Fábulas

Wanda Camargo | assessoria@unibrasil.com.br

As “Fábulas” são um estilo literário em que geralmente é narrada uma pequena história com fundo moral ou alegórico. Seu cultor clássico foi Esopo, na Grécia em torno do século V a.C., e outro grande fabulista foi o francês Jean de La Fontaine, no século XVII. Suas obras são protagonizadas por animais falantes, e mesmo por insetos como no caso da clássica “a cigarra e a formiga” de La Fontaine. Essas histórias sugerem normas de conduta que, para o bem ou para o mal, apontam para o comportamento humano.

Da mesma forma, ao pregar em São Luís do Maranhão, em 1654, o Padre Antônio Vieira elaborou o Sermão de Santo Antônio aos Peixes durante um período de conflito com colonizadores portugueses e no qual fazia comparações entre os vícios dos colonos com os vários tipos de peixes, como o polvo, o voador, o pegador e o roncador. Padre Antônio Vieira louvava através desta alegoria as virtudes de alguns e censurava o vício dos colonizadores, personificados pelos peixes.

Já no século XX o filme de Eisenstein Ivan, o terrível, por meio da paranoia de um governante autoritário, na verdade discutia Stalin, num paralelo entre passado e presente. Em 1953, Artur Miller escreveu As Bruxas de Salém, a qual, embora fosse baseada nos eventos históricos que levaram à perseguição das bruxas de Salém em fevereiro de 1692, na verdade emulava a caça às bruxas que acontecia em sua época, a era do macartismo.

Estas escritas alegóricas são em muitos casos o recurso de que se valem os autores para realizar sua obra em tempos de censura e tirania, caso também de teatro e música popular, como fizeram muitos artistas. Chico Buarque de Holanda compôs inúmeras canções usando esse recurso quando não havia outro, seu livro “Fazenda Modelo” baseado em “Animal Farm” de George Orwell é um libelo cáustico aos sistemas e governos totalitários, ainda que em tom supostamente humorístico.  

Fabulistas também se valem dos personagens animais para se comunicar com crianças ou populares.

O musical “Cats” com enredo baseado em um livro do poeta T. S. Eliot é todo encenado por personagens caracterizados como gatos, provocou estranheza quando estreou na Broadway mas superada esta foi e continua sendo um grande sucesso. O tema é até demasiadamente humano, desenvolvido a princípio por um dos maiores poetas do século XX, e os sentimentos e sofrimentos dos gatos refletem com perfeição nas plateias e em sua reação.

A ideia de animais de estimação é relativamente recente, até há pouco tempo os cachorros eram criados como guardas ou pastores ou auxiliares na caça, gatos deveriam manter casas e celeiros livres de ratos, cavalos seriam apenas animais de tração ou montaria, os animais “de leite”, de corte ou produtores de ovos teriam, como continuam tendo, apenas essa função. Somente os ricos podiam ter o luxo de alimentar cachorrinhos ou gatinhos para companhia ou brinquedo das crianças, a comida era escassa e as sobras que seriam dadas à criação faziam falta à maior parte das famílias.

Após as Revoluções Industriais e com a expansão das áreas de cultivo e pastoreio, a redução das carências para parte das populações permitiu o conceito de “possuir” animais apenas por gostar deles. Hoje os cães e gatos fazem parte das famílias, e não apenas de classe média, moradores de rua que não tem mais quase nada tem geralmente seu bicho que o ama, cuida e faz companhia.

Com isso criou-se a antropoformização, conceito imaginário que atribui aos animais características e até mesmo pensamentos(!) humanos. Praticamente todos nós, em algum momento, nos surpreendemos conversando com nosso cão ou gato como se este pudesse nos entender racionalmente, algo diferente do relacionamento afetivo ou emocional que podemos ter com o bicho. Então, as fábulas e alegorias não são algo tão fora de contexto, os animais podem não pensar exatamente como nós, mas são sencientes e refletem a nós e nossa sociedade.  

Aprender estas fábulas é também aprender sobre nossa humanidade, e boa parte do que professores do ensino básico ensinam é feito por intermédio deste grande recurso didático.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasi – UniBrasil.