Espécie que escreve

Wanda Camargo | assessoria@unibrasil.com.br

Somos a única espécie que têm ideias, opiniões, sonhos e que faz Literatura. Desde que as grandes narrativas gregas e orientais deixaram de ser transmitidas apenas no modo oral nós passamos a escrever nossas histórias, dramas e poesias. Somos uma espécie que escreve.

A escrita sempre esteve ligada à cultura, à vivência e ao ambiente de quem escreve, manifestação inequívoca de seu talento e criatividade.

Nisso, não faria sentido falar em “literatura feminina” apenas em referência àquela produzida por mulheres, mas há algum sentido em considerar que, pelo menos até um tempo bem próximo do nosso, mulheres processam as mesmas experiencias que homens de modo diferente. Não melhor, nem pior, tampouco “mais sensível”, mas diferente. Nenhum homem escreveria como Clarice Lispector, Ligia Fagundes Telles, Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Cecília Meireles, Cora Coralina… para citar apenas alguma brasileiras; suas obras são universais mas só poderiam ter sido escritas por mulheres. No país de Giovana Madalosso, Luci Colin, Adélia Prado, Alice Ruiz, Helena Kolody e tantas outras isso não deveria ser novidade. Mas às vezes parece que é.

E mulheres também escrevem poesias, o que é menos lembrado ainda, pois poetas raramente são  comentados, sejam masculinos ou femininos.

Na área educacional, considera-se que o Brasil tem seu início numa carta, quase literária, enviada da Ilha de Vera  Cruz  por Pero Vaz de Caminha contando ao  Rei  D. Manuel  sobre  a  nova colônia,  e nestes séculos depois disso muito  se  escreveu  e  muito  ainda  se  escreve, no entanto quase sempre por homens, alguns de destaque, outros nem tanto, mas pouquíssimas autoras obtiveram espaço para suas palavras.

Aparentemente considerava-se que homens teriam mais capacidade literária do que as mulheres, e desde o ensino  médio,  quando a literatura  começa a ser ensinada de forma mais sistemática, mesmo que algumas vezes de maneira um pouco superficial, a ênfase recai nos  autores  supostamente  mais importantes. Com raríssimas exceções, a mulher inexiste no cenário literário brasileiro até meados do século  XX,  em que algumas escritoras  começaram  a  fazer  parte  das antologias de   literatura   brasileira.  

Livros escritos por mulheres, de prosa ou de poesia em  sua  maioria,  nesta época abordam temáticas  universais, e uma literatura tratando da questão da mulher como gênero  distinto,  com diferenças palpáveis em relação ao universo masculino, só inicia ao final do século passado.

A polêmica em torno de uma instituição de ensino que adotou apenas autoras para sua prova de vestibular despertou paixões, com boa maioria de pessoas considerando absurda a decisão; embora em anos anteriores a quase totalidade de autores fossem do sexo masculino em seus exames. Considerada uma atitude de reparação, teve o mérito de trazer o assunto para o centro das discussões.

Homens e mulheres talentosos escrevem bem, ler ambas as visões de mundo é adequado na fase de formação emocional, de ampliação do vocabulário e mais que isso, de formulação de conceitos que regerão a vida adulta, a convivência e a empatia. Mais e mais mulheres tem escrito, no Brasil e mundo afora, muitas mostrando a memória do interior das casas, na intimidade, recordações, fatos acontecidos com elas pais, familiares, expondo sofrimentos dos quais ninguém se apercebia.

A leitura e a escrita são essenciais ao desenvolvimento intelectual, emocional e até afetivo de qualquer criança, proporcionando autonomia e elaboração dos saberes científicos, conhecimento de si mesmo e dos demais seres humanos.

Uma questão recorrente é o “fim do livro”, como se a forma de divulgação da escrita fosse o essencial, quando é a escrita em si, seja em papel, meio eletrônico ou a tecnologia que venha a ser criada. A escrita, como as ideias, é eterna.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.