DIREITO E POLITICA
Uma escolha, muitas renúncias
Carlos Augusto Vieira da Costa
Na semana passada, foi apresentado no Senado da República um anteprojeto prevendo a ampliação das possibilidades legais de se fazer um aborto no país. Numa perspectiva bastante ousada, a comissão de juristas responsável pelo anteprojeto admitiu a interrupção da gravidez mesmo em casos de fetos saudáveis, até a 12ª semana da gestação, mediante a apresentação pela mãe de um atestado psicológico declarando a sua incapacidade emocional para a maternidade. Tanto melhor que esta questão tenha vindo à baila agora, longe dos apelos e pressões eleitorais, possibilitando, assim, uma discussão mais madura e menos rebarbativa sobre um tema de tamanha importância, que envolve o conflito de valores fundamentais da nossa cultura, tais como a proteção da vida humana, a livre determinação da mulher sobre seu corpo e o seu direito de procriar. A expectativa, aliás, é que o debate seja acalorado, e a temperatura alcance o ponto de ebulição muito antes de qualquer decisão definitiva a respeito. Por isso, será fundamental que a discussão seja pública, conduzida de forma democrática e paritária, de modo a afastar qualquer suspeita de manipulação da opinião popular. Mas muito além disto, parece que o crucial é deixar claro que não se trata de uma discussão apenas científica ou religiosa, mas preponderantemente política. Ou seja, não importa tanto discutir quando começa a vida, se na geração ou na concepção, e quais os mistérios que envolvem a nossa existência, mas sim qual o valor mais fundamental a ser preservado: se a proteção da vida intra uterina, ou se o direito da mulher dispor do seu corpo de acordo com suas convicções, possibilidades e interesses. E qualquer que seja a decisão, sempre implicará em perdas existenciais. É como reza o dito: uma escolha, muitas renúncias. O fato, porém, é que a própria realidade já vem nos mostrando o caminho. No Brasil estima-se que sejam realizados mais de 1 milhão de abortos ilegais por ano, a maioria em condições sanitárias e técnicas precárias. Portanto, manter a criminalização do aborto e fechar os olhos para as práticas clandestinas, evidentemente não é o caminho; da mesma forma que alegar questões religiosas também não é a saída, até porque o Estado brasileiro é laico, e quem não professa fé religiosa não pode se obrigado a viver segundo ditames alheios. Por tudo isto, a única certeza palpável é que a questão ainda não está madura para ser decidida, e no caminho a ser percorrido existem muitas outras variantes a serem consideradas. A criação de programas de adoção de crianças recém nascidas e o acompanhamento pelo SUS de gestantes sob risco psicológico são dois exemplos. Esgotadas as variáveis e vencido o desafio do debate democrático, penso que a sociedade estará apta a escolher o caminho que melhor se ajustar aos seus anseios. O único perigo é tratar o tema pelo viés da banalização, pois aí corremos o risco de retroceder aos tempos em que o homem matava a mulher em defesa da honra, e pais espancavam filhos em nome do pátrio poder.
Carlos Augusto Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba
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A CONDUTA E O DIREITO PENAL
STJ muda entendimento sobre falsa identidade *Jônatas Pirkiel
Até o recentemente julgamento do STJ, a jurisprudência que era quase que pacífica no sentido de entender que o uso de falsa identidade não caracterizava o delito do artigo 307, do Código Penal, sob o fundamento de que ninguém pode fazer prova contra si, constituindo-se em auto defesa ou mesmo em ausência de dolo. Porém, depois que um réu foi condenado em Campinas (SP) por tráfico de drogas e falsa identidade tendo o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmado a decisão sob o entendimento de que: “… “não é possível falar em autodefesa ou mesmo eu ausência de dolo. Ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, ou seja, o acusado pode silenciar sem ônus algum, mas isso não implica permissão para praticar crimes”, mudou de ótica. Ao negar o Habeas Corpus em favor do condenado, o STJ, pelo voto do ministro Sebastião Reis Júnior, que, mesmo entendendo que a jurisprudência da Corte havia se consolidado no sentido de considerar atípica a conduta da pessoa que, perante autoridade policial, atribui falsa identidade a si mesma, como conseqüência do desdobramento do direito ao silêncio, decidiu, inclusive com precedente do STF, submetido à repercussão geral, que: “…O princípio constitucional da autodefesa não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes” (Acórdão do STF no Recurso Extraordinário 640.139). O ministro relator citou também precedente do próprio STJ (HC 151.866), em que o relator, ministro Jorge Mussi, defendeu o alinhamento com a nova posição do STF, ainda que ela não tenha caráter vinculante: “…Não vejo sentido em decidir de forma contrária ao que já foi pacificado pelo Supremo”, destacou Sebastião Reis Júnior. Desta forma, a utilização de falsa identidade passa a constituir o tipo do artigo 307, do Código Penal, modificando o entendimento da Corte no sentido mais amplo da auto defesa.
* O autor é advogado criminalista (jonataspirkiel @terra.com.br)
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ESPAÇO LIVRE
Mais uma obrigação para os contribuintes
*Sergio André Rocha
Um dos reconhecidos problemas brasileiros no que se refere ao ambiente empresarial é a burocracia que cerca as empresas, especialmente no campo tributário. As estatísticas sobre este tema não são claras e não há dados empíricos que sejam reconhecidos de parte a parte como um espelho do custo das empresas com o atendimento da burocracia exigida pelo poder público. De toda forma, não pode haver dúvidas de que o empresário brasileiro tem enormes custos. As autoridades públicas se vangloriam da mudança de paradigmas com a implementação dos sistemas eletrônicos que lhes permitem realizar suas atividades de forma menos custosa. Contudo, o que acontece de fato não é a eliminação de despesas, mas a transferência para a iniciativa privada. Ou seja, a simplificação para a Fazenda significa complexidade para o contribuinte. A redução dos custos públicos representa um aumento dos custos privados. Foi nesse contexto adverso que a Lei nº 12.546/2011, criou “a obrigação de prestar informações para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior relativas às transações entre residentes ou domiciliados no país e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados”. Esta medida não se encontrava no texto original da Medida Provisória nº 540/2011, que deu origem a esta lei, e representará mais uma obrigação para as empresas em geral. Considerando a pequena repercussão dessa novidade, a impressão que temos é de que muitos não notaram esta obrigação, já que está escondida no meio de uma lei que trata de temas tão diversos como o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra) e a alíquota de IPI dos cigarros. Segundo o disposto na atual legislação, a prestação das informações será definida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior que também vai determinar quem estará obrigado a prestar tais dados. O que causa espanto, aqui, é que o governo federal não deixa claro como as empresas vão se beneficiar das informações prestadas ou para quê será utilizado o banco estatístico a ser criado. Além disso, esta lei não define nenhuma penalidade caso as informações não sejam prestadas. Apenas os que fornecerem os dados teriam acesso aos ainda obscuros benefícios do banco estatístico governamental sobre serviços e intangíveis. Enfim, diante da quantidade enorme de lacunas, caberá ao Ministério da Fazenda e ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior emitir normas complementares. Embora não se possa esclarecer muita coisa sobre a nova obrigação que se atribui aos contribuintes, é possível destacar alguns pontos. Primeiro, que o administrador, sempre ávido por informações e estatísticas, criou mais um dever instrumental burocrático para os contribuintes em geral, sem apresentar claramente qual sua finalidade e como isso reverterá em favor da sociedade. Segundo, que o governo está atento ao crescimento do comércio de serviços e intangíveis, facilmente identificável como um dos que mais crescem globalmente. Terceiro, que, considerando que esta nova regra tem o potencial de impactar as empresas em todos os seguimentos, e até mesmo pessoas físicas, que a previsão da nova regra passou despercebida, já que provocou praticamente nenhuma reação. Até que sejam editados os atos regulamentares, não há o que se fazer em relação a esta nova obrigação. Contudo, é hora de refletirmos se é mais uma obrigação formal o que o Brasil precisa para crescer, ou seja, se os fins estatísticos justificam os meios.
* O autor é sócio de Consultoria Tributária da Ernst & Young Terco.
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Justiça de paz: uma história com passado, presente… e futuro?
*Gabriel Frecceiro de Miranda Filho
O PASSADO DA JUSTIÇA DE PAZ A história da instituição da Justiça de Paz remonta ao período imperial e revela a importância do papel do Juiz de Paz, desde seus primórdios. Neste período, a Justiça de Paz integrava o Poder Judiciário e os Juízes de Paz eram eleitos pelos vereadores municipais, sendo-lhes atribuída função conciliatória, como preliminar à instauração da demanda, conforme artigos 161 e 162, da Constituição de 1824. No entanto, ao longo dos anos, a função foi perdendo a representatividade. Assim, no período republicano, o papel da Justiça de Paz foi reduzido, enquanto o Poder Judiciário crescia e se especializava. Tanto que a Constituição de 1891 nada dispôs sobre a Justiça de Paz, que foi mantida apenas em alguns Estados. á a Constituição de 1934 manteve a Justiça de Paz eletiva nos Estados, que poderia fixar-lhes a competência “com ressalva de recurso de suas decisões para a Justiça Comum” (artigo 104, §4°, CF/1934). Na Constituição de 1946, a Justiça de Paz passou de eletiva a temporária, com competência para habilitar e celebrar casamentos. A Constituição de 1967, alterada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, estabelecia, em seu art. 144, a Justiça de Paz temporária, concedendo atribuição judiciária de substituição, exceto para julgamentos finais e irrecorríveis. O Ato Institucional nº 11, de 14 de agosto de 1969, extinguiu a Justiça de Paz eletiva, nos termos do art. 4º e parágrafo único. A Emenda Constitucional nº 7, de 1977, restringiu a competência da Justiça de Paz à “habilitação e celebração de casamentos”. Em consonância com essa alteração constitucional, a Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN), definiu a investidura e a competência do Juiz de Paz. O PRESENTE DA JUSTIÇA DE PAZ A legislação vigente (Constituição Federal de 88), prevê a criação da Justiça de Paz remunerada e eletiva, com competência para a conciliação, conforme o disposto no Art. 98, inciso II. Duas Propostas de Emenda Constitucional foram apresentadas, a saber a PEC 96/1992 e a PEC 366/2005, sendo que até a presente data, o Congresso Nacional decidiu pela manutenção do texto constitucional de 88, permanecendo a Justiça de Paz com a mesma forma de investidura e competências. A Emenda Constitucional n° 45, de 2004, que implementou a reforma do Judiciário, manteve a competência da Justiça de Paz. Em que pesem os relevantes motivos ensejadores da reforma constitucional, com a mudança da forma de ingresso dos Juízes de Paz por concurso público no lugar da previsão de eleição, até a presente data nada restou decidido e a Justiça de Paz não foi implantada em nenhuma Unidade da Federação. Atualmente a Justiça de Paz não existe, mas apenas Juízes de Paz, que atuam no improviso e por dedicação de algumas pessoas abnegadas, e que têm dedicado seu tempo e esforço para manter em funcionamento este serviço essencial. O FUTURO DA JUSTIÇA DE PAZ Porém, o futuro é incerto, sendo possível que a Justiça de Paz seja extinta sem sequer ter sido criada, se não fizermos algo neste momento. Esta longa história de serviços prestados à comunidade, que remonta ao período imperial poderá deixar de existir ou passar a ter uma atribuição simbólica, se cruzarmos os braços e nos conformarmos com a situação atual. Peter Schwartz, em sua obra “A arte da visão de longo prazo”, ensina que o objetivo não é escolher um futuro preferido e esperar que ele aconteça, nem encontrar um futuro provável e apostar nele, mas tomar decisões estratégicas que sejam plausíveis para todos os futuros possíveis. Estamos diante de uma situação que exige um posicionamento, pois, para quem não sabe para onde vai, todos os ventos são contrários. O futuro da Justiça de Paz está diante de nós e se nos omitirmos, corremos o risco de nos próximos anos estudarmos a Justiça de Paz como uma história antiga e que deixou apenas lembranças. Vamos refletir e tomar as decisões necessárias. Entendo que a Justiça de Paz deve ser criada e instituída imediatamente, como corolário da Justiça. A Bíblia diz em Isaías 32:17: “E o efeito da justiça será paz, e a operação da justiça, repouso e segurança para sempre.” Fiquem em Paz
* O autor é Presidente da Associação dos Juízes de Paz do Estado do Paraná – AJPP, Servidor do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Pastor da Comunhão Cristã ABBA de Curitiba. ([email protected])
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PAINEL JURÍDICO
Prisão Superlotação e más condições de casa de albergue não justificam a concessão de prisão domiciliar a réu condenado que esteja cumprindo pena em regime aberto. O entendimento é da 5ª Turma do STJ.
Casamento O ECAD não pode cobrar direitos autorais das músicas tocadas em casamento, que é uma festa íntima e familiar na qual não existe intenção de lucro. O entendimento é do Juiz do 7º Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro, que condenou ainda o ECAD a devolver R$ 1.875 que havia sido cobrado de uma noiva, acrescidos de R$ 5 mil reais a título de indenização por danos morais.
Analogia O Juiz da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro decidiu, em caráter de liminar, que uma escola técnica do Rio de Janeiro não pode cobrar pela emissão de diploma e certificado de conclusão de curso. Na decisão, o juiz afirma que “a cobrança é vedada expressamente em portaria normativa editada pelo Ministério da Educação, que, embora se refira a ensino superior, aplica-se aos ensinos médio e fundamental por analogia”.
Sem fundos A emissão de cheque pós-datado, não compensado por falta de fundos, não pode ser considerado estelionato, salvo se ficar comprovado que houve má fé e intenção de cometer fraude. O entendimento é da 7ª Câmara Criminal do TJ do Rio Grande do Sul.
Real A Real Academia de Ciências Morais e Políticas da Espanha elegeu por unanimidade o jurista Paulo de Barros Carvalho como seu novo membro. O título é outorgado a intelectuais que se tenham distinguido no estudo de matérias inerentes a ciências morais e políticas por meio de publicações importantes e dedicação a atividades docentes.Paulo de Barros Carvalho é advogado, professor emérito e titular de Direito Tributário da PUC-SP e da USP.
Congresso Grandes juristas brasileiros participam nos dias 22 e 23 de março, em Curitiba, do II Congresso Ícones do Direito. Estão confirmadas as presenças do ministro José Augusto Delgado (STJ), Pablo Stolze (Bahia), Amilton Bueno de Carvalho (RS), Luiz Flávio Gomes (SP), Alexandre Mazza (SP), Roberto Bacellar (PR), Jorge de Oliveira Vargas (PR), Juliano Breda (secretário-geral da OAB Paraná) e outros expoentes do direito brasileiro. O evento será realizado no Centro de Convenções de Curitiba. Confira os valores e programação no site www. iconesdodireito.com.br
STF O atendimento telefônico ao público externo no STF será ampliado a partir de hoje. O serviço, disponível no período das 11h às 19h, passará a ser das 8h às 20h, por meio do telefone (61) 3217-3000.
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DIREITO SUMULAR Súmula n. 721 do STF – A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual.
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LIVRO DA SEMANA
Em Argumentando pelas Consequências no Direito Tributário, Tathiane dos Santos Piscitelli, doutora em Direito Econômico e Financeiro pela USP, investiga o conteúdo possível dos argumentos consequencialistas em matéria tributária, ou seja, daqueles argumentos que fundamentam as decisões judiciais tributárias, com foco nas consequências do julgado, tais como perda da arrecadação, impacto econômico etc. A obra tem 308 páginas e pode ser encontrada a um preço sugerido de R$ 87,00.
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Os acertos e desacertos da prática das concessões vêm formando um caldo de cultura relevante à compreensão do funcionamento jurídico da técnica concessória. (…) As abordagens dedicam-se a não apenas tentar decifrar a nova roupagem jurídica da concessão (comum) de serviços públicos, como também a interpretá-la à luz da realidade circundante. Problemas práticos serão focalizados e enfrentados, buscando-se indicar soluções harmonizadas com os novos tempos de concessão. Fernando Vernalha Guimarães — Concessão de Serviço Público — Editora Saraiva, São Paulo 2012
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COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA [email protected]
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