Aluno real versus aluno ideal

Por Wanda Camargo | assessoria@unibrasil.com.br

Machado de Assis abordou a questão das mudanças recíprocas do observador e do observado com o passar do tempo. Trata-se de um homem, nostálgico dos natais de sua infância, que se propõe escrever um soneto evocando a magia de que lembrava, e não conseguindo revive-la conclui: Mudaria o Natal ou mudei eu?

Todos passamos por algo semelhante em vários níveis, os lugares, as instituições, as pessoas, os costumes mudam. Quando contemplamos aquilo que já vivemos sempre nos surpreendemos em como mudou, e mais nos surpreendemos com nossas próprias mudanças.

Muitos educadores parecem às vezes esquecer este fato quando lamentam o eventual desinteresse de seus alunos pelo que lhes apresentam. O aluno em que pensam é o de sua época de formação, e não existe mais, ou talvez nunca tenha existido.

Há pouco mais de vinte e cinco anos o telefone celular era artigo de luxo, acessível a poucos. Segundo a Anatel, em abril de 2016 o Brasil contava com 256,4 milhões de celulares, o equivalente a 124,66 aparelhos por 100 habitantes. O acesso à Internet, antes recurso raro e caro, de acordo com o IBGE-PNAD passou a estar presente em mais da metade dos domicílios brasileiros, através de computadores pessoais, tablets e telefones celulares.

No mundo todo, e não apenas no Brasil, a Internet revoluciona a comunicação interpessoal, o acesso à informação, os modos de trabalho, os empregos e, evidentemente, a Educação.

Quando consideramos que a Suécia já em 1875 apresentava mais de noventa por cento de sua população adulta alfabetizada, e que a maioria dos países ocidentais tinha cerca de 50% de sua população com pelo menos o nível primário de educação já em meados dos anos cinquenta do século passado, ou seja, tinham seus processos instrucionais sistematizados e especializados para um grande alcance populacional, com o Estado respondendo pelo processo de transmissão organizada do conhecimento, é que percebemos o longo caminho que nosso país tem a percorrer nesta área.

Escolas são consideradas os espaços sociais mais adequados para a reprodução dos valores tidos como importantes para a preservação da cultura, da ciência e, em última análise, da própria comunidade em que se inserem.

No entanto, famílias em crise, em processo intenso de transformação, assim como quase todas as organizações humanas, dado o difícil processo político e econômico brasileiro atual, tem delegado às escolas funções que tradicionalmente eram de sua responsabilidade, como a transmissão de atitudes, comportamentos éticos e concepções de vida comunitária.

O perfil dos estudantes mudou sensivelmente nos últimos anos, não apenas em decorrência do acesso imediato a informações e comunicação proporcionado pelos meios eletrônicos, mas por que o universo educacional foi ampliado com o ingresso massivo de parcelas da população que não frequentavam a escola, ou se o faziam era em pequeno número e de forma precária. As necessidades, as curiosidades, as expectativas deste novo alunado não são as mesmas de gerações anteriores, e cabe às escolas e aos educadores conhecê-las e, na medida do possível e daquilo que possa integrar um currículo amplo e sem preconceitos, atende-las. Todos os jovens, todos os estudantes são importantes para o país, para todos nós, são importantes em si mesmos; não podemos perdê-los, não podemos deixar que se desencantem com a educação, que a vejam como algo que não fala com eles, que não os ouve e que não os atende.

É como se, em cada confronto, a instituição apenas pudesse se lamentar por um pretenso aluno ideal que deixou de existir; enquanto o aluno real parece firmar sua presença pela indisciplina, e algumas vezes até pela violência.

Por Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.