A suposta facilidade de relacionamentos entre pessoas, produto de recursos “online” cada vez mais rápidos, abrangentes e sofisticados, ao contrário do que se poderia esperar produz cada vez maior afastamento e mal entendidos. Aparentemente não temos interesse real no que a psicanálise chama “o outro” e sim na nossa própria imagem projetada sobre a idealização deste outro. Uma das piores consequências deste fato é o absurdo crescimento de violências e agressões provocadas por quebra de confiança entre pessoas, confiança esta que se baseia unicamente em expectativas fantasiosas sobre o que as pessoas deveriam ser, pensar ou querer, e não na realidade.
Os chamados crimes passionais, dos quais os feminicídios já se tornam epidemia, não se baseiam em “paixão”, “coração partido” ou quejandos, e sim no sentimento de traição ao direito de propriedade. O investimento pessoal, ou material, em um romance deveria trazer um retorno correspondente ao que o “investidor” acredita ter empregado, e jamais teria como resultado o desgaste natural das relações humanas. Ao se ver superado ou substituído em sua fantasia amorosa, o agressor ou agressora tem o sentimento de fracasso ou roubo ao seu direito de preservar pela eternidade o que é na verdade efêmero: juventude, atração, controle, domínio; loucura enfim. E esta loucura costuma ter resultados desastrosos para os envolvidos.
Embora pareça contraditório, dadas as diversas possibilidades de relacionamento proporcionadas pelo ciberespaço, já que atualmente é bem mais fácil encontrar pessoas com interesses afins e existe maior rapidez nas comunicações, propiciando “troca” mais frequente de amigos e relacionamentos amorosos, é visível que sentimentos como o ciúme estão sendo muito potencializados. O ciúme é provocado, e muitas vezes piorado, pelo arquivamento do histórico de conversas, mensagens enviadas e recebidas e recados, muitas vezes sem qualquer reflexão, nas redes sociais.
Pessoas ciumentas encontram formas mais tecnológicas de exercer controle sobre o outro, muitas vezes reforçando um sentimento de insegurança e alimentando hipóteses de supostas traições; medos que antes não se explicitavam ficam mais fáceis de serem expostos nos meios virtuais, a sensação possivelmente é a de que “fala-se para si mesmo”, por isso inclusive intenções violentas terminam sendo expostas. Invadir a privacidade de outros, fotos inconvenientes, xingamentos e ameaças mostram condutas que presencialmente não se expressariam, mas que no ambiente das redes sociais parecem perfeitamente válidas.
A “modernidade líquida”, metáfora utilizada pelo sociólogo Zygmunt Bauman se tornou um meme por mostrar que tanto nas relações humanas quanto na economia e no campo político os valores como consumismo, individualismo, instantaneidade, ambivalência, tem consequências nas relações afetivas; o ciberespaço e suas infinitas possibilidades de amar, sofrer, ter amigos e inimigos aparentemente sem grandes consequências termina por reunir grupos de ódio, negacionistas, e extremistas da mesma forma que poetas, amantes da natureza e filósofos.
A união de pessoas com interesses afins, as ajudas sentimentais aos que necessitam de conselhos ou sofrem de solidão, as aulas sobre assuntos diversos, gratuitas ou cobradas, o compartilhamento de cuidados aos animais, convivem com pedofilia, culto às armas e aos comportamentos agressivos.
A expansão do ciberespaço deve-se aos jovens de praticamente todos os países pela comunicação diferente daquilo que as mídias clássicas permitiam, pois ali além dos jovens, pessoas de todos os perfis sociais, cultuais e até mesmo econômicos, interagem de maneira rápida e fácil, sentem-se seguros pelo convívio e ao mesmo tempo inseguros por qualquer comportamento dos demais.
O bem coletivo é substituído pelo individualismo, os laços duradouros substituídos pelas relações efêmeras, nas quais as emoções substituem a estabilidade.
Evidentemente o ciberespaço não é causa para o mal-estar gerado pela fragilidade dos vínculos afetivos, mas uma boa parte da responsabilidade pode a ele ser atribuída, a interatividade favorece o excesso de exposição e confiança, os clãs de pensamento único se manifestam, e vemos surgir uma violência que explode nas escolas.
Como tratar essas violências é desafio não apenas para professores, mas para toda a sociedade.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.