Informações no site
https://www.congresso-inforense.com.br/

Limite
A 1ª Câmara Cível do TJ do Mato Grosso determinou que as parcelas referentes a empréstimos contraídos por uma servidora não devem ultrapassar os 30% dos vencimentos líquidos do salário.

Prazo
O prazo para propor ação de indenização de um segurado em grupo contra a seguradora prescreve em um ano. O entendimento é da 4ª Turma do STJ.

Virtual
A partir de agora, o Conselho Nacional de Justiça só recebe peças e petições enviadas eletronicamente.

Dobro
A concessão de férias por período inferior ao mínimo de dez dias é irregular. Se isso acontecer, o empregador deve pagar o período em dobro ao trabalhador. O entendimento é da 4ª Turma do TST.

Progressão
A falta grave implica em reinício da contagem do prazo da pena remanescente para a concessão do benefício da progressão do regime prisional. O entendimento é do presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha.

Maternidade
O Senado Federal aprovou, em segundo turno, Proposta de Emenda à Constituição que amplia a licença maternidade de quatro para seis meses. A PEC vai agora à Câmara dos Deputados.

Bancário
Empregados de cooperativas de crédito não podem ser considerados bancários. O entendimento é da 8ª Turma do TST.

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DIREITO SUMULAR

Súmula nº 408 do STJ
— Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da úmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal.

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LIVROS DA SEMANA

A presente obra analisa o processo penal a partir de seus institutos fundamentais com assento na Constituição Federal, englobados em princípios, garantias e direitos referentes a processo e procedimento, jurisdição e competência, ação penal e investigação criminal, direito de defesa e medidas cautelares. As tendências contemporâneas do processo penal e da legislação brasileira são examinadas sob enfoque introdutório.
São estudados o devido processo legal, igualdade e proporcionalidade, contraditório, publicidade, prova, prazo, juiz e promotor natural, motivação das decisões, direito de defesa, júri, justiça consensual, prisão cautelar e temporária, liberdade provisória e comissões parlamentares de inquérito. Antonio Scarance Fernandes — Processo Penal Constitucional — Editora: RT, Revista dos Tribunais, São Paulo 2010

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Essa é justamente a obra que faltava na literatura jurídica brasileira. Um verdadeiro Tratado, abrangente, que pudesse ofertar aos especialistas as diversas dimensões do direito constitucional. Com esse objetivo, os autores preenchem lacuna na abundante produção doutrinária do direito constitucional brasileiro, um dos mais relevantes de todos os ramos. Sem dúvida, esse trabalho representará excelente ferramenta de trabalho a profissionais, magistrados, professores, advogados, membros do Ministério Público, legisladores, autoridades e estudantes que, no cotidiano, defrontam-se com questões constitucionais. Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nascimento — Tratado de Direito Constitucional – Vol. 1 — Editora Saraiva, São Paulo 2010


DOUTRINA
“Bem por isso, é usual a referência doutrinária e jurisprudencial a que nada impede a existência de arbitragem versando sobre o reequilíbrio econômico-financeiro de um contrato administrativo. Trata-se de matéria amplamente passível de pactuação consensual pela própria Administração. A disposição de direitos patrimoniais da Administração (p. ex., pagamento em favor do particular contratado) é um instrumento para a realização dos direitos fundamentais envolvidos e do interesse coletivo (” interesse público”) que cabe à Administração proteger. O mesmo se pode dizer quanto ao pagamento de uma indenização por responsabilidade civil. Não há dúvida que a Administração não depende de prévia decisão judicial para reconhecer que é devedora de indenização. Por essa mesma razão, pode remeter a um terceiro (árbitro) alheio à estrutura do Poder Judiciário a solução da questão”.
Trecho do livro Arbitragem e Poder Público, coordenado por Cesar Augusto Guimarães Pereira e Eduardo Talamini, páginas 140/141. São Paulo: Saraiva, 2010.

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COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA
[email protected]