Copa e educação

POR WANDA CAMARGO | ASSESSORIA@UNIBRASIL.COM.BR

O futebol é esporte nacional brasileiro desde que foi trazido pelos ingleses no início do século passado, a princípio era considerado de “elite”, bastando lembrar que grandes clubes barravam jogadores negros, e não tardou a cair no gosto popular. Uma bola de trapos, um campinho e algumas pedras demarcando o “gol” eram o suficiente para que os jogos acontecessem.

O grande acontecimento aguardado por todo o país seria a vitória na copa do mundo de 1950, jogada no Brasil, bastava derrotar o Uruguai na final. Como todos sabemos, infelizmente isso não aconteceu, lançando os brasileiros em uma depressão total. A esperança de redenção na copa de 1954 também não se concretizou. Daí um sentimento de que jogadores brasileiros não teriam coragem de enfrentar os estrangeiros, o que o dramaturgo e comentarista esportivo Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira-latas”, algo que permearia a consciência coletiva além do próprio futebol, seria a verdadeira expressão de uma humildade descabida e vergonhosa.  

Nelson afirmava que futebol, e por extensão a vida, não é um jogo gentil, os jogadores ingleses por exemplo, representantes de uma nação que se propunha aristocrática e respeitadora de regras, eram os mais violentos, um mundo em que a autoconfiança e a imodéstia definem a vitória. Segundo ele a seleção era mais do que mero representante do futebol nacional, era a própria pátria de chuteiras, título inclusive de um seu livro de crônicas.

Em 1958 a vitória finalmente veio, levantando o espírito do país inteiro, basta lembrar um trecho de música da época: “eta esquadrão de ouro / com brasileiro não há quem possa…”

Isso pareceu se confirmar com a copa de 1962, mas não se repetiu em 1966.

Em 1970 a seleção estava a cargo de um técnico que teve a ousadia de afirmar que seus jogadores eram todos “feras”, algo inusitado na época; quando João Saldanha não aceitou palpites do ditador de turno foi substituído por Zagallo e este definiu as feras como “formiguinhas” mas não alterou a composição básica do time. Ganhamos a copa, o tricampeonato nos deu a posse definitiva da taça Jules Rimet que, num evento até hoje não bem explicado, foi roubada e derretida. Eram tempos tenebrosos, de censura, torturas e lutas armadas, o governo militar havia se apropriado da bandeira nacional como seu símbolo e não mais do país, houve um movimento não bem sucedido para que não se torcesse pela seleção. A explosão de alegria pela vitória restituiu nossa bandeira para todos, hasteada, exposta, respeitada de fato. O hino informal da seleção dizia: “noventa milhões em ação / prá frente Brasil do meu coração / salve a seleção…”

Hoje, mais de cinquenta anos depois daqueles eventos, tendo ganhado mais duas copas e perdido algumas, jogamos no Catar pelo hexacampeonato merecido dada a alta qualidade de nossa seleção; mas como naquele tempo saímos de um tempo em que grupos políticos se arvoram em proprietários de um símbolo nacional e se dão o direito de tentar determinar que não se apoie a seleção, pois desviaria a atenção e as energias de suas manifestações infantis pelo cancelamento de uma eleição.  

Enquanto isso, a educação no país, embora tendo algumas ilhas de excelência em todos os níveis de ensino, inclusive algumas universidades públicas competitivas no plano internacional, continuou deficitária na média de sua oferta, com professores desvalorizados e estrutura de forma geral superada e escassa, não recebeu a mesma atenção e melhoria de qualidade. Jogadores – merecidamente – receberam melhores treinamentos, reconhecimentos salariais as vezes até exagerados, atenção de equipe técnica de alta qualificação, mas professores e alunos não.

O melhor da mais nova tecnologia foi colocado à disposição desta modalidade esportiva, mas não ao sistema educativo como um todo. Faltam professores ao ensino básico e fundamental, reflexo da desimportância dada às suas formações e exercícios profissionais.

Não esqueçamos que a pátria de chuteiras é apenas isso, nosso time de futebol e não o próprio país. A pátria é muito maior que isso, é de todos os brasileiros, está acima de ideologias de direita ou de esquerda, e necessita empenho social para melhoria.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.