DIREITO E POLÍTICA
A natureza humana
* Carlos Augusto Vieira da Costa
Dias atrás, um amigo querido, intelectual de fino trato, versado em filosofia e fluente em alemão, me dizia do seu pessimismo em relação ao mundo. Pai de dois filhos adolescentes, lamentava a pobreza da cultura local (se referia ao Brasil), dando como exemplo a falta novos nomes e obras na área da música e da literatura. Citou também a violência como uma prova da degeneração dos tempos. Do alto da minha ignorância cometi a ousadia de contestá-lo. Afirmei que as coisas já haviam sido piores, e para provar lembrei a época em que o mundo era dominado pelos Romanos, quando os cristãos eram jogado aos leões para delírio da platéia. Recordei a inquisição (mencionei esse assunto na semana passada), quando mulheres eram queimadas na fogueira por serem suspeitas de bruxaria. E para não ficar preso apenas à história, me referi ao tempo dos nossos avós, quando o Brasil ainda era um país majoritariamente rural, o analfabetismo grassava, não havia televisão, internet ou aviões de carreira, e ainda se morria de tifo, tétano ou difteria. E o que é pior: as mulheres casavam virgens, sem sequer terem uma segunda chance. Hoje cristão, judeus, mulçumanos e ateus, na maior parte do mundo, convivem em harmonia. Vai-se do Brasil à Europa em menos de dez horas e até os leões são protegidos. Some-se a isto o advento da internet, que democratizou a informação e o acesso ao conhecimento a padrões quase que absolutos. Quanto às mulheres, a chegada do verão, com suas saias sumárias e seus tops generosos, dá a medida da sua nova condição. Como meu interlocutor acenava positivamente com a cabeça, resolvi continuar, dizendo que a pobreza cultural a que ele se referia era responsabilidade da industria, que promovia a simplificação de formas e pasteurização de conteúdos para obter a massificação do consumo, mas que ainda assim havia muita coisa boa sendo produzida. Como exemplo citei as obras dos escritores Cristovam Tezza e Bernardo Carvalho, este paulistano, aquele curitibano; e na área da música, que conheço pouco, mencionei o cantor e compositor Zeca Baleiro, para ficar em terra firme. Para minha surpresa e regozijo, o amigo despediu-se dizendo que precisávamos continuar a conversa, pois estava começando a pensar diferente. Satisfeito, segui o meu caminho, pensando no meu poder de persuasão, até que me deparei com a manchete de um jornal dando conta da prisão de Julian Assenge, responsável pelo site WikiLeaks, numa represália evidente pela divulgação da correspondência sigilosa da diplomacia americana. Ao chegar em casa pensei em ligar para o meu amigo e lhe dizer que talvez ele estivesse com a razão, mas desisti. Afinal, embora a civilização possa evoluir, a natureza humana continuará sendo a mesma, para o bem ou para o mal.
Carlos Augusto Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba
Carlos Augusto Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba
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Em nome da mãe
*Roberto Victor Pereira Ribeiro
Recentemente o ínclito Ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça, produziu respeitosa decisão acerca da retificação do registro do filho para inserir o nome de solteira da mãe divorciada. É cediço que quotidianamente os processos de divórcio crescem em nosso País e, como reflexos desses processos, surge uma questão muito interessante. Se houver pedido da parte para modificação do nome de casada para o nome de solteira da mulher, o que acontece com os documentos dos filhos depois dessa autorização do juiz? Não é difícil encontrarmos mulheres que reclamam dos constrangimentos que passaram quando foram requerer a confecção da carteira de identidade dos filhos, ou matricular o filho na escola, ou para autorizar viagens etc. Esses percalços acontecem em razão de constar na certidão de nascimento dos filhos o nome de casada da mãe. Faz-se mister para evitar esses constrangimentos que a mãe porte, além da identidade, a certidão de casamento averbada do divórcio. Concordemos que essa prática; essa “obrigação” é muito constrangedora para a mulher que às vezes passou por um processo de divórcio muito desgastante. Além do que, para todos os efeitos de cidadania e de existência civil, a comprovação deve se fazer através da identidade civil e nada mais. O sonhado é que a mulher possa fazer constar na certidão dos filhos, o seu nome de solteira, após o divórcio. Muitas mulheres vem buscando a guarida judicial para dirimir e acabar com essas situações. Porém, muitos juízes vem indeferindo tais pedidos, alegando em suas sentenças que essa conduta fere o princípio da segurança registrária. E a dignidade humana não vem sendo lesada? Nas sábias palavras do eminente Ministro Sidnei Beneti, aplaudimos: “na dignidade da pessoa humana reside, por sua vez, a origem dos direitos ao registro e à identificação pelo nome e pela filiação, direitos estes irrenunciáveis. Assim, a documentação pessoal, que viabiliza a identificação dos membros da sociedade deve refletir, de forma fiel, a veracidade das informações, incluída a relativa à filiação”. Podemos demonstrar que, além da egrégia decisão do Ministro, temos outra fonte para respaldar esse direito feminino. Trata-se da lei 8.560, que no art. 3º autoriza a mudança do patronímico materno, em decorrência de casamento, no termo de nascimento do filho. Oras, se pode haver uma alteração para incluir um nome de casada, no termo do filho, onde consta o nome de mãe solteira, por que não pode haver o inverso? Quando a mãe casada passa a ser divorciada, e assim assume novamente o nome de solteira.
* O autor é advogado do Ribeiro Advocacia & Advogados Associados e escritor da Academia Brasileira de Direito * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * ESPAÇO LIVRE
Artigo 71 de Lei 8666/93 e a terceirização de atividade essencial do Estado
*Luciano Augusto de Toledo Coelho
Por votação majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, na última quarta-feira (24/12), a constitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666, de 1993, a chamada lei de licitações. O dispositivo prevê que a inadimplência de contratado pelo Poder Público em relação a encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem pode onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. A decisão é preocupante. Em face de modernas teorias de gestão, as quais exigem maior agilidade nos serviços públicos, tem sido prática dos entes públicos terceirizarem as atividades em áreas essenciais como saúde e educação, ora com objetivos de melhorar o serviço, ora como forma de simplesmente conseguir prestar o serviço, eis que os limites orçamentários e legais, principalmente em pequenos municípios, muitas vezes com orçamentos já comprometidos, dificultam sobremaneira o exercício da administração. A constituição federal, em seu artigo 205, atribui a educação a um dever do estado e no artigo 196 dá o mesmo tratamento para a saúde, atribuindo-lhes relevância fundamental. Embora autorize, é verdade, que tais atividades sejam realizadas por terceiros, tal direcionamento é supletivo, impõe deveres e contém imensos limites ao ente que terceiriza. O maior desses limites é o direito do trabalhador empregado da empresa terceirizada. O trabalho é um dos grandes vetores constitucionais, ante os direitos do trabalhador elencados expressamente na carta constitucional, elevados a garantias fundamentais. Tais direitos não podem ser aviltados por procedimentos administrativos que, embora com os objetivos de agilidade e melhora no serviço, precarizam salários, garantias e condições de trabalho daqueles que prestam serviços em áreas essenciais. O reflexo desse processo atinge toda a população e tem consequências que acabam sendo suportadas por toda a sociedade mais cedo ou mais tarde. Não é sem razão que o Tribunal Superior do Trabalho já de longa data protege os direitos dos trabalhadores terceirizados pela administração pública, com o entendimento preconizado na Súmula 331, estabelecendo a responsabilidade subsidiária do ente público. Em nosso sentir, o artigo 71, da Lei 8666/93, estabelece posição não recepcionada pelo ordenamento jurídico analisado de forma sistemática, na medida em que licitações sem garantias e a falha na fiscalização do correto pagamento aos trabalhadores violam os artigos 186 do Código Civil de 2002, 8º, 9º e 444 da CLT. Na medida, ainda, que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho (artigo 170 da CF), acrescendo-se ainda um princípio de justiça contratual (artigo 421 do CC/2002) que se manifesta na boa fé objetiva (artigo 422 do CC/2002), inviável desproteger o trabalhador quando qualquer parcela alimentar não lhe seja paga corretamente. Não foi, assim, intenção do legislador deixar o trabalhador à míngua em casos de responsabilidade do tomador do serviço. Portanto, o artigo 5o, II, da Constituição Federal e o artigo 1o, IV referente ao princípio da dignidade da pessoa humana, terminam por afastar, cabalmente, qualquer tentativa de interpretação no sentido de que o ente público não teria responsabilidade pela terceirização de atividades, máxime aquelas envolvendo dever fundamental do Estado. Se por um lado a terceirização, a privatização ou as parcerias através de organizações sociais podem trazer a agilidade tão necessária aos serviços públicos em um país ainda carente de infra-estrutura e de qualidade de serviços essenciais, por outro, não podem ser razão de precarização de direitos trabalhistas e diminuição das garantias de recebimento de créditos, originando demandas em massa, todas responsabilizando os entes públicos da administração direta ou indireta pelo não pagamento de parcelas salariais das empresas terceirizadas. A não responsabilização da União e demais entes públicos, a médio prazo, poderá acarretar centenas de ações trabalhistas inadimplidas, o que contraria as próprias metas do CNJ no sentido de equacionamento das execuções, e com reflexos sociais gravosos na medida em que milhares de trabalhadores poderão não receber seus créditos, trazendo desprestígio e descrédito para a justiça do trabalho.
* O autor é Juiz do Trabalho. Mestre em Direito pela PUC-PR. Coordenador de Cursos da Escola dos Magistrados do Trabalho do Paraná – Ematra.
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PAINEL JURÍDICO Desembargadora A advogada Ivanise Maria Tratz Martins toma posse hoje como Desembargadora do TJPR. A solenidade será às 17h30min, no edifício anexo ao Palácio da Justiça. Ivanise é mestre em Direito do Consumidor e professora da disciplina de Direito do Consumidor do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). Ela integrava a lista sêxtupla da OAB-PR
Micro Empresa que comprova, através do seu faturamento, que não tem condições de pagar o valor é referente ao depósito prévio da Ação Rescisória que ajuizou, tem direito a gratuidade da Justiça para continuar com a ação. O entendimento é da Seção II Especializada em Dissídios Individuais do TST.
Casa nova O advogado Marcelo Augusto de Araújo Campelo passa a atuar no escritório Athayde&Athayde Advogados Associados, de Curitiba (PR), com foco no Direito Empresarial. Campelo é graduado em Direito pela PUC do Paraná. Pós-graduado em Direito Público pelo IBEJ, especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela LEX.
Ampliação A partir do ano que vem a Escola da Magistratura (EMAP), além dos nove Núcleos já atuantes em Curitiba, Ponta Grossa, Londrina, Cascavel, Maringá, Umuarama, Jacarezinho e Francisco Beltrão, passa a oferecer curso de preparação à magistratura também na cidade de Pato Branco. “Fechamos este ano de 2010 com ótimos resultados e grandes perspectivas como a extensão de mais esse Núcleo”, afirma o diretor-geral da EMAP, Fernando Prazeres.
Alimentos A sentença que estabelece pensão alimentícia em valores menores aos provisórios não retroage para alcançar aqueles estabelecidos e pendentes de pagamento. O entendimento é da 4ª Turma do STJ.
Cirurgia Uma empresa que negou autorização para que o seu empregado se submetesse a uma cirurgia, com a utilização de um bisturi ultrassônico, foi condenada a pagar indenização de danos morais no valor de R$ 10 mil reais. A decisão foi da 7ª Turma do TST. MP tem poder para investigar policiais O Ministério Público tem poder para investigar policiais. O entendimento é da 2ª Turma do STF.
Encontro Comissão de Direito Eleitoral da OAB Paraná traz hoje a Curitiba o advogado Torquato Jardim, um dos relatores da comissão do Senado que estuda a reforma do Código Eleitoral. Num encontro com advogados, juízes e promotores paranaenses que atuam na área, Jardim falará sobre os principais aspectos da lei que estão sendo revistos. A reunião, às 19h, na sede da OAB PR.
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DIREITO SUMULAR Súmula nº 427 do STJ — A ação de cobrança de diferenças de valores de complementação de aposentadoria prescreve em cinco anos contados da data do pagamento.
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LIVRO DA SEMANA
Com este livro, o autor pretende dar sua contribuição para esta importantíssima questão institucional, minutando um Anteprojeto de Código Comercial. O diploma proposto trata, na Parte Geral, do conceito de empresa, do empresário individual, do registro do comércio, da escrituração, do estabelecimento e do comércio eletrônico; na Parte Especial, das sociedades empresárias, dos títulos de crédito, dos contratos empresariais e da crise da empresa (falência e recuperação). Fabio Ulhoa Coelho — O Futuro do Direito Comercial — Editora: Saraiva, São Paulo 2010
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* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * A CONDUTA E O DIREITO PENAL
Lamentável reforma do Processo Penal
*Jônatas Pirkiel A mais recente reforma do código de Processo Penal, particularmente no ponto que elimina a “vinculação do juiz à decisão”, princípio chamado de “identidade física do juiz”, vai tornar a justiça mais lenta e, até mesmo, inexeqüível, pois agora serão dois juízes, em vez de um, para julgar o processo. Isto porque, a reforma aprovada pelo Senado e que irá para votação na Câmara, determina que o juiz que instruiu o processo não julgue. A chamada identidade física do juiz, vigorante há muito no processo civil (artigo 132), que foi admitida em nosso processo penal através da Lei no. 11.719/2008, que deu nova redação ao parágrafo segundo, do artigo 399 (o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença), agora é, não mais que dois anos depois, eliminada pela reforma aprovada. A instituição de dois juízes para a condução do mesmo processo é uma coisa improvável de acontecer na estrutura do nosso judiciário, onde faltam juízes, e fere de morte a garantia da ampla defesa, pois o juiz que preside a instrução não será mais o que julga a causa. Não precisa ser um operador do direito penal para ver que isto me um retrocesso. Pois situação semelhante somente foi conhecida ainda no Brasil colônia, na vigência das Ordenações Manoelinas. A identidade física do juiz com o processo, realizando a instrução, apreciando as provas, ouvindo as partes envolvidas é justamente o que permite o convencimento efetivo do juiz acerca das razões da prática ou omissão dos fatos que são atribuídos ao acusado. Desta forma, a decisão será mais justa e adequada. O cúmulo do absurdo é a eliminação do princípio da identidade física do juiz, consagrado em nosso direito processual penal depois de quase setenta anos. Agora, eliminado depois de dois anos de sua instituição, que tornará a justiça ainda mais lenta. A audiência que passou a ser uma, com a valoração do princípio da ampla defesa, quando o acusado passou a se defender não só dos fatos narrados na denúncia, mas também das próprias provas produzidas, pois passou a ser ouvido ao final da instrução, agora fica divida em muitas partes, pois a instrução é uma fase e a sentença é outra, com o agravante de que presididas por juízes diferentes. Melhor que isto, se o objetivo é romper com os princípios da ampla defesa e com outras garantias constitucionais, é só jogar os dados do processo dentro de um programa de computador e pedir para que a máquina condene ou absolva com base nos dispositivos penais aplicáveis. Poderá a máquina, com um programa mais sofisticado, até reconhecer a inimputabilidade, a legítima defesa, a desistência voluntária, o arrependimento eficaz e a prescrição. Como diria o Boris Casoy, é uma vergonha!
* Jônatas Pirkiel ([email protected]). * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA [email protected]
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