Muitos assistiram a derrocada de um dos principais times do estado, e acusações de mistura com a necropolítica da pior espécie fizeram comemorações veladas aparecerem somadas às inevitáveis das torcidas rivais.
As relações entre Estado e futebol sempre foram confusas, e muitos governos autoritários, além de dirigentes de várias colorações ideológicas, sempre tentaram se apropriar do prestígio que o esporte tem diante da população, com certa esperança de que a fama que equipes e jogadores conquistam em campo fosse associada aos seus governos.
De outro lado, os mais velhos assistiram também a seleção polonesa na Copa do Mundo de 1982, realizada na Espanha, que ostentava com orgulho a bandeira do movimento sindical Solidariedade.
Futebol sempre esteve ligado aos trabalhadores, aos estudantes, que em momentos de lazer tinham neste esporte – considerado barato e popular – sua maior atividade de lazer.
Nas escolas até hoje faz a alegria de crianças e jovens, sucesso das aulas de educação física, sobrepujando muitas outras atividades físicas.
Intelectuais resistiram, escritores como Lima Barreto e Graciliano Ramos consideravam que isso apenas nos distraia de nossas misérias, enquanto muitos outros, como Coelho Neto e Nelson Rodrigues foram entusiastas desse esporte.
Na época da ditadura militar, em meio a prisões, torturas e mortes, a Seleção brasileira tornou-se tricampeã do mundo no México, a aclamação popular fazia com que o general Garrastazu Médici aparecesse na TV fazendo “embaixadinhas” com a bola; e este não foi um privilégio brasileiro, na Argentina, igualmente sob regime autoritário, a Copa do Mundo também foi utilizada para estimular o patriotismo e legitimar o regime.
Um novo viés acometeu o futebol do terceiro mundo quando clubes milionários da Europa passaram a importar jogadores talentosos de onde estivessem. Apesar de representar um bem vindo e talvez merecido enriquecimento dos atletas, enriqueceu muito mais dirigentes e intermediários, sucessores dos mercadores de escravizados de outrora; não à toa quando se fala em contratação de algum jogador a expressão singela é que foi vendido a tal clube ou comprado por ele. O esporte nunca mais foi o mesmo: saudosistas das Seleções brasileiras vencedoras de Copas do mundo parecem não lembrar que aqueles times contavam basicamente com “gente da casa”, jogadores escolhidos dentre os que brilhavam, ou nem tanto em alguns casos, em campeonatos nacionais ou regionais, e estavam a uma pequena distância do centro de treinamento. Atualmente, grande parte do selecionado é escolhida “globalmente” e muitos jogadores são apresentados a seus colegas quase na hora de entrar em campo. Talvez isso funcione, mas não é o que os resultados pífios dos “canarinhos” têm demonstrado.
O grande Edson Arantes do Nascimento, o maior jogador que o mundo, inclusive a Argentina, já viu, talvez tenha inaugurado essa prática quando foi jogar no Cosmos dos EUA, mas nesse caso totalmente justificado pelos excepcionais serviços já prestados ao nosso futebol, por estar praticamente aposentado sem compensação financeira à altura de sua genialidade e ter contribuído decisivamente para expandir o “soccer” nas terras do tio Sam.
Ao lado dos clubes profissionais, dos direitos de arena, da violência exacerbada das torcidas organizadas, dos ingressos caros, persiste a paixão nacional. Em qualquer canto de rua de subúrbio joga-se bola, de meia ou não, e ainda que as “gerais” dos estádios tenham se sofisticado em nome de uma necessária segurança e nem tão necessária ganância, somos um povo que gosta de assistir e jogar, apesar de tudo.
Crianças e jovens jogarão entre si e até mesmo com seus professores, gritos de alegria numa escola raramente não estão associados a estes jogos, estudantes disputam campeonatos e se orgulham de seus feitos, colegas, pais, professores e funcionários torcem e ficam felizes. Raro contentamento no país atualmente.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.