Direito e política

Uma guerra de contradições

* Carlos Augusto Vieira da Costa

As manifestações em todo o mundo contra os recentes atentados ocorridos na França não deixam dúvidas sobre o nível da barbárie. Todavia, não se pode permitir que a perplexidade turve a visão do problema, que é muito mais complexo do que pode parecer. O Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo, com seus valores morais, ajudaram a forjar a civilização da forma como a conhecemos, e certamente não teríamos percorrido e avançado o processo histórico não fossem as escrituras sagradas. Portanto, não faz sentido culpar uma religião por atentados terroristas, mesmo que esses sejam perpetrados em nome de profetas ou santidades.

Na verdade, a corda entre o ocidente e o Islã foi esticada muito mais pelas contradições e equívocos do nosso lado do que propriamente pelo fundamentalismo, e para se chegar a essa conclusão basta dar uma rápida olhada para trás.

A presença dos EUA no Oriente Médio por conta das vastas reservas petrolíferas é certamente o fator primordial para a exacerbação dessa tensão, especialmente em razão das tentativas de intervenção nos sistemas teocráticos que caracterizam os países de maioria mulçumana, o que, aliás, nem sempre é feito de maneira pacífica e democrática.

A invasão do Iraque pelos EUA, mesmo contra decisão do Conselho de Segurança da ONU, é o maior exemplo disto, e adquire contornos ainda mais dramáticos quando lembramos que as alegadas armas de destruição em massa eram uma farsa e que Saddam Hussein, um representante da minoria Sunita daquele país, foi inicialmente financiado pelos próprios americanos para se confrontar com o Irã, numa guerra fratricida que durou quase uma década e resultou na perde de mais de um milhão e meio de vidas humanas.

Osama Bin Laden, pasmem, foi recrutado e treinado pela CIA para combater os Russos no Afeganistão e somente depois usou o que aprendeu para organizar e comandar o maior atentado terrorista da história em território americano.

E mesmo a França, que se vangloria de ser o país da liberdade, da igualdade e da fraternidade, e que condenou o ataque ao semanário Cherlie Hebdo como um atentado à liberdade de expressão, em 2010 proibiu meninas mulçumanas de usarem véu nas escolas, como se este não fosse uma típica manifestação da sua cultura.

Portanto, combater o terrorismo é imperioso, mas apenas isto não basta. O mais importante é resolver a tensão entre as partes, até porque uma pequena parte de ambos os lados sempre lucra com a guerra.

* Carlos Augusto Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba


A Conduta e o direito penal

Competência da Justiça Comum

*Jônatas Pirkiel

A Via de regra, os crimes cometidos por militares contra civis, no exercício da função são julgados pela Justiça Militar, mais precisamente pelas Auditorias da Justiça Militar, nos Estados. Porém, em decisão do final do ano passado, a Terceira Seção, do Superior Tribunal de Justiça, tomou importante decisão que permite pacificar o entendimento desta questão.

Decidiu aquela Corte de Justiça que …Em caso de fundada dúvida sobre a presença do elemento subjetivo do homicídio (dolo) na conduta de militar que, no desempenho de suas atividades, atira contra civil, a competência será da Justiça comum, ou seja, do tribunal do júri…. O entendimento decorreu do julgamento de um caso em Minas Gerais, onde o policial militar durante operação policial atirou contra o carro de um civil e depois o agrediu.

A exemplo do que ocorreu na semana passada em Curitiba, em caso idêntico, …a vítima estava conduzindo seu veículo quando ouviu o policial dando ordem para parar. Como havia um veículo em sua retaguarda, deu seta, mas não teve como parar de imediato. Então, ouviu o disparo feito pelo policial e, assim que parou o carro, foi agredida por ele com chutes e tapas. O projétil acercou a região frontal do veículo, próxima do capô…

No caso decidido pelo STJ, …o policial foi acusado de tentativa de homicídio, crime de competência do tribunal do júri, e por isso a Justiça Militar remeteu o processo à Justiça comum. Nesta última, o Ministério Público manifestou-se pela devolução do caso à Justiça especializada por entender que não havia base para a acusação de tentativa de homicídio (o inquérito militar apontou os crimes de lesão corporal, falsidade ideológica, dano qualificado pela violência, prevaricação e disparo de arma de fogo)….

O conflito de competência acabou por Sr julgado pelo superior Tribunal de Justiça que, no entendimento do desembargador convocado Ericson Maranho: …para a solução do conflito, é necessário identificar o elemento subjetivo da conduta do militar. Se presente o elemento subjetivo do homicídio (dolo), a competência será do juízo comum, caso contrário, o juízo militar será o competente….

* O autor é advogado na área criminal ([email protected])


Saber direito

Bartolismo

*Roberto Victor Pereira Ribeiro

Bartolo de Sassoferrato respirou o primeiro oxigênio extrauterino no ano de 1313 no antigo país da bota, a profícua Itália.

Este cidadão, ao qual muitos talvez nunca tenham ouvido falar, muito menos conheçam sua biografia, foi o maior jurista de todos os tempos do mundo. Sua fama foi tanta que os filólogos amantes do vernáculo nascido no Lácio, os latinistas, cunharam o seguinte brocardo: nemo bonus iurista nisi bartolista, ou seja, ninguém pode ser considerado um bom jurista se não acolher ou for seguidor de Bartolo.

A história de sua vida irradia um pulcro paradigma de vida, sustentada pelo tripé Direito, Magistério e Caridade. Foi viandante por toda a bucólica Itália de outrora. Conquistou o diploma de Direito na vetusta Universidade de Bolonha, uma vez que só faltava realmente a colação deste grau de ensino superior para seu zênite profissional, já que o mesmo ab initio exalava conhecimento jurídico pelos poros.

Hodiernamente, ainda existe na cidade de Pisa, no setentrião da Toscana, ícones e monumentos homenageando o célebre giurista. Sua fama se agigantou com o seu fenecimento precoce. Tinha apenas 44 (quarenta e quatro) anos quando foi lecionar e organizar outros mundos. Os seus epígonos eram tão inflamados pelo conhecimento bartolista que em certa época na Europa o nome de Bartolo foi comparado com Homero, Virgílio e Cícero, três dos maiores ícones da antiguidade.

No século XV nas universidades de Pádua, Turim e Bolonha foram instituídas no curso de Jurisprudentia, isto é, Direito, uma cátedra só para estudo e análise de suas obras e pareceres. O sucesso desse ensino foi tanto que a ideia empós foi disseminada para as universidades de Peruggia, Masserata e Nápoles.

Sua história atravessou o oceano e veio aportar em plagas brasileiras conforme informa Manuel Jesus García Garrido, um de seus melhores biógrafos: Na Espanha, uma lei promulgada por Juan II e em Portugal por Afonso VI, depois ratificada por Dom Manuel em 1495, estabeleceu que em casos de dúvidas e opiniões contraditórias de juízes, deve sempre prevalecer, o princípio da opinião exposta por Bartolo. Essa regra foi importada para o Brasil através das Ordenações Filipinas em 1603.

O caráter original e inovador de suas ideias foram julgados com base nas interpretações metodológicas e nos seus comentários legais acerca de leis e tratados jurídicos, sem contar, é claro, com suas brilhantes lições em Direito Público e Privado.

Sua maior obra atende pelo primoroso e prolífico estudo sobre o clássico Corpus Iuris Civiles, tratado magnânimo do Direito em todos os tempos. Suas teses, seus ensinos, sua maneira de viver voltada para o ser humano e para os desamparados ressoam até hoje nos dias nublados do século XXI. Eis um justo e merecido panegírico a Bartolo de Sassoferrato.

*O autor é advogado, escritor e professor, assessor jurídico da Procuradoria-Geral de Justiça – CE, membro-diretor da Academia Cearense de Letras Jurídicas e pres. do conselho editorial da Revista DireitoCE Doutrina [email protected]


PAINEL

Tratamento
Morador de rua alcoólatra pode ser internado compulsoriamente, pois coloca em risco própria vida ao recusar o tratamento. O entendimento é do desembargador  Orloff Neves da Rocha, do TJ de Goiás.

Tráfico I
Transporte de remédios proibidos e em grande quantidade é considerado tráfico de entorpecentes e não falsificação de medicamentos. O entendimento é da 1ª Câmara Criminal do TJ de Minas Gerais.

Tráfico II
Condenados por crime associado ao tráfico de drogas não têm direito a indulto natalino. O entendimento é da 2ª Turma Criminal do TJ do Distrito Federal.

Auxílio
Trabalhador que pede demissão não tem direito a estender auxílio-doença (manter seus direitos aos benefícios previdenciários mesmo sem contribuir). O entendimento é da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.

Concorrência I
A imitação de marca registrada deve ser reconhecida como concorrência desleal, ainda que haja distância entre as duas empresas. O entendimento é da 5ª Câmara Cível do TJ do Rio Grande do Sul.

Concorrência II
Usar as mesmas cores em lata de cerveja não é concorrência desleal, pois as cores das embalagens são elementos neutros no marketing das empresas. O entendimento é da 3ª Turma do STJ.

Parcelamento
O parcelamento suspende a execução da dívida tributária. O entendimento é da 5ª Turma do TRF da 1ª Região.

Prisão
A prisão preventiva não pode ser decretada somente porque o suspeito se encontra em lugar incerto e não sabido. O entendimento é do TRF da 3ª Região.


 Espaço Livre

Quais bens podem ser leiloados em pregões públicos

*Helcio Kronberg

Os leilões são bastante tradicionais no Brasil e a legislação que fala sobre leiloeiros data de 1932, praticamente sem nenhum tipo de atualização. A atividade de leiloaria é anterior a sua legislação. E já na época da escravidão se tem notícias sobre leilões de mercadorias provindas de navios negreiros pelas mãos de leiloeiros públicos. Portanto, a atividade existe há mais de 200 anos.

No entanto, na atualidade, quando se ouve falar de leilões normalmente remetemos a leilões judiciais. Toda vez que o termo leilão for verificado, é preciso entender que é um termo genérico, já que foi implantado a partir da Lei de Execução Fiscal.

Antigamente havia duas terminologias para a atividade: hastas públicas e praciamento de bens. A hasta era conhecida pela venda de bens móveis e o praciamento pela venda dos bens imóveis. Com a Lei de Execução Fiscal as expressões caíram em desuso e passamos a utilizar o termo leilão para todas as atividades.

Todo e qualquer bem pode ser levado a leilão. Em um processo, quando há penhora de bens, todo e qualquer direito também pode ser penhorado. Mesmo quando as pessoas vendem um bem com usufruto, por ser um bem real, é passível de penhora. Há situações em que é possível leiloar o usufruto.

Além do usufruto, qualquer bem pode ser vendido, tais como bens móveis, bens tangíveis, marcas, patentes e bens intangíveis. É necessário estar atento aos editais de cada leilão para ver que espécie de bens serão vendidos em cada pregão.

Existem algumas condições do direito brasileiro que não permitem que sejam penhoradas, como partes do corpo. No entanto, é possível penhorar uma prótese.

*O autor é leiloeiro público oficial pela Junta Comercial do Estado do Paraná e leiloeiro rural pela Federação de Agricultura e Pecuária do Paraná. Mais informações: www.kronberg.com.br.


Da incidência do Imposto de Renda sobre a integralização de bem imóvel ao capital social da sociedade empresária

*Julian Tourinho Orué

Sobre o tema, trata o art. 23, da Lei nº 9.249/95:

Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.

Assim, a pessoa física deverá lançar, na declaração correspondente ao exercício em que efetuou a transferência, as ações ou quotas subscritas que correspondam aos bens imóveis transferidos.

Caso a transferência dos bens tenha sido efetuada pelo mesmo valor constante na Declaração de Bens e direitos não haverá incidência. Caso haja diferença a maior, este montante será tributável como ganho de capital.

Para além da letra da lei, a análise sistêmica demonstra que a redação conflita com o disposto no art. 43, do Código Tributário Nacional, que estabelece como fato gerador do imposto de renda, a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de provento de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Da dicção, vê-se que a integralização de bens imóveis à sociedade empresária não se coaduna com a tipificação estabelecida no CTN, norma hierarquicamente superior àquela inicialmente referidas.

Em rigor, a integralização (transferência do imóvel) não constitui alienação tal como fato gerador de imposto de renda sobre lucro imobiliário. Ocorre que o sócio (alienante), mediante a integralização do bem, transformou-o em quotas sociais. Ou seja, não há acréscimo patrimonial, mas, tão somente, transmutação do valor do bem imóvel em si considerado em ações correspondentes.

Dado o cenário, a discussão da incidência ou não do imposto de renda continua em grande destaque nos tribunais, que ainda não se posicionaram de forma pacífica sobre o tema.

*O autor é advogado, integrante do escritório Victor Marins Advogados Associadostigo 37, caput, da Constituição Federal.


Direito sumular

Súmula nº 475 do STJ- Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas.


Jurisprudência

Fato posterior a denuncia não pode ser utilizado como circunstância judicial desfavorável

Os antecedentes do agente, enquanto circunstância judicial desfavorável, não podem estar fundamentados em condenação por fato posterior ao descrito na denúncia. O afastamento de qualificadora do homicídio impede que os fatos que a embasavam sejam utilizados, na sentença condenatória, para agravar a pena. A diminuição relativa ao crime tentado deve levar em consideração o iter criminis percorrido pelo agente, que, no caso em espécie, embora tenha desferido disparos de arma de fogo contra a vítima, não a atingiu, o que justifica a incidência da fração máxima prevista na lei.

Decisão da 1ª Câmara Criminal  do TJ/PR. AC n. 1246707-5 (fonte TJ/PR)


 

LIVRO DA SEMANA

Dentre as inúmeras questões abordadas neste trabalho, destacam-se: contextualização da negociação no direito brasileiro e alternativas para a resolução de conflitos; técnicas e estratégias para negociações integrativas e distributivas; elementos, dimensões, etapas, mitos e tensões fundamentais do processo de negociação; negociação no mundo jurídico e o papel do advogado; táticas pesadas de negociação e seus andídotos; e o peso das emoções e sua gestão eficaz na prática negocial.

Essa obra faz parte do Eixo Resolução de Conflitos, da Série GVlaw, resultado da parceria entre a Editora Saraiva e o Direito GV. Os livros da série são escritos a partir dos cursos promovidos pela instituição, e os temas apresentados são ancorados em pesquisas jurídicas, permitindo a independência do livro em relação aos cursos.

Fundamentos da negociação para o ambiente jurídico
Série GVlaw – Eixo Resolução de Conflitos
Coordenadora: Alessandra Nascimento S. F. Mourão
Editora Saraiva, 2014, 1.ª edição, brochura, 224 páginas, R$ 54,00 – ISBN: 978-85-02-22028-7

  

COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA
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