DIREITO E POLÍTICA
Entre anjos e demônios
Carlos Augusto Vieira da Costa
Na semana passada tomou posse em Brasília a Comissão da Verdade, colegiado instituído por lei para apurar violações dos direitos humanos ocorridas durante o período de exceção que vigorou no país entre 1964 e 1985. A importância do acontecimento pode ser medida pela foto histórica que ilustrou as manchetes dos noticiários pelo Brasil a fora, atestando a presença de todos os 5 ocupantes do cargo máximo da República no evento.
Todavia, a despeito do significado do fato, seus integrantes já começaram trocando os pés pelas mãos, numa discussão extemporânea e inadequada sobre o alcance da Comissão ou, mais precisamente, se ela deve se limitar às violações praticadas pelos agentes do Estado, ou investigar também possíveis excessos cometidos pelos participantes da resistência armada contra a ditadura.
Ora. Acachapante tolice. Qualquer um com experiência pouco além da adolescência já aprendeu com a vida que a verdade sempre tem pelo menos dois lados, e que para se chegar no seu âmago é imprescindível mapear todas as suas faces.
Portanto, dizer, como disse o pesquisador Paulo Sérgio Pinheiro, membro da comissão, que os trabalhos devem se restringir apenas aos atos cometidos pelas forças de repressão, é o mesmo que firmar o compromisso com a meia verdade. É evidente que a covardia dos agentes públicos envolvidos no episodia foi estratosfericamente maior que qualquer excesso eventualmente praticado por um guerrilheiro recém saído da puberdade, com nenhuma ou muito pouca experiência com a violência; da mesma forma que é lógico que o dever do Estado, com todos os seus recursos materiais e humanos, no caso, seria preservar a ordem, mesmo que fosse uma ordem golpista, dentro das regras legais em vigor, que não previam prisões clandestinas, tortura ou assassinatos sumários. Portanto, é natural que torturadores a assassinos, atualmente cidadãos provavelmente irascíveis e carrancudos, estejam, hoje, de pelos eriçados frente a possibilidade de, a qualquer momento, ver seus nomes tornados públicos por conta dos crimes praticados, quando então seus filhos, netos e vizinhos possam talvez entender o por quê de tanta amargura.
Todavia, a despeito da grandeza das maldades cometidas, não seria admissível lhes negar o mais elementar direito de dizerem suas verdades, ou seja, os motivos pelos quais praticaram tais barbaridades, que serão fundamentais não apenas para esclarecermos os fatos, mas também pra aprendermos mais sobre os demônios que habitam as nossas almas.
Assim, que os nossos ilustres membros da Comissão da Verdade não percam tempo com discussões assertivas sobre pontos de vista divergentes, pois o trabalho que os espera é hercúleo, e demandará energia para além da conta. E mais que isto, que estejam abertos para tudo, pois a verdade é fundamental, mas apenas a Justiça redime a maldade.
Carlos Augusto Vieira da Costa
Procurador do Município de Curitiba
A CONDUTA E O DIREITO PENAL
A “Comissão da Verdade” e a conduta humana
*Jônatas Pirkiel
Porque tratamos em nossos comentários da “conduta humana” à luz do direito penal, é que não poderíamos deixar de fazer uma rápida análise da “Comissão Nacional da Verdade”, instituída pela Lei no. 12.528, sancionada pela Presidente (presidenta como gosta de ser chamada) da República, no dia 18 de novembro de 2011, composta por sete membros, todos nomeados pela Presidenta e que tem por objetivo investigar violações dos direitos humanos ocorridas nos anos de 1.946 a 1.988. Também estará dentro da competência desta comissão, que funcionará durante dois anos e ao final elaborará um relatório que será entregue à Presidenta, podendo ou não ser integralmente publicado, terá reuniões que poderão ou não ser todas públicas, a identificação de locais, estruturas, instituições e circunstâncias relacionadas à prática de violações de direitos humanos e também ramificações na sociedade e nos aparelhos estatais.
A comissão teve os seus membros empossados no último dia 16 de maio, da qual fazem parte: Cláudio Fonteles, ex-procurador-geral da República, Gilson Dipp, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, José Paulo Cavalcante Filho, advogado, Maria Rita Kehl, psicanalista, Paulo Sérgio Pinheiro, diplomata e professor da Universidade de São Paulo, e Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada criminalista.
Diz o artigo 1º., da lei: “…Art. 1o É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional…”.
Entre outras disposições da Lei, encontra-se: “…As atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório…As atividades desenvolvidas pela Comissão Nacional da Verdade serão públicas, exceto nos casos em que, a seu critério, a manutenção de sigilo seja relevante para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de pessoas. Os membros da Comissão Nacional da Verdade perceberão o valor mensal de R$ 11.179,36 (onze mil, cento e setenta e nove reais e trinta e seis centavos) pelos serviços prestados. Além da remuneração prevista neste artigo, os membros da Comissão receberão passagens e diárias para atender aos deslocamentos, em razão do serviço, que exijam viagem para fora do local de domicílio…”.
Não podemos deixar de lembrar aqui que as violações de direitos humanos que serão objeto desta comissão são os de ordem política, pois todos os dias em nosso país ocorrem violações de direitos humanos no âmbito da ação dos órgãos públicos, da polícia e da própria Justiça!
* O autor é advogado criminalista ([email protected])
SABER DIREITO
Jurista humano
*Roberto Victor Pereira Ribeiro
Em ares de recência o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Resolução nº. 75, reestruturando, assim, as regras dos certames públicos para cargos jurídicos. A novidade da supracitada resolução é a inclusão de matérias humanísticas nas provas, com o fito de buscar do candidato a visão que o mesmo tem do mundo e da profissão que irá desempenhar perante a sociedade.
Nós, juristas, não podemos olvidar que as relações humanas permeiam nosso labor diuturnamente e que as normas jurídicas habitam em nosso universo com harmonia e serenidade sem, para tanto, deixar de nos colocar pensativos e reflexivos sobre as suas vertentes, a forma em que se irradia e suas aplicações nos casos concretos. Daí a necessidade de sermos, antes de juristas, humanos. Por isso, devemos hastear as sábias palavras de Enrico Ferri: “só obedecendo a Lei se conserva, firmemente, o fundamento da nossa vida social”. Em nosso entendimento, só se obedece a lei com o carinho e o respeito que ela merece, quando entendemos o cerne de sua existência e a sua utilidade social. Portanto, somos nós, os juristas e cientistas jurídicos, os primeiros responsáveis por interpretá-las e apresentá-las à sociedade. Normalmente, a lei é fria, seca e sem amabilidade, já a visão que os juristas refletem delas é viva, perene e confortadora.
Os juristas, como tradutores das leis, não podem se debruçar simplesmente sobre a letra morta da lei. É-nos devido a conduta de buscar sempre as finalidades e os reais objetivos daquela redação legal e depois demonstrá-la à sociedade como instrumento necessário de convivência humana.
O vocábulo “jurista” é proveniente do termo giurista, verbete italiano para sinalizar aquele que labora com o Direito para facilitar a pacificação social.
Por isso, faz-se mister, congratular o Conselho Nacional de Justiça por tão acertada diretriz. A Resolução 75 vem aplacar e amortecer as inquietudes dos atuais paladinos da justiça e da igualdade que, até então, não encontravam guarida, precisando, para tanto, abandonar-se em letras e letras de diplomas e mais diplomas legais. Hodiernamente, não se exige apenas o conhecimento das leis, mas sobretudo o conhecimento do ser humano e da vida em sociedade. Se para o médico é necessário o conhecimento para diagnosticar e tratar as doenças do homem, para o cientista jurídico é necessário o conhecimento humanístico para visualizar e remediar os desajustes sociais.
Celebremos sempre a figura de Anatole France quando ele assevera: “A lei é morta; o jurista é vivo. Nisto está a grande vantagem dele sobre ela”.
* O autor é advogado do Ribeiro Advocacia & Advogados Associados e escritor da Academia Brasileira de Direito
DESTAQUE
Edifícios inacabados podem ter obras retomadas por iniciativa dos compradores
Elas fazem parte da paisagem urbana das principais metrópoles do país, ainda que possam passar despercebidas ante a grande quantidade de edifícios. A prefeitura de Curitiba não tem o cadastro completo das obras inacabadas na cidade, entretanto, o diretor do Departamento de Fiscalização da Secretaria Municipal de Urbanismo, Nelson Gapski, estima que este número seja superior a 20 empreendimentos. De acordo com ele, hoje existem cerca de 200 mocós, que compreendem obras paralisadas e imóveis abandonados com invasão, considerando apenas as denúncias feitas por meio do telefone 156.
São vários os fatores que levam à paralisação de obras, no âmbito privado. A advogada do escritório Santos Silveiro, Lourdes Helena Rocha dos Santos, conta que os mais comuns são os casos de falência das empresas construtoras e incorporadoras e os embargos por órgãos públicos ou pelo poder judiciário.
Tratando-se da falência do incorporador, que resulta na frustração da compra e em ônus para quem adquiriu o imóvel na planta e não recebeu o bem, uma solução para evitar as disputas judiciais é a retomada das obras pelos compradores, com a conclusão do empreendimento e a transferência da propriedade destes imóveis para seus adquirentes. “A prática tem demonstrado que, na maioria dos casos de abandono da obra por falta de recursos financeiros, especialmente naquelas em que grande parte das unidades foi vendida, a solução passa por um processo de intensa negociação envolvendo os compradores, a construtora, os órgãos públicos e os credores”, explica Lourdes.
De acordo com previsão expressa da Lei dos Condomínios e Incorporações Imobiliárias, é opção dos condôminos prosseguir as obras da edificação inacabada, desde que a maioria assim decida em assembleia especificamente convocada para tal finalidade. “Também é importante realizar uma vistoria técnica para atestar as condições da obra e definir o percentual executado, delimitando as responsabilidades de quem assumirá os trabalhos e do antigo construtor. Além disso, deve-se fazer uma avaliação prévia dos custos para terminar a obra em comparação com o valor das unidades quando concluídas e verificar se há viabilidade econômica. Caso contrário, a alternativa não será outra do que tentar obter do incorporador a restituição dos valores pagos”, recomenda Lourdes.
A advogada do escritório Santos Silveiro revela que o processo de retomada das obras é facilitado para os empreendimentos em regime de patrimônio de afetação. “Esta modalidade assegura que os ativos do empreendimento paralisado serão destinados exclusivamente à satisfação das necessidades daquela edificação e de seus envolvidos, assim entendido os adquirentes e os demais credores da obra, sem o concurso de outros credores em geral”, explica.
Lourdes acredita que, consideradas tais variantes, a iniciativa de concluir obras paralisadas também pode trazer vantagens competitivas às empresas da construção civil. “Numa época em que os bons terrenos estão cada vez mais disputados pelas incorporadoras, e as aprovações e licenças dos órgãos competentes tendem a ser lentas e dispendiosas, assumir a continuidade de uma obra pode representar uma boa oportunidade de negócio”, avalia.
Comissão – Nos casos em que a obra é paralisada pelo incorporador, por mais de 30 dias e sem justa causa comprovada, a Lei 4.591/1964 confere permissão aos condôminos para que, uma vez desatendida a notificação competente, destituam a incorporadora. Este mecanismo é o primeiro passo para a retomada do empreendimento.
Além disso, é necessário que 1/3 dos compradores, ou 1/6 dos titulares de frações ideais no caso de instituição do patrimônio de afetação, convoquem uma assembleia geral e, por maioria, deliberem sobre a continuidade das obras. “Isto não impede que os prejudicados busquem reparação civil ou penal, se couber, no âmbito judicial”, destaca a advogada do escritório Santos Silveiro, Lourdes Helena Rocha dos Santos.
Esta comissão deve ser formada, no mínimo, por três membros escolhidos pelos adquirentes, que terão o poder de representar os compradores perante o construtor ou incorporador e a terceiros, bem como serão responsáveis por fiscalizar o andamento das obras, obedecendo aos projetos e às especificações técnicas, e proceder à cobrança das cotas de condomínio em atraso.
“Tratando-se de incorporação sobre o regime de afetação, as atribuições da comissão são ainda maiores, tendo esta os poderes de firmar o contrato definitivo com os compradores dos demais imóveis do condomínio, condição a que estava obrigado o incorporador destituído”, afirma Lourdes. É necessário que a constituição da Comissão de Representantes seja inscrita na ata da assembleia no Registro de Títulos e Documentos para que possa exercer as suas funções.
JURISPRUDÊNCIA
Solidariedade não se presume, sobretudo em sede de direito tributário
O entendimento prevalente no âmbito das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte é no sentido de que o fato de haver pessoas jurídicas que pertençam ao mesmo grupo econômico, por si só, não enseja a responsabilidade solidária, na forma prevista no art. 124 do CTN. Ressalte-se que a solidariedade não se presume (art. 265 do CC/2002), sobretudo em sede de direito tributário.
Decisão da 1ª Seção do STJ. ERESP n. 859616 (fonte STJ)
PAINEL JURÍDICO
O Enem
Por decisão da 2ª Turma do TRF da 5ª Região , um estudante do Ceará vai ter acesso à prova de redação do Enem e poderá recorrer da nota que obteve.
Escuta I
Observados o princípio da razoabilidade e a necessidade da medida para a investigação, em decisão fundamentada, a escuta telefônica pode ser superior ao prazo legal que é de 15 dias, prorrogados por mais 15. O entendimento é do STJ.
Escuta II
A Polícia Militar de Minas Gerais tem legitimidade para fazer escutas telefônicas judicialmente autorizadas, tarefa geralmente realizada pela polícia civil. O entendimento é da 2ª Turma do STF
Perigo
O adicional de periculosidade não pode ser acordado em negociação coletiva em percentual inferior ao limite legal que é de 30%. O entendimento é da Subseção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST.
Valor
Um homem que furtou e três livros avaliados em R$ 119 teve HC concedido pelo STJ que aplicou ao caso o princípio da insignificância.
Buracos
Um motoqueiro que se acidentou na BR-101, por causa de buracos na pista, deve receber do DNIT indenização por danos morais e materiais. A decisão é da 3ª Turma do TRF da 4ª Região. A relatora do caso enfatizou que as provas demonstram que o DNIT conhecia o estado da estrada naquele trecho e que nada fez para corrigir os defeitos ou alertar os usuários.
Informações
Para tirar dúvidas sobre a Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor no último dia 16, o STF vai atender o público pessoalmente na Central de Atendimento (Anexo II A – térreo), de segunda a sexta-feira, das 11h às 18h, por telefone, pelo número (61) 3217-4465 (opção 8), de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h e pela Internet, por meio de preenchimento de formulário disponível no link “Atendimento STF”.
Teatro
A peça “Penso, Logo Resisto”, com texto e interpretação do advogado José Plínio Taques, recebe apoio promocional da CAA-PR e da Comissão Cultural da OAB Paraná. Com texto leve, crítico e divertido, a comédia que está em cartaz no Teatro Lala Schneider, garante desconto de 50% para advogados, para compra de até quatro ingressos, mediante apresentação da carteira profissional. O valor da entrada, sem o desconto, é R$ 20,00. A peça fica em cartaz de sexta a domingo, sempre às 21h, até o dia 3 de junho.
DIREITO SUMULAR
Súmula n. 731 do STF — Para fim da competência originária do Supremo Tribunal Federal, é de interesse geral da magistratura a questão de saber se, em face da lei orgânica da magistratura nacional, os juízes têm direito à licença-prêmio.
LIVROS DA SEMANA