DIREITO E POLÍTICA

Uma discussão ética

Carlos Augusto Vieira da Costa *

A invasão do laboratório Royal por ativistas para resgatar alguns cães da ração beagle que eram utilizados como cobaias para experiências farmacológicas, embora pontual, pode ser servir para deflagrar uma discussão mais profunda sobre os limites éticos da conduta humana em face da natureza e tudo o mais que a integre.
Para os gregos da antiguidade, por exemplo, valia a máxima cunhada por Protágoras de que o “Homem era a medida de todas as coisas”, e portanto tudo o mais deveria ser pensado a partir da sua perspectiva. E esse tipo de lógica sem dúvida fazia sentido naquele tempo, quando os navios eram propulsionados pela força dos braços ou dos ventos, e a arma mais poderosa era a catapulta.
Hoje, todavia, em razão do avanço tecnológico alcançado pela humanidade, a ação humana deve necessariamente ser avaliada por outras medidas, e a agressividade atávica que garantiu a sobrevivência de nossos antepassados precisa ser racionalizada.
Por isso, protestos como esse, voltados para a salvação de algumas dezenas de cãezinhos, embora possam parecer inócuos, ao menos tem o condão de chamar a atenção geral para alguns valores que definem a própria humanidade, como a compaixão e o repúdio à crueldade. Immanuel Kant, que foi um dos mais festejados filósofos da era moderna, responsável pela elaboração de uma lógica moral prestigiada até os tempos atuais, costumava dizer que você conhece o coração de um homem pela forma como ele trata os animais.
Isso, evidentemente, não significa que utilização de cobaias deve ser necessariamente condenada, até porque os seus efeitos positivos para a humanidade são comprovados, e o homem ainda continua sendo a medida principal de todas as coisas. O fundamental, contudo, é que essa prática seja realizada com consciência e respeito. Afinal, a ética que inspira a relação do indivíduo com a natureza é a mesma que baseia as relações humana.

*Carlos Augusto Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba

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SABER DIREITO

PEC da Religião

Roberto Victor Pereira Ribeiro *

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, em ares de recência, a chamada PEC da Religião ou PEC Evangélica. PEC quer dizer Proposta de Emenda Constitucional e se aprovada no Congresso Nacional passa a ser parte da redação constitucional através de emendas que modificam, excluem ou acrescem dispositivos. 
A proposta da PEC 99/2011 versa sobre a inclusão das entidades religiosas de âmbito nacional entre as que podem ingressar com ações de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal. Entre as neo-entidades sugeridas figuram: a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e a Convenção Batista Nacional. 
Antes de mais nada vale ressaltar que Igreja (religião) e Estado andaram lado a lado ou de forma simbiótica por muitos anos na história da vida humana e que uma pequena análise dessa união nos demonstrará os males e as vicissitudes ocorridas num passado não tão longínquo assim. 
Hodiernamente, o Brasil se separou definitivamente da igreja e assumiu uma posição laica, onde a religião anda próximo ao Estado, mas não há uma mistura homogênea das duas vertentes. Isto é, Estado e Igreja são dois entes que possuem autonomias próprias, regimentos próprios e agentes políticos ou religiosos próprios. Não há mais espaço para misturar religião e Estado, sob pena de lesarmos frontalmente os ditames constitucionais e, ainda por cima, reescrevermos uma história que o passado revelou não ter sido nada interessante para os povos. Basta-nos observar os países ainda teocráticos e seus desatinos sociais. 
Não se conduz a República Federativa do Brasil por meio de dogmas, crenças ou ritos religiosos, mas sim, por meio de um Estado de Direito posto e supervisionado pela sociedade, Poder Judiciário e Ministério Público. 
De outro lado, não estamos querendo segregar ou retirar dos entes religiosos o poder de se indignarem contra uma lei inconstitucional ou a favor de um ato constitucional. Para tanto, somos um intransigente defensor do Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário, ou seja, caso as entidades supracitadas tenham desejo de expressar os comandos judiciais de controle de constitucionalidade deverão fazer por meio de ações, audiências, petições, reclamações ou quaisquer outros meios assegurados aos cidadãos. 
Deve-se chamar a atenção de que a Igreja, em muitas ocasiões, serviu de assistente em processos judiciais importantes. Recentemente a CNBB foi amicus curiae na ação de inconstitucionalidade sobre as pesquisas com células-tronco. 
Há, também, um comando expresso da Constituição Federal de 1988 apregoando que a Igreja ou qualquer outra entidade religiosa poderá auxiliar o Estado nas questões a quem forem chamadas, porém, isto não quer dizer que Estado e Igreja (religião) sejam figuras da mesma moeda. In verbis: Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Roberto Victor Pereira Ribeiro é advogado do Ribeiro Advocacia & Advogados Associados e escritor da Academia Brasileira de Direito

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A CONDUTA E O DIREITO PENAL

Sonegar tem menor potencial ofensivo do que fazer uns gatos

Jônatas Pirkiel*

…Roubar milhões em impostos tem menor potencial ofensivo do que fazer uns gatos…(ligação de energia clandestina), pelo menos é o que se depreende do recente entendimento das ministras Regina Helena Costa e Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça.
Trata-se de uma cidadã que, por quase dois anos, abastecia sua residência com energia elétrica ligada clandestinamente (gato), e foi descoberta por um funcionário da concessionária. Notificada da irregularidade, a moradora compareceu à empresa, fez acordo para parcelar o valor devido de R$ 3.320,86, e quitou a obrigação. Mesmo assim, como sempre, o Ministério Público, zeloso contra os pobres, propôs ação penal com base no artigo 155, parágrafo 3º, do Código Penal (subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel) e o parágrafo 3º equipara a coisa móvel energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico, com pena de um a quatro anos de reclusão, além de multa. 
A cidadã impetrou HC para o trancamento da ação penal, que foi concedido pelo STJ, vencendo voto do ilustre ministro Jorge Mussi, entendendo que: …a natureza do crime em questão exige aplicação analógica da regra válida para os delitos praticados contra a ordem tributária, nos quais se admite a extinção da punibilidade se o pagamento do tributo ocorrer antes do recebimento da denúncia…
Porém, mas, contudo, entretanto…a ministra Regina Helena Costa, acompanhada da ministra Laurita Vaz, entendeu que: …a legislação admite a extinção da punibilidade pelo pagamento apenas no caso de tributos e contribuições sociais, o que não alcança a remuneração pelo fornecimento de energia elétrica, cuja natureza é de tarifa ou preço público – portanto, sem caráter tributário. 
 No caso dos crimes contra a ordem tributária, assinalou a ministra, o interesse na arrecadação tem levado o estado a determinar a extinção da punibilidade pelo pagamento ou parcelamento do tributo. Já os crimes contra o patrimônio recebem tratamento mais rigoroso por parte do estado, por questões de política criminal, de modo que a reparação do prejuízo não atinge o fim colimado pela edição do tipo penal….
É Meu amigo Denis, assim caminha a humanidade…

Jônatas Pirkien é autor é advogado na área criminal*

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ESPAÇO LIVRE

O direito a um pai

*Maria Berenice Dias
 
Existe o direito constitucional à identidade, um dos mais importantes atributos da personalidade.
Todo mundo precisa ser registrado para existir juridicamente, ser cidadão.
Claro que esta é uma obrigação dos pais: registrar o filho em nome dos dois.
A Lei dos Registros Públicos, que é anterior à Constituição Federal e ao Código Civil – e que até hoje não foi atualizada – está prestes a ser, mais uma vez, remendada, sem que com isso venha a atender ao maior interesse de uma criança: ter no seu registro o nome de ambos os pais. 
A antiquada lei registral, atribui exclusivamente ao pai a obrigação de proceder ao registro do filho. Somente no caso de sua falta ou impedimento é que o registro pode ser levado a efeito por outra pessoa. 
Agora de uma maneira para lá de singela, o PLC 16/2003, recém aprovado pelo Senado,  atribui também à mãe a obrigação de proceder ao registro. 
Ora, nunca houve qualquer impedimento para a mãe proceder ao registro do filho. Ela sempre assumiu tal encargo quando o pai se omite. 
O tratamento, aliás, sempre foi discriminatório. Basta o homem comparecer ao cartório acompanhado de duas testemunhas, tendo em mãos a Declaração de Nascido Vivo (DNV) e a carteira da identidade da mãe, para registrar o filho como seu. Já a mãe só pode registrar o filho também no nome do pai, se apresentar a certidão de casamento e a identidade do pai.
Esta é outra discriminação injustificável. Quando os pais vivem em união estável, mesmo que reconhecida contratual ou judicialmente, nem assim a mãe pode proceder ao registro do nome do pai. Para ele inexiste esta exigência. Consegue registrar o filho sem sequer alegar que vive na companhia da mãe.
A Lei 8.560/92 e as Resoluções 12 e 16 do Conselho Nacional de Justiça, até tentaram chamar o homem à responsabilidade de registrar os seus filhos. Se a mãe indica ao oficial do registro civil quem é o genitor, é instaurado um procedimento, em que o indigitado pai é intimado judicialmente. Caso ele não compareça, negue a paternidade ou não admita submeter-se ao teste do DNA, nada acontece.  Ao invés de o juiz determinar o registro do filho em seu nome, de forma para lá que desarrazoada o expediente é encaminhado ao Ministério Público para dar início à ação de investigação de paternidade. Proposta a ação, o réu precisa ser citado, nada valendo a intimação anterior, ainda que tenha sido determinada por um juiz.
Às claras que esta é o grande entrave para que os filhos tenham o direito de ter um pai. É de todo desnecessária a propositura de uma ação investigatória quando aquele que foi indicado como genitor nega a paternidade e resiste em provar que não o é. Diante da negativa, neste momento deveria o juiz determinar o registro, sem a necessidade de qualquer novo procedimento.
Na hipótese de o pai não concordar com a paternidade, ele que entre com a ação negatória, quando então será feito o exame do DNA. 
O fato é que a mudança pretendida nada vai mudar. Para a mãe registrar o filho em nome de ambos, precisará contar com a concordância do genitor, pois terá que apresentar a carteira de identidade dele. Caso ele não forneça o documento, haverá a necessidade do procedimento administrativo.  Ainda assim, para ocorrer o registro é indispensável que ele assuma a paternidade.  
E, no caso de o indigitado pai não comparecer em juízo ou e se negar a realizar o exame do DNA, vai continuar a existir a necessidade da ação investigatória de paternidade, quando todos estes acontecimentos não dispõem de qualquer relevo. 
Apesar de o Código Civil afirmar que a recusa a exame pericial supre a prova a ser produzida, não podendo quem se nega a realizá-lo aproveitar-se de sua omissão (CC arts. 231 e 232), quando se trata de assegurar o direito à identidade a alguém, tais dispositivos não valem.  A recusa do réu de se submeter ao exame de DNA gera mera presunção da paternidade a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório (L 8.560/92, art. 2º-A, parágrafo único). No mesmo sentido a Súmula 301 do STJ, que atribui à negativa mera presunção juris tantum da paternidade. 
Ou seja, a de alteração legislativa – anunciada como redentora – não irá reduzir o assustador número de crianças com filiação incompleta. Segundo dados do CNJ, com base no Censo Escolar de 2011, há 5,5 milhões de crianças registradas somente com o nome da mãe.
Mais uma vez perde o legislador a chance de assegurar o direito à identidade a quem só quer ter um pai para chamar de seu.

* A autora é advogada, vice presidenta nacional do IBDFAM

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PAINEL JURÍDICO

Obra
O contato com como cimento e cal, no exercício da atividade de pedreiro, não configura insalubridade. E entendimento é da 4ª Turma do TST.

Responsabilidade
A 4ª Câmara de Direito Público do TJ de São Paulo condenou a Fazenda do Estado de São Paulo a indenizar em R$ 120 mil, por danos morais, uma mãe que teve o filho assassinado durante uma briga de detentos na cadeia pública de Jundiaí.

Simpósio I
Estão abertas as inscrições para o XXVII Simpósio da Caravana ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, que será realizado em Foz do Iguaçu, no próximo dia 8 de novembro. Informações: www.oabpr.org.br/esa, www.aatpr.org.br e [email protected]

Simpósio II
Tutela Específica, Liminar e Tutela antecipada para fins Previdenciários: Efeitos e Devolução de Valores? é tema de palestra do Dr. Marcelo Barroso Lima Brito de Campos no I Simpósio de Direito Previdenciário do Nordeste, que acontece nos dias 13 e 14 de novembro em Fortaleza. Inscrições no site www.ibdp.org.br.

Seminário
A Comissão de Advocacia Pública em parceria com o Lincoln Institute of Land Policy e o Ministério das Cidades promove no dia 29/10 seminário sobre Grandes Projetos Urbanos: Proposições Técnico-Jurídicas. Contando com palestrantes internacionais, o evento visa disseminar conhecimento sobre o melhor uso do solo urbano em projetos desenvolvidos na América Latina e no Japão. Informações e inscrições no site www.oabpr.org.br

Desligamento
Advogado pode se desligar da OAB pela simples manifestação de vontade, não podendo ser condicionado nem à prova do não-exercício da profissão, nem ao pagamento de anuidades. O entendimento é da 4ª Turma do TRF da 4ª Região.

Pressão
A prefeitura de São Paulo não impedir que empresas com dívidas relativas ao ISS emitam Nota Fiscal de Serviços Eletrônica, pois se trata de uma forma de coerção para cobrar tributos, o que é ilegal. O entendimento é do STJ.

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JURISPRUDÊNCIA

Não se aplica o princípio da insignificância quando o réu é reincidente em crime contra o patrimônio 
Inaplicável ao caso o princípio da insignificância, porquanto o apelante é reincidente em crime contra o patrimônio, o que demonstra o desvalor e reprovabilidade de sua conduta. A reincidência é circunstância agravante que prepondera sobre as atenuantes, com exceção daquelas que resultam dos motivos determinantes do crime ou da personalidade do agente, o que não é o caso da confissão espontânea. Precedentes. A confissão espontânea é ato posterior ao cometimento do crime e não tem nenhuma relação com ele, mas, tão somente, com o interesse pessoal e a conveniência do réu durante o desenvolvimento do processo penal, motivo pelo qual não se inclui no caráter subjetivo dos motivos determinantes do crime —Apelação Criminal nº 1.032.044-0—2 ou na personalidade do agente. (STF, RHC 115994, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 02/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 16-04-2013 PUBLIC 17-04-2013). Consoante o § 3º, do art. 44, do Código Penal, quando a reincidência não é específica (mesmo tipo penal) e a medida é socialmente recomendável diante das peculiaridades do caso concreto, é possível substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Decisão da 3ª Câmara Criminal do TJPR. ACr. n. 1.032.044-0 (fonte TJPR)

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DIREITO SUMULAR 
Súmula nº 413 do TST– É incabível ação rescisória, por violação do art. 896, a, da CLT, contra decisão que não conhece de recurso de revista, com base em divergência jurisprudencial, pois não se cuida de sentença de mérito

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LIVRO DA SEMANA

 


No livro A Quarta Dimensão do Direito, de autoria do professor e jurista Renato Geraldo Mendes, lançado pela Editora Zênite, o autor propõe uma nova abordagem acerca da forma de pensar o Direito, analisando a arte de interpretar a letra da lei além da sua perspectiva textual. A Quarta Dimensão do Direito traz ao leitor reflexões a respeito do significado da norma, defendendo a ideia que, para que o conteúdo do texto ganhe caráter de norma, é necessário que seja decodificado pelo intérprete. A estrutura tríplice composta de Fato, Valor e Norma ganha um quarto pilar de sustentação, uma quarta dimensão. Esta nova dimensão altera profundamente a visão tradicional sobre o Direito e sua compreensão.Disponível na Livraria LM e nas livrarias tradicionais por R$ 39,00, a obra também pode ser baixada em e-book ou PDF, gratuitamente, no site www.renatomendes.com.br.

Renato Geraldo Mendes — A Quarta Dimensão do Direito — Editora Zenite

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COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA
[email protected]