Em tempos de polarização e manifestações públicas de agressividade, é pertinente pensar sobre as situações vivenciadas pelas crianças na família e na escola.  

O que chamamos de vida cotidiana é caracterizada por muitas singularidades: desde as crenças religiosas, as percepções, os valores e motivações do círculo mais estreito, e também aqueles da coletividade, tipos de trabalho exercidos pelos pais e vizinhos, a participação social das crianças em atividades familiares de rotina que afetam o sentimento de pertinência ou solidariedade, como as refeições em família, as brincadeiras familiares, a contação de histórias, cantos ou leituras conjuntas.

A frequência semanal destas atividades de rotina, em todas as pesquisas educacionais aparece como indicador de melhores níveis de saúde mental dos jovens e crianças, reforçando uma percepção comum aos contextos familiares: quanto mais próximos e divertidos os contatos, menos transtornos juvenis e menos dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar.

Qualquer que seja a configuração da família, se esta consegue proporcionar relações de afeto e de compromisso entre aqueles que a compõe, o desenvolvimento das crianças e adolescentes e as estratégias que permitem independência e socialização se manifestam, e elas lidam melhor com as questões de poder, hierarquia e apoio emocional na relação com todos os demais.

A correlação entre transtornos emocionais nas crianças e a presença de situações adversas nos contextos familiares é bastante alta, e costuma levar a dificuldades escolares. Particularmente a criança que sofre punição física grave, assiste a violência conjugal física, embriaguez de algum dos responsáveis, vulnerabilidade social, poderá apresentar tendência à agressividade mais acentuada, e isso propiciará que venham a apresentar atitudes violentas na vida diária.

Em todo grupo social ou familiar há sempre uma disputa pela precedência, pelo melhor lugar, pelo “lugar de fala”, pelo poder em suas diversas manifestações, e isso é saudável na maior parte dos casos, a menos das relações abertamente tóxicas. Brigas entre irmãos e amigos próximos são relativamente comuns e não constituem motivo de preocupação  se não envolverem episódios brutais ou de franca crueldade.

As relações entre pessoas devem ser reguladas pelo bom senso e educação, mas nem sempre é o que acontece, desentendimentos ocorrem com frequência, e são formas de estabelecer limites e firmar personalidade. No entanto, quando as relações se tornam extremamente agressivas, quando a capacidade de ouvir o outro é quase inexistente, pois cada um está certo de que apenas a sua opinião deve prevalecer, mesmo que esta contrarie a lógica, a ciência e o senso comum, quando todos os que não comungam da mesma cartilha são inimigos, a convivência torna-se impossível. Aqueles, jovens e crianças, ainda em fase de formação, aprendem a não se importar com os demais, a impor-se pela força, a usar a provocação como arma.

A conduta injuriosa tende a tornar-se a comum em ambientes conflagrados, seja no meio profissional ou escolar, a contenção da personalidade é encarada como defeito, e a hostilidade é vista como natural. Certamente não é o desejável para que uma comunidade possa desenvolver-se, avançar sua tecnologia e obter melhoria na qualidade de vida.

A civilização define-se pelas regras que cria, impõe e segue; regras indispensáveis ao convívio de pessoas e interesses diversos. Na maior parte dos países estas regras são expressas em Constituições escritas, ou não, como é o caso do Reino Unido que segue um conjunto de convenções, mas obedecidas em condições normais; a ruptura constitucional é geralmente o primeiro passo para os golpes de Estado e o caos.

O clima de harmonia, que pode ser quebrado eventualmente por algumas pequenas brigas, é essencial para uma personalidade saudável.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.