Notícia recente na mídia impressa registra que dois irmãos no Reino Unido, que viam com apreensão a mãe ganhar notoriedade pelas suas publicações negacionistas durante a pandemia, e que por este motivo teve seu registro de enfermeira cancelado por desinformação, tinham uma irmã com o diagnóstico de câncer. Os médicos garantiam que ela teria alta chance de sobrevivência se passasse por uma quimioterapia, e eles culpam diretamente as teorias conspiratórias da mãe pela morte desta irmã de 23 anos seis meses após o diagnóstico. Oncologistas estão afirmando que essas crenças estão se tornando cada vez mais comuns.
Mas o fato é que a filha confiava na mãe, que declarava que estes tipos de tratamento não funcionavam, seriam venenos que médicos insensatos aplicavam nas pessoas, e prescrevia um tratamento baseado principalmente em enemas de café. Evidentemente os irmãos, e até mesmo o namorado, tentaram dissuadir a jovem deste posicionamento. Entretanto, por uma questão talvez de dever filial, não conseguiram que ela aceitasse a terapêutica com respaldo da ciência, e que já auxiliou muitos ao longo dos anos. Sem desejar contrariar a mãe, mas aparentemente pouco convicta, recusou.
Se pensarmos em multidões que durante a pandemia negaram-se a tomar vacinas, baseados principalmente num político aparentemente psicopata e sem a menor formação em saúde, não é de estranhar.
Confiança foi estudada pela Psicologia a partir da década de 1960, em estudos que ressaltavam a importância do desenvolvimento da confiança entre os indivíduos, e a confiança interpessoal em áreas como saúde, economia, ciências administrativas, filosofia e várias outras.
Sem confiança parece ser impossível constituir as bases de uma sociedade, e seus pressupostos representam um ponto de intenso debate na literatura. Este sentimento parece ser estabelecido por aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais.
Estamos assistindo atualmente pessoas em situação de comando tendo atitudes erráticas e prejudiciais até em nível planetário, que perdem a credibilidade por mudarem de ideias com frequência, indo e vindo em decisões impensadas memo quando a vida dos demais estão envolvidas.
A humanidade sempre conviveu com lendas, narrativas dissociadas de qualquer fato verificável que suprem a necessidade de controle sobre a realidade. A imaginação preenche lacunas aparentes no mundo concreto ou visível; deste modo os raios de tempestade por vezes incendiários, as pestes que assolam os povos, os mares intermináveis e perigosos, todos os fenômenos naturais, tudo requer explicação e esta é debitada à vontade dos deuses, às feitiçarias, à planura da Terra. Mesmo em nossos dias, quando a ciência aclara com provas cabais muitas dúvidas físicas ou existenciais, a “fuga” permanece.
Quando não conhecem com alguma razoabilidade determinado assunto que pode lhes dizer respeito, muitas pessoas criam ou creem em fantasias de consolo, que resgatam a crença em algo mais simples num mundo complexo. Convencem muitas, abusando da confiança dos demais de mentalidade mais limitadas.
Tais pessoas mais ingênuas acabam, pela confiança cega em algumas figuras do mundo da política ou influencers televisivos, tornando-se descrentes de toda afirmação que contrarie tais fantasias, e que se destinaria a “enganá-las”, a desafiar suas certezas; negar requer menos energia mental do que pensar, ou mesmo perguntar. Assim, alguns desmerecem a confiança neles depositadas, gerando teorias conspiratórias, coleções de sandices que podem tornar-se verdadeiros genocídios ou gerar guerras fraticidas.
Confiar é necessário, não apenas na juventude, mas em toda a vida adulta. Acreditar no outro é essencial no ambiente familiar ou de trabalho, e em todos os demais.
Se a juventude não confia em professores, não há motivo para estudar, e param de pensar adultamente que vivemos num universo em que há, ou deve haver, responsabilidade pelos nossos atos; e isso se aplica aos agentes conspiratórios, ideologia ou ignorância não podem ser mantos de impunidade
O que seria uma escola, se existisse clima de descrédito entre alunos e professores, se houvesse desconfiança entre chefes e subordinados dentro de empresas, entre diplomatas de diferentes países?
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.