A CONDUTA E O DIREITO PENAL

Os deficientes visuais e as dificuldades do Processo Eletrônico

*Jônatas Pirkiel

Confesso que não sabia da existência de um juiz com deficiência visual na magistratura brasileira, o primeiro e único, sendo o segundo no mundo. Destacando-se que os advogados com este tipo de deficiência, o Brasil, aproximam-se dos 1800. Trata-se do desembargado Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, do nosso Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, que esteve com o presidente do Supremo Tribunal Federal para expor as dificuldades dos deficientes visuais no manuseio do “processo eletrônico”.
“…O desembargador preside a comissão do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), que tem por finalidade fazer o PJe acessível. Por esse meio, foi desenvolvido um sistema que viabiliza o acesso às pessoas com deficiência visual… A recomendação 27 do Conselho Nacional de Justiça, já em 2009, mesmo antes da implantação do processo eletrônico em 2011 (CNJ), já estabelecia a necessidade dos tribunais em priorizar os interesses das pessoas deficientes para tornar o Judiciário acessível.
Para o desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca: “…O PJe apresenta problemas, mas no que diz respeito às pessoas com deficiência ele é absolutamente hostil…as pessoas com deficiência visual ou mesmo física ou auditiva utilizam-se de programas de computador que possibilitam sua atuação. No caso dos cegos, há programas de voz que falam o que está na tela, e com isso eles podem trabalhar normalmente. O problema é que o sistema do processo eletrônico “trava” se o usuário estiver utilizando algum programa de assistência para pessoas com deficiência…”
Em 2006, Marques da Fonseca participou da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, também participou dos trabalhos no Congresso Nacional pela ratificação do tratado, incorporado como matéria constitucional pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Segundo o desembargador: “…É preciso que o CNJ atente para isso e dê cumprimento à Recomendação 27, para que se adapte e não crie um cenário de discriminação contra jurisdicionados e profissionais do direito…”.
O desembargador Marques da Fonseca “…estudou na faculdade de direito da Universidade de São Paulo (USP), onde também fez mestrado, e tem doutorado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em 1991, tomou posse como procurador do trabalho, aprovado em concurso público em sexto lugar. Foi empossado no TRT da 9ª Região em 2009, onde entrou pelo quinto constitucional…”.

* O autor é advogado criminalista (jô[email protected])


DIREITO E POLÍTICA

Anarquistas, graças a Deus!

Carlos Augusto Vieira da Costa

A  decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pela manutenção da liberdade dos 21 ativistas anteriormente presos sob a acusação de formação de quadrilha armada e participação em protestos violentos na cidade do Rio de Janeiro durante a realização da Copa do Mundo é um fato a ser celebrado, não tanto pela decisão em si, mas sim por representar a disposição do Poder Judiciário de enfrentar uma das mais visíveis contradições que ajudam a formar a idiossincrasia do nosso povo.
Estou me referindo à representação do brasileiro como um homem cordial, título de um capítulo de uma instigante obra da sociologia brasileira, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, que suscitou inúmeras leituras, sem contudo conseguir se definir como uma qualidade ou de um defeito.
De minha parte, tal como Sérgio, penso que a cordialidade não deve ser vista sob a perspectiva maniqueísta da virtude ou do pecado, até porque tudo que nos forma e nos define sempre transita entre esses dois vieses: o bem e o mal.  
O fato, porém, é que sempre ouvimos que o brasileiro é muito passivo, que não gosta de protestar, e que come tudo com farinha; diferentemente, por exemplo, dos nossos hermanos, que por qualquer dá cá essa palha já organizam um panelaço na Plaza de  Mayo.
Mas quando finalmente resolvemos sair às ruas para destilar nossa indignação contra tudo e contra todos que representam a corrupção e os desmandos,  passamos a ser tachados de baderneiros, violentos e tudo mais, especialmente a turma do Black Bloc, que com suas táticas de inspiração anarquista e suas vestes pretas conseguiram produzir o combustível mais elementar e  essencial para produzir mudanças: o medo.
Por isso, pensando melhor, a libertação de Elisa Quadro, a Sininho, e seus parceiros baderneiros talvez realmente mereça ser celebrada por si mesma. Afinal, em  um país onde costumamos sentir medo da violência de bandidos e marginais, sentir medo de jovens anarquistas pode significar um alento.

* Carlos Augusto Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba

 


ESPAÇO LIVRE

Justiça eleitoral deve coibir abuso do poder religioso

*Auracyr Azevedo de Moura Cordeiro

Uma das mais caras missões da Justiça Eleitoral é a de diminuir as desigualdades entre os candidatos. O artigo 237 do Código Eleitoral expressamente prevê a punição da interferência do poder econômico e desvio ou abuso de poder de autoridade. O interesse tutelado, aí, é a liberdade de voto.
A literatura especializada passou a ver no texto apenas o abuso do poder econômico e o da autoridade política, ambos em sentido estrito: gastança provada e uso de cargo público em favor de um candidato. Os tribunais seguiram a toada, de limitação evidente.
O passar do tempo e inexplicável crise do laicismo extroverteram outro grande abuso, o discurso religioso como estribo para a conquista do poder estatal. É prática vista no Brasil todo, município por município, bairro por bairro, e atinge tanto os cargos legislativos como os executivos.
É hora de frear esse lamentável excesso.
Desde a proclamação (quase 140 anos atrás) a Constituição da República veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios manter com igrejas “ou seus representantes, relações de dependência ou aliança”. É regra de proibição, dirigida aos três Poderes, separando o laico do sagrado. Enquanto bispos, padres e rabinos são representantes de igrejas e deveriam pensar a fé, senadores, deputados e vereadores são agentes públicos, detendo parcelas dos poderes da República com o fito de dirigir o país. Então não é dado confundir a missão de servir ao Estado com o pastoreio religioso, nem lícito pretender pastorear o Estado.
A necessidade de coibir esse abuso é premente. Não se trata de vetar o representante de uma igreja de ponderar a uma ou outra pessoa, fiel ou não à confissão que adote, as qualidades de determinado candidato a cargo eletivo. Isso não é abuso. Mas é abuso manejar as igrejas como escada para vencer eleições, e por elas tornar-se agente público.

Partidos religiosos são sabidamente inconstitucionais, sejam islâmicos, cristãos, judaicos ou budistas. Todos fingem não ver o inegável abuso de candidatos que se dizem representantes desta ou aquela igreja, ou delas recebem o custeio da campanha, ou ainda, dos que usam o título “pastor”, “padre” ou “bispo”. Essas distinções próprias de autoridades religiosas são absolutamente incompatíveis com a disputa de cargos eletivos públicos, e podem e devem ser coibidas pela Justiça Eleitoral.
O absolutismo da imposição religiosa sempre encontrou limites na atuação do Estado-Juiz, mesmo diante de fatos simples da vida de relação. Os exemplos são muitos, e entre eles estão conflitos decorrentes de (1) recusa de médicos e hospitais a pedidos de certos evangélicos para realização de cirurgias sem transfusão de sangue (Tribunal de Justiça de São Paulo, Caso Ferraz x Omega Saúde), (2) concorrente a emprego público pedir data especial para a prova, por não fazer nada nos dias de sábado (Tribunal de Justiça do Maranhão, Caso Evandro x SEMAD), (3) barulho excessivo de grupo umbandista (Tribunal de Justiça de São Paulo. Caso Ilê Asé Aua Abaluaye Sapatá).
É hora de os tribunais eleitorais, mormente o Superior, confirmarem a exceção: o poder temporal não é da religião. Não basta a lei eleitoral proibir a propaganda política em templos ou multar o candidato que neles discursa (TSE, caso Serra, Representação 1722-17, relator Joelson), ou ainda aceitar filme como prova de ilícito eleitoral (candidato entregando cheque a pastor, durante culto – TRE-PR, Caso Mainardes, Recurso 3121, Auracyr). Às vezes é preciso punir, como em outra esfera fez o juiz Barcellos, da 13ª Vara Pública do Rio de Janeiro: em processo de desfecho não noticiado, levou em conta o laicismo e suspendeu por cinco anos os direitos políticos do ex-prefeito César Maia, por construir uma igreja católica no bairro de Santa Cruz, mandando-o devolver o dinheiro público gasto na obra (Conjur, 06.06.2012).
Pioneiro, já em 2007, o Tribunal Eleitoral de Santa Catarina declarou que “o atrelamento de pedidos de votos a crenças e práticas religiosas pode configurar abuso se houver influência indevida na liberdade de escolha do eleitor, o que demanda apuração própria que, no caso, não foi pedida” (Representação 2458, relator desembargador Eleitoral Vicari). Em Minas Gerais, o Tribunal Eleitoral reconheceu abuso de poder político por prefeito, pretendente à reeleição, no uso da comunicação social, mormente porque “vinculação dos candidatos à Bíblia, principalmente evangélicos, tem grande potencialidade para interferir no momento do voto” (Caso Athos, prefeito de Montes Claros, relatado pelo desembargador Eleitoral Romanelli).
Essa miudeza jurisprudencial representa pouco, muito pouco. Necessário à harmonia social, o limitado direito de pregar não se confunde com o direito fundamental à liberdade de crer ou não crer. Entre os limites da pregação está a porteira eleitoral. Fujamos do terrível teocentrismo – basta o Irã. Fiquem os religiosos da cancela para lá, cuidando de seus rebanhos. O lado de cá, o lado estatal, é, graças ao bom Deus, laico.

*O autor é advogado em Curitiba, e integrou o TRE, no cargo de jurista, por quatro mandatos. Professor da UniCuritiba, por 23 anos. Foi conselheiro da OAB-PR por vários mandatos.

 


DESTAQUE

Decisão do TJPR desobriga construtora de devolver comissão de corretagem ao comprador

Uma decisão inédita do Tribunal de Justiça do Paraná deu ganho de causa a uma construtora em recurso de apelação interposto em ação de devolução do valor de comissão de corretagem cobrada em decorrência de contrato de promessa de compra e venda de imóvel. A decisão, que reformou a sentença de primeiro grau, foi lavrada pelo Desembargador Ruy Muggiati, da 11ª Câmara Cível do TJ do Paraná, relator do processo.
De acordo com o advogado do escritório Santos Silveiro, Antônio Augusto Harres Rosa, que representou a construtora na ação, a decisão deve gerar uma reviravolta no andamento das inúmeras ações sobre a matéria. “Por se tratar de decisão hierarquicamente superior, acreditamos que isso vai influenciar no entendimento de juízes dos Juizados Especiais Cíveis, que vinham decidindo, em sua maioria, pela ilegalidade de tal cobrança”, analisa.

Na ação em questão, os adquirentes requeriam a devolução dos valores pagos pela comissão de corretagem sob o argumento de que não haviam contratado um corretor de imóveis para auxiliá-los na compra, visto que foram atendidos por pessoas que se encontravam no próprio plantão de vendas da construtora. Ainda, alegaram que só tiveram o conhecimento deste pagamento depois da celebração do contrato, sendo compelidos a cumprir as obrigações contratadas sob pena de não-realização do negócio.
Entretanto, os documentos anexados ao processo demonstraram que os clientes já tinham prévio conhecimento do valor total a ser desembolsado, o qual foi rigorosamente mantido na contratação final, não havendo quaisquer ônus aos clientes. Conforme trecho da decisão: “Independentemente do pagamento da comissão de corretagem, os valores propostos pelos clientes foram aceitos e observados pela Construtora. Vai daí se afirmar que não houve prejuízo a eles, já que não tiveram que arcar com nenhum valor excedente ao que haviam proposto”.
O acórdão diz ainda: “Pelo contrário, houve apenas um repasse direto pela Construtora – do cliente ao intermediador imobiliário – dos valores que ela própria arcou, já que são deduzidos da quantia total que receberia pela venda do imóvel. Isso significa dizer que não há onerosidade ao cliente, uma vez que a Construtora dispôs de uma parte do valor que tinha a receber, pela venda do imóvel, para pagamento dos corretores que a auxiliam”.


PAINEL JURÍDICO

Custas
O TRF 4ª Região lançou ontem (12/8) o primeiro sistema nacional eletrônico de pagamento de custas judiciais, que passa a operar dentro do eproc, o processo eletrônico da Justiça Federal. Agora, a Guia de Recolhimento da União (GRU) eletrônica será a única forma de pagamento de custas para procesos eletrônicos na 4ª Região. Os advogados não precisam mais anexar a GRU aos autos. Basta efetuar o pagamento, no guichê ou na internet, e a comprovação é automática no eproc.

Intervenção
Município que promove intervenção em hospital particular para garantir a continuidade do atendimento à população não deve responder por dívida trabalhista da empresa. O entendimento é do ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, da 8ª TST.

Vale-transporte
Embora seja proibido substituir o Vale-transporte por dinheiro, o seu pagamento em espécie não tem natureza salarial. O entendimento é da a 4ª Turma do TRT da 3ª Região.

Crime
É crime, tipificado no artigo 307 do CP, entregar falsa identidade à autoridade policial com objetivo de ocultar maus antecedentes. O entendimento é do 3ª Grupo Criminal do TJ do Rio Grande do Sul.

Galho
Prefeitura deve indenizar por danos materiais um casal que teve seu veículo atingido pela queda de uma árvore que não estava em bom estado. O entendimento é da 2ª Câmara de Direito Público do TJ de São Paulo.

Homenagem
O advogado Alfredo de Assis Gonçalves Neto receberá a medalha Vieira Neto, maior homenagem a personalidades jurídicas do Paraná concedida pela OAB-PR. A solenidade será na abertura da V Conferência Estadual dos Advogados, hoje, 3 de agosto, no Centro de Convenções da Fiep.

Ponto
A falta de assinatura do empregado no cartão de ponto não é suficiente para considera-lo inválido. O entendimento é da 6ª Turma do TST.

Honorários
A Defensoria Pública da União não deve receber honorários quando atuar contra ente público. O entendimento é da 2ª Turma do STJ.

 

LIVRO DA SEMANA

Contabilidade Aplicada ao Direito, lançamento da Editora Saraiva, apresenta um conhecimento interdisciplinar que ultrapassa as fronteiras de um livro de contabilidade ou de contabilidade para não contadores.
Atentos às mudanças ocorridas a partir de 2008, com a promulgação da Lei n. 11.638, de 2007, e a decorrente implementação dos International Financial Reporting Standarts – IFRS, Edilson Carlos Fernandes e Arthur Ridolfo Neto ressaltam a importância das demonstrações contábeis na atualidade para o Direito.
O livro constitui uma importante leitura para todo aquele que pretende avaliar, elaborar estratégias e executar tomadas de decisão nas áreas de Direito Societário, Contratual e Tributário.

Edilson Carlos Fernandes e Arthur Ridolfo Neto — Contabilidade Aplicada Ao Direito — Editora Saraiva, São Paulo2014

COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA
[email protected]