Escola e Circo: seriedade e alegria…

Wanda Camargo | assessoria@unibrasil.com.b

O poder constituído, entre os vários desacertos com a escola, com os quais, de forma geral, salvo as raras exceções de praxe, não tem valorizado a profissão docente nem do ponto de vista salarial nem como respeito pelos profissionais da área, também tem colaborado na manutenção de certo preconceito em relação ao circo, visto como diversão das classes mais destituídas e menos esclarecidas da sociedade. Com as ressalvas sempre válidas das atividades circenses altamente estilizadas e atraentes para as plateias, tal é o caso, por exemplo, do “Cirque du Soleil” ou “Holiday on Ice”, que oferecem espetáculos de qualidade, no entanto a preços muito altos e um pouco distantes da concepção original do circo.  

Do docente se espera dedicação aos estudantes e grande preocupação com metodologias de ensino, porém nem sempre recursos estão disponíveis, e a formação em serviço, principalmente quando este deseja adotar soluções que possam representar uma saída para captar a atenção dos discentes, são raras quando não inexistentes.

Utilizar as artes circenses, originalmente dedicadas exclusivamente ao entretenimento, mas que no entanto podem ser aplicadas com finalidades educativas ou até terapêuticas, dependem exclusivamente do empenho do professor, que normalmente utiliza imagens impressas ou vídeos disponíveis gratuitamente, como os de redes sociais, para exemplificar aos alunos uma atividade que poderiam desenvolver.

Imagens são instrumentos de informação, comunicação, motivação, conhecimento,  e a discussão sobre elas promove ensinamentos sobre a própria linguagem, um exercício de memorização e principalmente de entendimento do social, dos costumes e valores vigentes.

O professor problematiza estas imagens, criando   sentidos e estabelecendo conexões com os estudantes, ressignificando seus conteúdos e solicitando a adesão de todos para a criação de um roteiro para a representação simbólica pretendida; a sensibilidade individual do professor é essencial para o sucesso do planejado.

Atividades circenses são incipientes nas propostas curriculares brasileiras, e sempre é a iniciativa  do professor que as legitima,      mesmo que estas ainda carreguem certas resistências devidas ao fato de serem consideradas atividades perigosas.

Adaptar propostas de áreas diversas à cada faixa etária, eventualmente demanda assistência de profissionais de educação física ou até de psicólogos, de forma geral presentes nas instituições escolares.

As acrobacias individuais, coletivas e de pequenos trampolins, assim como equilibrar pequenos objetos, malabarismos, encenações de trechos satíricos, truques de mágica, podem ser utilizados com crianças de pouca idade, embora as modalidades aéreas, que permitem exibições suspensas, ou seja, sem contato direto ou duradouro com o solo, normalmente exijam um adolescente um pouco mais treinado. A fantasia do voo, cultivada desde o mito de Ícaro pela humanidade, propiciou o surgimento do trapézio, provavelmente a modalidade mais antiga e que inspirou a maior parte das variedades desta arte e os aparelhos utilizados nelas; dentre essas, o trabalho com cordas e outros elementos que permitiam subir e descer de alturas, de interesse como treinamento de soldados e também de marinheiros, constituem um imenso atrativo para os jovens.

A maior parte dos aparelhos de inspiração circense foi utilizada para o adestramento militar durante séculos e possivelmente teve origem nas próprias montagens das lonas de circo, e por isso necessita um treinamento mais específico e não sugerido exatamente aos menores.

Foram os aéreos circenses que inspiraram a Ginástica Artística, em grande evidência pelo atual sucesso brasileiro nesta modalidade, e seus atletas são reconhecidos internacionalmente pela qualidade e destreza, provocando o desejo de muitos estudantes de iniciar-se nestas modalidades, entre elas o trapézio, cordas lisas, de tecido, indianas, argolas, anéis volantes, barra fixa.

O treinamento se dá pelo desenvolvimento básico de pelo menos três competências: a objetiva, que desenvolve a autonomia do aluno por meio da apropriação técnica; a social, conhecimentos e esclarecimentos que os alunos devem adquirir para entender o próprio contexto social e cultural de suas comunidades, normalmente provida por vários palestrantes e/ou artistas de circo que se apresentam na cidade, à convite da turma ou do professor, e finalmente a comunicativa, por meio da linguagem, tanto escrita quanto corporal.

Como declarou Paulo Freire, “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunde com a prática”.

Há necessidade de se avançar ao discurso teórico partindo de ações concretas, já que o Circo está adaptando-se a uma nova realidade dentro de seu processo histórico, deixando de ser uma atividade unicamente voltada ao próprio profissional circense, e sim exercido por muitas outras pessoas não originárias desse universo e praticado  como forma de lazer, recreação ou com fins educativos.

Utilizar o circo em sala de aula implica em trabalhar nos alunos a transformação do receio do outro em abertura para o outro, perdendo o medo de errar, de fracassar, construindo o sucesso por meio do engano, aceitar o intenso como parte da vida, misturando o riso de alegria com o trágico, abandonando a pretensão de controle – experimentar o transtorno e as urgências da vida. E rir delas.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.