A História, descrita pelo político a orador romano Cícero como sendo “testemunha dos tempos, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, mensageira do passado”, embora nem sempre expressando a verdade – eternamente contada pelos vencedores, pelos poderosos, pelos mais cruéis –  apenas aponta que o domínio da arte da palavra foi considerado essencial para a formação humana, para o processo da civilização, mas igualmente como forma de poder, de predomínio sobre os demais, de criação da narrativa que atende aos interesses momentâneos.

Desde os primórdios da escrita, usar as palavras de maneira agradável ao leitor e seguindo as regras estabelecidas para esta técnica de comunicação foi parte do aperfeiçoamento humano, incluída nas qualidades necessárias ao desenvolvimento pessoal e social, desde a necessidade cuidar de si mesmo até o cuidar do outro, um modo de melhorar a cultura e instruir-se, com o máximo possível de emancipação, o que só pode ser alcançado por meio da  educação, que representa bem mais que o processo institucional e instrucional. Por isso, a interação entre estudantes e docentes é considerada universal e insubstituível.

Em nosso país, por mais degradadas que se encontrem algumas áreas por falta de investimentos e percepção da sua importância, como as mais voltadas à ciência e tecnologias, e embora soframos certa alienação do universo cultural e um crescente descrédito quanto ao papel e à relevância da Educação e o desprezo pelas dimensões ética e política como bases da sociedade atual, é importante observar que este aperfeiçoamento continua sim extremamente importante e significativo.

Uma característica forte de nossa época , marcada pelas Fake News, é a presença da dúvida sobre tudo entre a parcela mais esclarecida da população, a que tem acesso e interesse nas boas fontes de informação e que não depende exclusivamente do WhatsApp para formar opinião acerca do mundo em que vive.  Em paralelo vemos a absoluta convicção que caracteriza os menos instruídos ou menos bem intencionados, provando que a ignorância é inimiga da dúvida.

Todo novo pensamento tem origem na contestação das crenças que o antecederam, pondo-se em questão tudo o que se lê, ouve ou é trazido por imagens. Confirmando Karl Marx: “tudo que é sólido desmancha no ar”.

A educação em massa, sucedendo a prensa de tipos móveis, proporcionou a muito mais pessoas acesso a novas ideias, estilos diferentes de vida e valores estranhos à sua comunidade. Mais modernamente, os meios de comunicação expandidos pelas redes sociais, pelo uso da informática na educação, por mais filmes tanto em cinemas quanto em plataformas digitais, mostram cada vez mais abordagens diferentes daquilo que antes se imaginava constituir a realidade.

No entanto, a pluralidade de opiniões e conceitos, de religiosidades e comportamentos aumentam exponencialmente no mundo, trazendo mais dúvidas que certezas. O próprio sentimento religioso é assunto controverso: desde o Iluminismo, movimento cultural europeu do século XVII que procurava o predomínio da razão, esperava-se a extinção do pensamento mágico e da religiosidade, que permanecem e se mostram bastante fortes desde o início do pentecostalismo.

Aparentemente enfrentamos uma crise de valores e crenças, em grande parte determinada pelas imensas transformações tecnológicas que aceleram os processos de mudança social, por uma economia instável e mudanças radicais no perfil dos empregos.

Existem direitos inegociáveis, liberdade de expressão e de escolha, igualdade, justiça, saúde, vida digna; mesmo esses são sujeitos à mutabilidade do tempo, há pouco mais de cem anos pessoas eram escravizadas dentro do aparato legal do Estado, o direito do “chefe de família” se sobrepunha aos demais membros deste grupo, variedades de gênero não eram sequer cogitadas, o racismo era tido como defesa social. A evolução do pensamento, filha da dúvida e da reflexão, produziu alguma melhoria, embora ainda longe do ideal.  

Mais que nunca é preciso não deixar de acreditar sem deixar de duvidar e de perguntar. Não podemos duvidar da justiça, no direito à liberdade e à igualdade, na democracia como forma de garantir a liberdade, isonomia e vida digna.

Para garantir democracia é preciso duvidar de mitos e super-homens, já que este é um regime de poder para o povo, dos homens comuns e trabalhadores, que apenas podem progredir se tiverem oportunidades de educação e cultura.

Duvidar sempre das crenças muito simples, da impossibilidade de solidariedade, da inevitabilidade  do conflito, do armamento como forma de conseguir a paz.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.