DIREITO E POLITICA

Vergonha na cara

*Carlos Augusto Vieira da Costa 

Para quem achava que Dilma seria uma mera fantoche de Lula, a resposta definitiva veio nesta última quinta-feira, quando a representação diplomática do país junto à Organização das Nações Unidas votou a favor da indicação de um relator especial para investigar violações de direitos humanos praticadas pelo Irã.
Este voto, obviamente orientado pela presidente Dilma, pôs fim a um histórico de mais de 10 anos de votos favoráveis ao regime iraniano, e deixa clara a mudança de rumo da diplomacia brasileira em relação ao governo anterior.
Mas será isto bom? Depende do enfoque. A determinação do governo Lula de rejeitar qualquer tipo de alinhamento imediato e incondicional aos interesses americanos colocou o Brasil em uma posição de destaque internacional, pois revelou não apenas maturidade política, mas também capacidade para estabelecer novos paradigmas na condução das relações internacionais, especialmente no que diz respeito à resolução de conflitos e o respeito às diversidades culturais entre as nações.
É bem verdade que em algumas situações Lula escorregou no tomate e cometeu gafes, como na vez que criticou a greve de fome de um preso político do regime cubano. Mas estes equívocos devem ficar na conta do varejo, que de modo algum comprometem o conjunto da obra.
Por outro lado, bater de frente com os EUA tem sempre algum custo, e a fatura acaba vindo na forma de boicote a qualquer tipo de pretensão do Brasil de ocupar posições de liderança em organismos internacionais.
O fato é que tanto na política internacional, como no universo da vida privada, as pessoas ou entidades podem ser classificadas em dois grandes grupos: dos pragmáticos, que privilegiam o resultado, e dos ideológicos, que se fixam nos seus princípios. Podemos reduzir esta dicotomia ao confronto que Max Webber estabeleceu entre a ética da conveniência e a ética da convicção.
Mas a idéia aqui não é fazer qualquer juízo moral a respeito de qual seja a forma mais acertada de conduzir as coisas, em sim de voltar ao começo e concluir se a mudança de rumos da diplomacia brasileira foi boa ou ruim.
E sobre isto parece não haver muito dúvida. O Brasil, historicamente, sempre se portou com independência diante dos americanos, mesmo nos tempos em que ainda éramos uma republiqueta de bananas. As negaças de Getúlio Vargas para se unir aos aliados durante a 2ª Guerra, a condecoração de Che Guevara por Jânio Quadros e a negativa de aderir ao boicote das Olimpíadas de Moscou são uma prova cabal desta nossa aspiração.
Portanto, se Dilma pretende se alinhar aos EUA, até pode fazê-lo, mas desde que seja de forma pontual e condicional, tal como no caso dos direitos humanos, onde de fato Lula cometeu alguns pecadilhos. Todavia, qualquer coisa mais abrangente será um equívoco, pela simples razão de que somos um país gigante, dotado de muitos predicados para exercer uma liderança política internacional, seja pelo nosso potencial econômico, seja pela nossa formação multicultural.
Ademais, se curvar aos americanos não combina com nossa estirpe. Mais do que isto, não fará a nossa felicidade, pois ninguém pode ser feliz negando o seu próprio destino.

Carlos Augusto Vieira da Costa
Procurador do Município de Curitiba

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SABER DIREITO

Lançamento por homologação

*Roberto Victor Pereira Ribeiro

Não há momento mais oportuno para falarmos em Lançamento do Crédito Tributário por Homologação do que este em que se inicia a declaração de imposto de renda 2011.
A declaração do imposto de renda é considerada um lançamento de crédito tributário por homologação, uma vez que o contribuinte declara pessoalmente sua renda e bens e a Fazenda Nacional irá receber a declaração e homologar.
No momento há quem fale em decadência e, por conseguinte, extinção do crédito tributário, no caso, o imposto de renda, se alcançados cinco anos e a Fazenda não propuser execução fiscal para cobrar o débito fiscal do contribuinte.
Em outras palavras, anda se espalhando a história de que você pode ficar sem declarar corretamente sua renda e, passados cinco anos, você será perdoado por tal erro.
Não é bem assim. Explico.
O lançamento por homologação rege-se pelas lições do art. 150 do CTN, que diz mais ou menos assim: o contribuinte deve antecipar o pagamento de seu tributo, antes de análise da autoridade administrativa, que ao receber, irá homologar a declaração. Mas essa homologação não quer dizer que a administração está errando com o contribuinte não. Apenas, devido à demanda grande de declarações, a primeiro passo a administração homologa para facilitar o procedimento, mas ultrapassada tal fase sazonal, os fiscais irão proceder ao exame detalhado das declarações enviadas pelas pessoas físicas e, se descoberto algum vício, passarão a tomar as providências necessárias.
Concordamos que uma vez transcorrido o prazo quinquenal, há a extinção do crédito tributário. Porém no lançamento por homologação tal situação não coaduna.
Como assevera o mestre Hugo de Brito Machado: “Havendo depósito, e não tendo a Fazenda Pública discordado de seu valor, há lançamento por homologação e por isto não se pode mais cogitar de decadência.”
Os valores no lançamento por homologação são declarados e, os eventualmente não pagos (ou suprimidos intencionalmente) estão constituídos na própria declaração permitindo, assim, a imediata inscrição na dívida ativa e o ajuizamento da execução fiscal.
No mais, não há que se falar em decadência e, portanto, na extinção do crédito tributário, para aqueles que burlam o sistema e pensam que depois de cinco anos estão livres.

* O autor é advogado do Ribeiro Advocacia & Advogados Associados e escritor da Academia Brasileira de Direito

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ESPAÇO LIVRE

O Infojud – Sistema de Informações ao Judiciário e a “violação” da garantia do sigilo fiscal dos contribuintes

*Maria Luiza Bello Deud

O Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4ª) em Porto Alegre/RS julgou, no último dia 17, recurso de Agravo de Instrumento interposto pela União Federal negando o pedido por ela deduzido, referente à utilização do sistema Infojud.
Iniciado em junho de 2006, o Infojud – Sistema de Informações ao Judiciário – é um programa eletrônico de comunicação instantânea entre os órgãos do Poder Judiciário e a Receita Federal do Brasil que ocorre na Internet pelo site da Receita Federal, no qual os magistrados possuem acesso a todas as informações declaradas ao Fisco pelo contribuinte, como o seu Imposto de Renda Pessoa Física e o Imposto de Renda Pessoa Jurídica, tal qual permite o artigo 198, parágrafo 1º, inciso I, do Código Tributário Nacional.
Através do convênio firmado entre a Receita Federal do Brasil e o Conselho Nacional de Justiça em junho de 2007, por meio de simples termo de adesão, qualquer órgão do Poder Judiciário Estadual ou Regional poderá utilizar o sistema então disponível, desde que atendidos aos requisitos estabelecidos na decisão proferida pelo TRF4ª. Em pouquíssimos segundos, o programa emite um relatório que indicará a situação fiscal dos últimos cinco anos do contribuinte, seja ele pessoa física ou jurídica.
Anteriormente à implementação desse sistema, a maneira tradicionalmente usada pelos juízes para requisitar informações à Receita Federal era por expedição de ofício, que poderia demorar meses, enquanto o processo permanecia parado, aguardando resposta do Fisco. Esse período certamente será significativamente reduzido com a utilização do Infojud. A medida, entretanto, está sendo analisada com algumas restrições, tanto por advogados quanto pelos Tribunais do País.
Para a região Sul, o TRF4ª tem posicionamentos diametralmente contrários: Ora entendem que o sistema pode ser imediatamente utilizado pelo juiz, assim como o Bacen-Jud que tem como objetivo o bloqueio de valores em contas correntes dos executados em período posterior à vigência da Lei 11.382/2006, tendo como única restrição os casos em que o devedor indica bens à penhora; ora se posicionam no sentido de que a medida é extrema e somente “pode ser viabilizada caso restem frustradas as demais tentativas a cargo do credor”, de acordo com recentíssimo julgamento citado inicialmente.
A quebra do sigilo fiscal, entretanto, deve ser vista com cuidados. Primeiramente, e conforme tratado pelo TRF4ª, o sigilo é garantia constitucional assegurada ao contribuinte. Assim, somente poderá ser quebrado pelo sistema Infojud quando estiver presente o interesse da justiça, isto é, quando houver risco significativo ao Erário Público e quando o Judiciário encontrar dificuldades em prestar a tutela jurisdicional pretendida pelo exeqüente/credor. E mais, todas as tentativas de localização de bens penhoráveis do executado/devedor devem ser exauridas e comprovadas no processo judicial que restaram infrutuosas.
Se não forem observados tais requisitos, estar-se-á diante de violação ao direito constitucional, que deverá ser rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal, órgão do Poder Judiciário responsável pela guarda e atendimento das normas previstas na Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, justamente por elevar ao mais alto patamar hierárquico os direitos e garantias individuais de cada cidadão brasileiro.

* A autora é advogada do escritório Marins Bertoldi Advogados Associados em Curitiba. Pós-graduada pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET e mestranda em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR.

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DESTAQUE

União estável homossexual é reconhecida e beneficia estrangeira para renovação de visto

Como se tem noticiado, casais homoafetivos vêm conseguindo garantir direitos de igualdade e preservar direitos patrimoniais através dos contratos de convivência homoafetiva e reconhecimentos judiciais de união estável.
O advogado Francisco Cunha Souza Filho, sócio do escritório Macedo & Cunha Advogados Associados e especializado em questões dessa natureza, traz decisão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, na qual se reconheceu a união estável entre duas mulheres. Elas pretendiam o reconhecimento judicial do relacionamento para que uma delas, estrangeira, conseguisse renovar o visto de permanência no país.
Segundo decidido, apesar de não haver lei que regule a união homoafetiva, a Constituição Federal autoriza o reconhecimento desse tipo de relacionamento como entidade familiar.
“O preâmbulo da Constituição é expresso ao dispor que a sociedade brasileira é fundamentalmente fraterna, pluralista e sem preconceitos, sendo que os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, ambos consagrados pelos artigos 1º, inciso III e 5º, inciso I da Carta também impõem uma interpretação ampliativa do texto constitucional a fim de assegurar às pessoas de orientação homossexual o mesmo tratamento legal dispensado aos de orientação heterossexual”, apontou o juiz do caso.
Para o advogado Francisco Cunha, “decisões como essa tornam-se cada vez mais comuns e representam a consolidação da tendência em se reconhecer a união estável homoafetiva e, consequentemente, dos direitos a ela inerentes”.
O magistrado citou ainda, para reconhecer a existência da união homoafetiva mantida entre elas, que a família de acordo com o artigo 226 da Constituição Federal é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado: “Família não é mais sinônimo de casamento de um homem com uma mulher. Logo, no Estado Democrático de Direito todos têm o direito de se unirem em relações monogâmicas, independentemente da orientação sexual. Com base nisso, a união estável homoafetiva foi reconhecida”.

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PAINEL JURÍDICO

A favor
O Órgão Especial do TST determinou o sequestro da dívida das contas do Rio Grande do Sul em favor de um homem de 82 anos, que sofre de câncer na próstata, quebrando assim a regra da ordem cronológica para o pagamento de precatórios.

Contra
Com o fundamento do perigo de multiplicação de novos pedidos, o ministro Cezar Peluso, presidente do STF, suspendeu a execução de uma decisão que havia determinando a quebra de ordem cronológica para o pagamento de precatório alimentar. Para ele, estaria caracterizado o risco de grave lesão à economia e à ordem públicas.

Concurso
Estão abertas as inscrições para o Concurso para Ingresso na Carreira do MP do Paraná. São oito vagas para o cargo de promotor substituto. As inscrições, que devem ser feitas pelo site do MP-PR vão até 19 de abril.

Obrigatório
Os defensores públicos do Estado de Mato Grosso do Sul deverão continuar obrigatoriamente inscritos nos quadros da OAB. A decisão é do o juiz da 4ª Vara Federal de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.

Who’s
Sócia de Hapner e Kroetz Advogados, Fabíola Polatti Cordeiro é a única profissional de fora do eixo Rio-São Paulo entre os 22 brasileiros destacados na área de disputas comerciais da nova edição anual da revista “Who’s Who Legal”. Em português, “Quem é quem no meio jurídico” é parceira estratégica e oficial de pesquisas de algumas das mais importantes instituições internacionais que congregam advogados, como a International Bar Association (IBA) e a American Bar Association (ABA)

Curso
A Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Paraná promove o curso Teoria e Prática do Direito da Criança e do Adolescente, que terá início no dia 30 de março e se estenderá até 18 de maio, com dois encontros semanais. Informações no site www.oabpr.org.br

Encontro
O secretário de Segurança Pública do Paraná, Reinaldo de Almeida César, é convidado do projeto Encontro com a Experiência do curso de Direito das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil). O evento será realizado hoje na sala de conferências Professor René Ariel Dotti, no terceiro andar do Bloco 6 da instituição, às 19 horas.

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DOUTRINA

“A saída temporária não se aplica ao preso em regime fechado, tendo em vista a natureza mais reclusa dessa forma de cumprimento de pena, incompatível com a liberação sem vigilância, ainda que temporária. Também não deverá ser concedida na hipótese de regime aberto, uma vez que o condenado não precisa sair, pois já está em liberdade durante todo o dia. Finalmente, não se admite saída temporária para preso provisório, pois ele não é “condenado” “nem cumpre pena em regime semiaberto”. Sua prisão tem natureza cautelar e a ele não se aplicam direitos e deveres próprios de quem está cumprindo pena”.
Trecho do livro Execução Penal Simplificado, de Fernando Capez, página 72. São Paulo: Saraiva, 2011.

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JURISPRUDÊNCIA

A assinatura de TAC não impede a propositura da ação penal para apuração de crime ambiental
É da competência da Justiça Estadual e não Federal o julgamento de crime de destruição de floresta em área de preservação permanente ocorrida dentro de propriedade particular, em que não se evidencia interesse direto da União. A assinatura do termo de ajustamento de conduta – TAC não impede a propositura da ação penal para apuração de crime ambiental. Não age com culpa e sim com dolo o agente que destrói vegetação da área de preservação permanente e utiliza essa área em desacordo com a legislação, conduta que se subsume inteiramente ao tipo disposto no art. 38 da Lei 9.605/98 se, mesmo depois de autuado pelo órgão ambiental, continua explorando a criação de animais na área, deixando de dar cumprimento ao termo de ajustamento de conduta, caracterizando a utilização indevida da área.
Decisão da2ª Câmara Criminal TJ/PR. AC n. 0595584-8 (fonte TJ/PR).

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DIREITO SUMULAR

Súmula nº 442 do STJ
– É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo.


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LIVROS DA SEMANA

Este livro estabelece um produtivo intercâmbio entre estudiosos do Brasil e da Espanha acerca da função ambiental do registro de imóveis. O ponto de partida dos ensaios é o dinâmico cenário em que se insere a propriedade imóvel nos dias de hoje, vale dizer, a propriedade imobiliária deve atender à função social e também à função ambiental, ou seja, deve gerar riquezas e potencializar os efeitos positivos para a coletividade sem causar danos ao meio ambiente.
Francisco de Asís Palacios Criado, Sergio Jacomino, Marcelo Augusto Santana De Melo — Registro de Imóveis e Meio Ambiente – Série Direito Registral e Notarial — Editora Saraiva, São Paulo 2011

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Se o direito penal é ciência normativa que concebe o crime como conduta que merece punição, ou seja, conceitua crime como contuda (ação ou omissão) típica, antijurídica e culpável (corrente causalista), por sua vez a criminologia encara-o sob os seguintes enfoque: delito, delinquente, vítima e controle social. Assim, na criminologia o crime é um fenômeno social que se mostra como problema maior, a exigir do pesquisador empatia para dele se aproximar e entendê-lo em suas múltiplas facetas. Nesse contexto, para facilitar o estudo da disciplina àqueles que se dedicam sobretudo aos concursos públicos das principais carreiras jurídicas, o autor utilizou-se de linguagem simplificada, tendo em vista que, muitas vezes, o estilo extremamente tecnicista, por exemplo, da Criminologia Clínica poderia desmotivar o aprendizado do leitor.
Manual Esquemático de Criminologia — Nestor Sampaio Penteado Filho, Editora Saraiva , São Paulo 2011

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EXCLUSIVO NA INTERNET

O Judiciário e as perícias de saúde: o “erro médico” e o “erro fisioterapêutico”

* Ricardo Wallace das Chagas Lucas

O saber promove a educação. E todos já sabemos que é o pilar fundamental de uma nação. E a forma como ela é oferecida permite que todas as áreas de uma sociedade se fortaleçam. Nesta linha de raciocínio, vamos direcionar o discurso para a interferência da falta de conhecimento multiprofissional e interdisciplinar em um universo específico de duas áreas fundamentais em um país: a Justiça e a Saúde.
Precisamos fazer uma reflexão crítica sobre o conhecimento técnico mútuo destas áreas de atuação, e entendermos a relação das nôminas empregadas no Direito com as nôminas utilizadas na área da saúde, pois, não são raras às vezes em que o desconhecimento do vocabulário e atuação técnica por profissionais destas áreas, acaba por comprometer o resultado do trabalho de um ou de outro. E nosso foco está em dissertar, principalmente, sobre o desconhecimento (ou pouco conhecimento) do judiciário sobre as definições de termos fundamentais da saúde que possam interferir com a promoção de um julgamento acertado. Também neste texto referenciamos o desconhecimento normativo jurídico, dos profissionais de saúde que labutam no universo forense como auxiliares da justiça, comentando especificamente a atuação médica e fisioterapêutica.
A especificidade do texto tem relação com as “Perícias de Saúde” solicitadas pelos Magistrados, compondo capítulos importantes no universo legal, já referenciado pelo Código de Processo Civil em seções específicas para o Perito e para a Prova Pericial.
Para fundamentar o contexto, precisamos citar parte do texto do livro Medicina Legal do Professor Hélio Gomes (2003):
“[…]¨ Não basta um médico ser simplesmente um médico para que se julgue apto a realizar perícias, como não basta a um médico ser simplesmente médico para fazer intervenções cirúrgicas. São necessários estudos mais acurados, treino adequado, aquisição paulatina da técnica e da disciplina. Nenhum médico, embora eminente, está apto a ser perito pelo simples fato de ser médico. É-lhe indispensável a educação médico-legal, conhecimento da legislação que rege a matéria, noção clara da maneira como deverá responder aos quesitos, prática na redação dos laudos periciais. Sem esses conhecimentos puramente médico-legais, toda sua sabedoria será improfícua e perigosa.[…]”
Se levarmos em consideração que o profissional médico é um dos profissionais de saúde que possui capacidade e apoio legal para servir como auxiliar da justiça na função de perito (art. 145 do CPC), o recorte de texto citado pode ser transferido a outros profissionais de saúde. Ou seja, o psicólogo, o fisioterapeuta, o fonoaudiólogo, o assistente social, o odontólogo, o terapeuta ocupacional e qualquer profissional de saúde nomeado ou indicado para servir como ator no universo pericial, deverá se munir de educação forense para não comprometer o julgamento com seus laudos e pareceres oferecidos ao magistrado.
Neste sentido, associações específicas de classe direcionam seus esforços para a formação forense destes profissionais. Podemos citar as que postulam este objetivo: A ANMP – Associação Nacional de Médicos Peritos da Previdência Social; a ABFF – Associação Brasileira de Fisioterapia Forense; a ABOL – Associação Brasileira de Odontologia Forense; a ABML – Associação Brasileira de Medicina Legal e a ACADEFFOR – Academia Brasileira de Fonoaudiologia Forense. Outras profissões mesmo sem participarem se associações específicas, já empreenderam cursos específicos, até de especialização, em atividades jurídico/forense.
Voltando ao discurso sobre o conhecimento do significado da palavra, uma das grandes dificuldades que observamos nos profissionais do Direito (e também fora dele) é a não dissociação dos termos “Saúde” e “Médica”. Ambos são tratados como se fossem a mesma coisa, e este pensamento obviamente não procede. Pois vejam que no parágrafo anterior nos referimos a profissionais da área da “Saúde”, e o profissional médico é um destes profissionais. Imagine então o risco que corre um processo quando um magistrado entende como “Perícia Médica” uma perícia que não necessariamente é da matéria médica. Isto pesará negativamente contra a celeridade dos processos jurídicos, e poderá gerar desconforto entre os profissionais que participam do ato processual.
Atualmente, são comuns em “noticiários forenses” divulgações de classes profissionais ocupando o “palco judiciário”, com ações de posicionamento profissional contra outras, em função do ato pericial. E se for feita uma análise grosseira deste cenário, observaremos muitos pontos de desconhecimento técnico das partes envolvidas. Vejamos “um exemplo muito comum nestes “noticiários”: “Fisioterapeuta não pode fazer perícia médica”. Vamos aos questionamentos: Será que a perícia referida é uma perícia médica? Por que se for, realmente a notícia está correta, pois perícia médica é ato médico. Será que o magistrado que nomeou este profissional sabe a diferença entre a perícia do médico e a perícia do fisioterapeuta? Será que este fisioterapeuta que aceitou sabe a diferença entre a perícia do médico e a sua modalidade de perícia? Será que os médicos sabem a diferença entre vossas perícias e as realizadas por fisioterapeutas.
De todos estes questionamentos, o que se refere ao conhecimento do magistrado parece ser o mais relevante. Não que os outros sejam irrelevantes, mas, como o profissional perito é auxiliar direto do juiz na solução da demanda, o “desconhecimento judicial” pode gerar “desconfortos jurídicos” às partes, ou ao menos a uma das partes. Então cabe aqui uma conceituação rápida sobre as diferenças que os magistrados necessitam saber sobre a perícia dos médicos e a perícia dos fisioterapeutas, e eventualmente os médicos e fisioterapeutas também necessitam saber.
Antes de entrar diretamente nestas diferenças, é fundamental que os magistrados (e também os profissionais da área da saúde) saibam que no ato pericial esta inserida uma ação transversal, pontual, cuja matéria tem o conhecimento de um profissional como fato determinante. Mas, algumas vezes este profissional deverá lançar mão da possibilidade de utilizar a opinião de outro profissional, para corroborar em partes de seu laudo/parecer, pois dificilmente uma perícia possuirá caráter mono profissional.
De uma forma didática, em uma perícia médica a análise profissional é voltada para a “deficiência”, e em uma perícia fisioterapêutica a análise profissional é voltada para a “incapacidade”. Obviamente, mais explicações devem ser dadas, pois os dois termos também concorrem com especificidades em suas definições, e estas são calcadas pela OMS – Organização Mundial de Saúde (veja, não é Organização Mundial Médica), em suas classificações mais conhecidas: CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) e a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde). E o Brasil, como país membro da OMS, aplica os fundamentos de ambas as classificações. A maior parte da CID é de responsabilidade médicos, e em função disso muitos profissionais de saúde acham que os códigos da mesma só possam ser emitidos por médico. Isto é um erro, pois os códigos da parte “Problemas Relacionados à Saúde” de sua definição tem relação com outros profissionais de saúde, e por eles podem (e devem) ser emitidos. Já a CIF, que foi desenvolvida após a CID, confere um aspecto mais explicativo (que é o que normalmente os magistrados querem) às doenças da CID. O mais interessante da CIF é que ela permite quantificação e qualificação das incapacidades dos periciados.
Esta quantificação é ferramenta fundamental na elaboração dos perfis quantitativos dos benefícios e das “punições” lavrados pela justiça pela figura dos magistrados, ou em processos administrativos. Então fica claro que qualquer doença deve ser diagnosticada pelo médico, utilizando as ferramentas que lhe cabem, conforme o disposto no seu Conselho Federal. Sendo assim, a definição de “deficiência” da CIF é compatível com doença, injúria, dano (físico ou mental), e seu diagnóstico é responsabilidade do médico. E, como toda e qualquer doença tem como conseqüência graus de incapacidade, quando esta incapacidade tiver relação com o movimento humano, sua quantificação e qualificação é ato fisioterapêutico, que também utiliza ferramentas que lhe cabem, conforme o disposto em seu Conselho Federal.
Esta é uma das razões pela escolha acertada de muitos magistrados da utilização de fisioterapeutas na justiça do trabalho como perito judicial, pois a quantificação e qualificação da incapacidade, associada à pesquisa do nexo da mesma com os movimentos laborais, são esclarecedoras para os mesmos. Muitas vezes, quando nomeado um médico experiente para ser perito (ou assistente técnico) em uma situação onde o diagnóstico da doença já é conhecido, e conseqüentemente não houve mudança de seu código CID, este lança mão de um Parecer Ad Hoc de um fisioterapeuta para a elucidação da incapacidade físico-funcional do seu periciado. O inverso é verdadeiro, quando um fisioterapeuta na mesma situação de perito judicial, ou de assistente técnico, não tiver conhecimento da doença do seu periciado, e este for relevante, deve solicitar o Parecer Ad Hoc de um médico. Por este motivo na justiça do trabalho está começando a ser fato comum perícias conjuntas, funcionando com médicos e fisioterapeutas. Nesta modalidade, com certeza o processo tem chances de ter uma resolução mais justa, e este é o objetivo.
Em resumo, o cotidiano nos mostra que a desinformação, ou a falta de educação comprometem o crescimento de uma nação e a qualidade de vida da mesma. No universo forense e de saúde, estes aspectos são comprometedores às atividades da justiça, referenciando aqui as atividades periciais. Então, a inter-relação de profissionais de saúde, e a destes profissionais com o sistema judiciário deve ser buscada. Os envolvidos devem se destituir de vaidades, procurarem a educação continuada e promoverem a interdisciplinaridade, para que vossas margens de erro diminuam, e tenhamos como benefício práticas periciais que promovam resultados realmente mais justos.

* O autor é presidente da ABFF – Associação Brasileira de Fisioterapia Forense [email protected]

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COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA
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