Insanidade e poder

Wanda Camargo | assessoria@unibrasil.com.br

Na tragédia shakespeariana “Hamlet” o personagem Polônio descreve o comportamento do protagonista como loucura, porém com método; como se fosse algo proposital no seu intuito de iludir a corte da Dinamarca e obter vantagem para vingar-se dos assassinos de seu pai e retomar o reino; é provavelmente é a primeira loucura “fake” da literatura, e criou moda.

Em anos recentes convivemos com afirmações como “a Terra é plana”, “Cloroquina cura Covid”, “Vacinas causam Aids”, e outras. Se fosse apenas ignorância já seria muito sério, mas é pior, é crueldade; quem faz essas afirmações não acredita nelas, quer manipular a população como um treinador que apresenta ao animal a ser treinado um “engodo”, uma peça a ser perseguida como se fosse real, com o objetivo de criar uma espécie de reflexo condicionado. Cada vez que determinada frase for pronunciada causará a reação que convirá ao manipulador.

Slogans comerciais ou políticos buscam esse objetivo, embora quase sempre de modo um pouco menos absurdo. Assim é que citações como “não esqueça a minha Caloi”, “não é nenhuma Brastemp”, “o amigo do povo” e muitíssimas outras passam a fazer parte da cultura popular e estimulam o consumo ou a votação.

Agora os americanos elegeram pela segunda vez um cidadão sobre cuja sanidade mental pairam sérias dúvidas, expressas por algumas entidades que pesquisam doenças mentais, e é prudente voltar a Shakespeare, que nos deu a pista “há método em sua loucura”. Apesar da aparência e do discurso desvairado, é pouco provável que considere real a possibilidade de fazer voltar o tempo para os anos cinquenta do século passado; que anexe impunemente um país inteiro, o Canadá, embora seu amigo russo esteja tentando fazer isso com a Ucrânia; que a Dinamarca, pátria de Hamlet, lhe dê a Groenlândia de presente, ou que seus cidadãos aceitem vende-la; mais provável é a “retomada” do Canal do Panamá, que no entanto também não deve passar impune.

Outra atrocidade é a intenção de expulsar do país dez milhões de pessoas, e iniciar uma guerra comercial que não pode ser vencida mas pode destruir a Economia mundial.

De forma até poética propõe mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América ou equivalente. De volta ao Bardo: “O que há, pois, num nome?”. Falklands/Malvinas, Canal da Mancha/Canal inglês, biscoito/bolacha. Referem-se às mesmas coisas, com vieses talvez um pouco diferentes, mas, tal a rosa, com o mesmo perfume…

Nenhum latino-americano de respeito deixará de chamar o Golfo em questão de Golfo do México, o que norte-americanos farão é problema deles. Como disse um grande poeta: “todo esto, agregado ao barril de malas acciones…”; e não haverá barril grande o suficiente para conter tantas más ações.

Seria chocante constatar que um povo que dispõe de algumas das melhores Universidades, Bibliotecas e Museus do planeta, que coleciona Premios Nobel de todas as modalidades, que, no dizer de uma música popular “representa boa parte da alegria existente neste mundo”, ainda assim parece acreditar em massa no evangelho trumpista. Mas não é todo o povo, apenas uma maioria construída por um processo eleitoral confuso e injusto, espera-se que na eleição de meio de mandato daqui a dois anos o Congresso seja reequilibrado, se ainda houver Congresso.

Ressentimento é uma força poderosa, e o ressentimento de quem teve ou acreditou ter o controle do mundo e da própria vida e perdeu é muito perigoso.     

Estudiosos dizem que “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.” Quando o “idiota da aldeia” vocifera acusações e ameaças a quem ou o que julga culpados sabe-se lá de que, provoca piedade, repulsa, talvez simpatia, mas fica nisso. Se estiver portando uma metralhadora causará pavor, pânico. Quando tem acesso a um enorme arsenal nuclear e à maior economia da Terra, algumas figuras deixam de ser apenas folclóricas.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.